Projeto amplia renda das famílias, produção de alimentos para autoconsumo e dinamiza a Rede dos Bancos Comunitários de Sementes do território
No último trimestre deste ano, quando os roçados já deram seus frutos e descansam à espera das próximas chuvas, algumas roças na região da Borborema, na Paraíba, estarão pinceladas de branco. Essa é a expectativa de cerca de 100 famílias, que plantaram ao longo do inverno deste ano, sementes de algodão junto a pés de batata, mandioca, milho livre de transgenia, erva-doce, feijão e demais culturas.
Uma das famílias que espera pela última colheita do ano é a de Luis de Santana, da comunidade Sítio São Bento de Cima, em Arara. Eles voltaram a cultivar o algodão depois de cerca de uma década sem produzir devido à perda de valor do produto. Se, há mais ou menos 10 anos, o quilograma (kg) da rama do algodão não conseguia chegar a R$ 1,20 ou R$ 1,30 – valor que, segundo Luis, compensava o custo do plantio – hoje, o kg da pluma orgânica, beneficiada e certificada, está por R$ 10,61. Explicando de forma bem simples, a rama é o algodão bruto, da mesma forma que é retirado do pé, ainda com a semente. Já a pluma é o resultado do processo de retirada da semente numa máquina que também faz um novelo da fibra.
A valorização do algodão tem sido um grande atrativo para que as famílias da região retomem o cultivo da planta, que ficou conhecida como ouro branco do Sertão, por ter gerado muita renda para a região e, especialmente, para o território da Borborema. Na década de 1920 e início da seguinte, Campina Grande, município polo da região, teve um crescimento acentuado impulsionado pelo comércio da fibra cultivada nas redondezas. Campina Grande chegou a ser o segundo polo de venda de algodão do mundo. Perdia só para Liverpool, na Inglaterra.
Mas, para além do valor alcançado com o algodão agroecológico, há outros motivos que atraem o interesse dos agricultores e agricultoras familiares. Uma delas é a vantagem do plantio agroecológico que preza pelo consórcio de culturas. “Há uma diversidade de culturas em uma pequena área”, destaca Luis de Santana, que sempre consorciou o algodão com o milho, a fava, feijão. Do ano passado pra cá, o agricultor planta o algodão junto de algumas variedades de feijão: gordo, rosinha e preto. Mas também já juntou o plantio do algodão com o coentro que produz há mais de 15 anos. “O coentro é bom para o controle das formigas”, comenta ele, destacando que as flores do algodão também atraem muitas abelhas, o que muito bom para quem é apicultor.
No ano passado, em meio hectare, Luis colheu 260kg de rama e 155kg de pluma. “Foi uma experiência boa”, avalia. Além da fibra, o plantio gerou novas sementes de algodão que o abasteceu para o uso este ano e também foram fornecidas para dois bancos comunitários de sementes da região, o do Sítio Serrote Branco, onde sua mãe é sócia, e de Riacho Fundo. A experiência bem avaliada fez Luis repetir a semeadura em 2020 na mesma área. Ele preparou o solo e esperou a chuva que chegou na primeira quinzena de julho para jogar as sementes.
“O plantio do algodão é muito antigo, mas este cultivo agroecológico é uma novidade”, comenta Emanoel Dias, agrônomo e assessor técnico da AS-PTA, uma organização de apoio à agricultura familiar agroecológica que, na Paraíba, atua na região da Borborema, em parceria com o Polo da Borborema, uma articulação de 13 sindicatos de trabalhadores rurais. Segundo Emanoel, existe uma diferença muito grande entre a produção do algodão em monocultivo e a agroecológica.
“O foco da AS-PTA é o estímulo ao plantio do algodão por meio dos consórcios agroecológicos, que são uma boa estratégia para a diversificação das culturas”. Com o consórcio, as famílias produzem também alimentos para a dieta familiar e o excedente gera renda por haver na região uma estrutura que garante a venda direta dos/as produtores/as para os/as consumidores/as.
“Os feijões, milho, erva doce, mandioca, batatas e outras culturas são comercializados no próprio Território da Borborema, por meio da Rede de 12 Feiras Agroecológicas e das cinco Quitandas da Borborema. Os tubérculos serão comercializados in natura, já os grãos e sementes serão empacotados e comercializados com a marca produtos do roçado. No caso do milho especificamente serão produzidos, fubá, xerém, mungunzá e flocão na Unidade de Beneficiamento dos Derivados de Milho Livre de Transgênicos”, acrescenta Emanoel.
O incentivo para a retomada do cultivo do algodão também dinamiza as casas comunitárias de sementes da região, onde há a Rede Bancos Comunitários de Sementes (BCS), com 62 infraestruturas distribuídas em 12 municípios, mobilizando mais de 1,5 mil famílias sócias. Os equipamentos que possuem um estoque diversificado de variedades alimentícias armazenadas de forma coletiva para serem distribuídas anualmente.
Em 2019, o cultivo do algodão agroecológico foi iniciado com 22 famílias, uma delas é a de Luis. Este ano, as 22 famílias anunciaram a vontade de seguir cultivando a partir das sementes que multiplicaram no plantio anterior e mais 77 famílias receberem sementes, totalizando 109 famílias que vivem em seis municípios da Borborema. Além de Arara, cidade de Luis, tem famílias agricultoras de Areial, Casserengue, Esperança, Queimadas e Remígio. “Com o distanciamento social, suspendemos as visitas de campo, e temos notícias dos consórcios pelo WhatsApp. Ficamos sabendo que 86 delas fizeram o plantio. Pode ser que todas tenham plantado. Vamos confirmar isso quando voltarmos os trabalhos de visita às famílias”, conta o técnico da AS-PTA.
O incentivo ao consórcio agroecológico do algodão com culturas alimentícias é um projeto da AS-PTA, Polo da Borborema, a associação EcoBorborema, que trabalha a comercialização dos produtos da agricultura familiar agroecológica, e tem o apoio da Fundação Laudes. Trata-se do Projeto Algodão Orgânico em Consórcios Agroecológicos, que prevê cursos e intercâmbios para que todo o processo de cultivo seja completamente livre de agrotóxicos e seja feito a partir das sementes crioulas, conhecidas na Paraíba como sementes da Paixão. No projeto, as famílias participantes aprendem a fazer caldas protetoras, defensivos naturais, entre outras técnicas de manejo e também recebem orientações para o controle da principal praga do algodão, o bicudo.
Um diferencial neste projeto é o contato com empresas consumidoras do algodão. Em 2019, o contrato de venda foi feito com a empresa Veja/Vert, uma marca francesa de tênis sustentáveis. Este ano, toda a produção das 109 famílias produtoras já está vendida para a Organic Cotton Colours, empresa espanhola produtora de malha para confecção de camisaria, roupa de cama e banho, que atua na Paraíba desde o ano passado e tem comprado algodão orgânico produzido em outros estados do Nordeste.
Além da compra certa de toda a produção, os contratos com as empresas asseguram a volta das sementes de algodão para as famílias produtoras e também para os bancos de sementes da região. Ademais de todos os motivos, a garantia de renda e um destino certo para a produção tornam o plantio do algodão um trabalho muito sedutor para as famílias em transição agroecológica, como a de Luis. Quem sabe assim, as mais de 100 famílias envolvidas no projeto sintam no bolso o sentido da alcunha ‘ouro branco do sertão’ que um dia foi realidade e inspirou músicas como ‘Algodão‘ conhecida na voz do rei do baião Luiz Gonzaga.