“Daqui eu levo a força dessas mulheres e dessas comunidades. Eu nunca imaginei que vocês tivessem tanta força, tanta garra e vontade de trabalhar. A gente fica lá no nosso mundinho, fechado no ar condicionado e nem imagina, me emocionei muito esses dias”, a fala é da funcionária pública da Universidade Estadual de Londrina – UEL, no Paraná, Amélia Fioravanti Siqueira, de 60 anos. Amélia fez parte do grupo de 11 doadores da organização internacional ActionAid que visitou a região da Borborema nos dias 17 e 18 de novembro.
O grupo esteve conhecendo o trabalho de mais de 20 anos de fortalecimento da agricultura familiar agroecológica na região, desenvolvido pela AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, que assessora o Polo da Borborema, uma rede de 13 sindicatos de trabalhadores rurais, com o apoio da ActionAid.
A visita fez parte da sétima edição do “Mão na Massa”, projeto de turismo solidário que leva doadores da instituição para uma viagem que combina roteiro turístico sustentável para apresentar os parceiros e as comunidades apoiadas pela organização, além de promover trabalho voluntário para finalizar uma importante obra na região de uso coletivo.
As doações acontecem por meio de um sistema de “apadrinhamento” de crianças, “o recurso doado não vai diretamente para aquela criança e sim para o benefício da comunidade onde ela está inserida. A criança fica sendo o elo entre quem doa e a sua comunidade que é beneficiada, pois elas trocam cartas com os doadores onde vão contando as melhorias que acompanham nas suas realidades”, explica Renata Couto, gestora de Captação de Recursos da ActionAid.
Nos dois dias de visita, o grupo conheceu uma comunidade onde o trabalho acontece há mais tempo, o Sítio Lutador, no município de Queimadas e outra comunidade onde o trabalho iniciou mais recentemente, o Sítio Umbu, em Esperança-PB. Nos dois locais puderam conversar com agricultores e agricultoras, jovens, crianças, criadores, apicultores, viveiristas e com guardiões de Sementes da Paixão, nome que recebem na Paraíba as sementes crioulas.
No primeiro dia, por meio de instalações pedagógicas, com exposição de materiais e experiências, foram apresentadas as principais ações dos eixos de trabalho e comissões temáticas: a construção de infraestruturas de captação de água de chuva e a gestão da água nas propriedades; a rede de 62 Bancos Comunitários de Sementes; os Fundos Rotativos Solidários de pequenos animais voltados para jovens e mulheres, a valorização das raças nativas e o armazenamento de forragem; as Cirandas da Borborema e o trabalho junto a crianças em parceria com as escolas das comunidades, em defesa da educação contextualizada, pelo não fechamento das escolas do campo e o respeito e a valorização da vida na agricultura familiar; do trabalho de afirmação do papel das mulheres camponesas na construção da agroecologia e a denúncia e o enfrentamento de todas as formas de violência contra a mulher.
Adiles Emanuely Pereira da Silva, jovem agricultora do Sítio Lutador e estudante de Administração, conta que participa do trabalho do Polo da Borborema, desde criança, nas Cirandas em sua comunidade. Hoje com 17 anos, ela será jovem monitora da Quitanda da Borborema de Queimadas, um dos pontos fixos da rede de comercialização dos produtos da agricultura familiar dos municípios, que está prestes a ser inaugurada. Para Emanuely, o enfrentamento dos preconceitos é parte da vida dos jovens camponeses, que desde cedo, vão aprendendo a superar.
“As pessoas na Universidade chegam para mim e dizem ‘você não parece ser do campo’ e eu pergunto ‘o que é ser do campo? É ter as unhas, a roupa suja? Lá eu levanto a bandeira da agricultura e de quem vive no campo e as cirandas foram muito importantes para mim, considero que foram a base, um alicerce para que eu pudesse crescer e desenvolver a cultura do campo em mim”.
Adailma Ezequiel, jovem agricultora do Sítio Capoeiras, em Queimadas e da Comissão de Jovens do Polo da Borborema, aproveitou o momento para falar sobre a segunda edição da Marcha da Juventude Camponesa que acontece no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, no município de Lagoa Seca, lembrando da primeira edição da Marcha, que reuniu mil jovens em Remígio-PB.
“Iniciamos em 2010, buscando entender o porquê da juventude não estar no campo, buscando resolver essa problemática, entender que a escassez no campo é a falta de acesso à terra, a uma boa educação, a uma renda, e a gente foi vendo isso acontecer: jovens com consciência de que do campo dá para viver. Em 2016 fomos para as ruas para mostrar que nós somos jovens, que fazemos parte da sociedade e que queremos permanecer no sítio, mas com o mínimo de condições, com uma boa educação, lazer e oportunidades. Agora em 2019, iremos para as ruas novamente e vamos com muita força gritar contra o racismo”, disse.
No segundo e último dia de visita os doadores, um grupo formado por 9 mulheres e 2 homens, arregaçou as mangas e ajudou a finalizar a construção de uma cisterna de 16 mil litros para a Associação Comunitária do Sítio Umbu, no município de Esperança. O equipamento, doação do grupo de visitantes, ficará para uso coletivo da comunidade onde vivem 34 famílias. No local eles assistiram a uma apresentação das crianças da comunidade que participam da Ciranda e conheceram o passo a passo da construção da cisterna, iniciada pelas mãos dos próprios moradores, em sua maioria mulheres.
Do grupo de doadores, vindo de cinco regiões do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, Paraná e Rio Grande do Sul), alguns visitaram pelo primeira vez o Nordeste e conheceram a problemática da região semiárida de perto, também vivenciaram, por meio de depoimentos, como foi importante para a região o trabalho em rede, as políticas públicas de convivência com a estiagem, o estímulo à experimentação e à troca de experiências, que tem como princípio a valorização do conhecimento tradicional das famílias agricultoras locais. “A estiagem é para sempre, ela nunca vai acabar, mas a seca é o agricultor desprevenido, nosso trabalho é para que o agricultor passe a estiagem, sem sentir a seca”, como já diziam as palavras de seu Joaquim Santana, agricultor de Montadas-PB.
Marciana Gomes Lopes, bibliotecária aposentada, conta que conheceu a ActionAid em uma revista de bordo durante uma viagem de avião em 2013. Ela diz que ficou encantada com os projetos e começou a colaborar: “Eu não tinha a mínima ideia do que eu ia encontrar aqui, não sabia que aquele ínfimo valor que eu colaborei todos esses anos, tinha um impacto tão grande na comunidade, me emocionei desde o primeiro momento, com todos os depoimentos e histórias de vida que escutei aqui”.