Iniciativa integra uma ação em rede com territórios de oito países da América Latina e Caribe, financiada pelo FIDA e IICA
“Se nós vivêssemos a seca de 2012 para cá, do mesmo jeito que a gente viveu a de 1998 e 99, como seria?” A pergunta de Luciano Marçal, assessor técnico da AS-PTA, provoca o início de uma rodada de falas de lideranças sindicais e comunitárias do Polo da Borborema durante o Encontro de Formação sobre Mudanças Climáticas. A intenção é identificar e refletir coletivamente sobre os avanços da trajetória construída pelo Polo no Território da Borborema, assim como as conquistas de políticas púbicas que proporcionaram aos agricultores e às agricultoras familiares uma maior capacidade de resistir à longa estiagem como foi a de 2012, tida como a mais forte dos últimos 100 anos.
As respostas trouxeram uma riqueza de elementos: destacou-se na trajetória a centralidade dos processos de construção coletiva dos conhecimentos. O conhecimento acumulado e gerido localmente se constituiu na base das dinâmicas de inovação e foram centrais para as transformações que contribuíram para a aumento das capacidades de adaptação e resiliência do território aos efeitos das secas prolongadas. Também se destacou como sendo uma trajetória de conquistas, a ampliação da base de recursos sob o controle das famílias agricultoras, sobretudo, o acesso à terra, a água, e a biodiversidade; as estratégias de constituição de estoques (água, forragem, sementes, etc.) combinadas com manejo ecológico dos recursos para a produção de alimentos garantiram maior diversidade e estabilidade produtiva.
As iniciativas de gestão coletiva dos bens comuns como os Fundos Rotativos Solidários e o Bancos de Sementes Comunitários, também chamaram a atenção para a importância dos processos de auto-organização para conviver com atual quadro climático. De igual importância foi também destacado como, ao longo dos últimos anos, se fortaleceu o protagonismo das mulheres e da juventude camponesa. Esta trajetória foi também fundamental para ampliar da capacidade das organizações em dialogar incidir na construção de políticas públicas e com as universidades; participar da construção de políticas públicas adequadas. Também foram levantadas a criação e fortalecimento das redes de agricultores/a no território; a ampliação da força social deste grupo do território; a construção da identidade enquanto Semiárido: ‘Somos povo, temos condição de mudar’; e o aprendizado sobre a convivência com o Semiárido, frutos dos mais de 25 anos de construção de um território agroecológico.
Ao final da rodada, Luciano destaca ainda o papel das comunidades na gestão de recursos, na auto-organização e na ocupação de mercados de forma organizada. “Foi impressionante como mesmo num período de seca prolongado, conseguimos continuar e até ampliar os mercados agroecológicos no território”.
No Semiárido, segundo dados da NASA, o aumento da temperatura se aproxima de 2 graus do ano que passou (2019). “Com as mudanças climáticas, os eventos extremos de seca serão mais violentos e a frequência tende a ser maior. Estamos falando de um desafio planetário e o enfrentamento se dá em vários planos”, salienta o assessor e indaga: “Hoje sabemos que a temperatura é bem diferente de antes e que os invernos mudaram, temos que entender o que está acontecendo, e como nos antecipamos a esse desafio?”
Antônio José da Silva, ou ‘Toinho Cadete’ como é conhecido, uma das lideranças que participavam da reunião, comenta que “desde janeiro até agora tem chovido, mas não teve um calendário de 90 a 120 dias de chuva para plantar e colher. Choveu, mas muito disperso. As fruteiras não produziram. Daqui para a frente, temos que animar mais, se reunir mais, intercambiar mais. Pois devemos acelerar essa discussão”.
O que Toinho traz como sugestão de encaminhamento para o grupo reunido, de forma virtual, no dia 16 de setembro passado, é a essência de um novo projeto que o Polo da Borborema e a AS-PTA vão executar por 14 meses, o Projeto Borborema Agroecológica. No último dia de setembro (30), esta ação foi lançada virtualmente num evento transmitido pelos Facebooks do Polo da Borborema e da AS-PTA.
“É um projeto de construção do conhecimento. Há uma expectativa de que o conjunto das nossas experiências sejam eficazes em relação à mudança climática e há uma responsabilidade grande nossa para que possamos contribuir [com o enfrentamento do problema climático] em outras regiões e países”, explica Marcelo Galassi, da coordenação da AS-PTA na Paraíba. Segundo ele, o desafio que este projeto traz é olhar para as comunidades, entender como elas têm construído suas trajetórias e seus mecanismos de resiliência e pensar como construir essas referências que consigam dialogar com outras redes de agricultores e agricultoras em territórios de toda a América Latina e Caribe.
Na verdade, o projeto Borborema Agroecológica foi criado a partir de um edital lançado pela iniciativa INNOVA: “Gestão de Conhecimento para a Adaptação da Agricultura Familiar ao Câmbio Climático”. Assim como a ação no território paraibano, vão acontecer, simultaneamente, outros projetos territoriais no México, República Dominicana, Honduras, Guatemala, Colômbia, Equador e Bolívia. O INNOVA é realizado a partir de recursos do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), uma agência da ONU, e do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).
No Brasil, o projeto focará em sete municípios de atuação do Polo da Borborema – Alagoa Nova, Areial, Esperança, Lagoa Seca, Queimadas, Remígio, Solânea. Em cada município, uma comunidade. Em cada comunidade, 20 famílias serão acompanhadas. “Faremos vários momentos coletivos de leitura da realidade. Iremos viver um momento interessante de olhar para as comunidades onde trabalhamos, para entender o seu papel no enfrentamento as mudanças climáticas. Sabemos que muito desse desequilíbrio é consequência do agronegócio”, informou Roselita Vitor, da coordenação do Polo da Borborema.
Haverá processos formativos a partir de oficinas, intercâmbios e seminários. E também estão previstas atividades de experimentação e sistematizações, que vão ter apoio metodológico dos institutos de pesquisa e ensino e as universidades parceiras, como as universidades Federal e Estadual da Paraíba, o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), e o Centro de Pesquisa Agrícola Francês para o Desenvolvimento Internacional (CIRAD), uma organização francesa de pesquisa agrícola e cooperação internacional que trabalha para o desenvolvimento sustentável das regiões tropicais e do Mediterrâneo.
“Vejo esta iniciativa pequena do INNOVA neste grande território da Borborema como uma semente”, ressaltou o representante do INNOVA no evento de lançamento da iniciativa Miguel Altamirano, que iniciou sua fala fazendo menção à força motora da agricultura familiar, que representa 80% da agricultura praticada em todo o planeta. Segundo Miguel, há dois temas relacionados à agricultura familiar que são a essência do INNOVA: a gestão do conhecimento e a inovação. “A inovação já existe no território e o que temos que ver é como projetarmos, como fazermos a troca do conhecimento, o intercâmbio. Esse é o coração do INNOVA e o espírito.” E mais adiante, acrescenta: “Através deste projeto, o Polo se une a uma rede que está em outros territórios que compartilham as mesmas condições do Semiárido brasileiro.”
O representante do FIDA, Leonardo Bichara Rocha, também presente no lançamento destacou que para o Fundo ligado à ONU, é importante que o aprendizado local seja levado, disseminado para outros agricultores, outras porções do Semiárido que reúnam as mesmas condições de vulnerabilidade climática e dificuldades para o aumento de produção e de renda. Miguel salientou ainda que o foco do projeto nos jovens e mulheres, que são o público-alvo do FIDA. “Somos uma agência financiadora que se destaca das outras porque a nossa preocupação não é simplesmente fornecer o recurso e sim saber como o recurso está sendo utilizado e para quais grupos está indo”.
O último a falar no lançamento virtual do projeto Borborema Agroecológica foi Paulo Petersen da coordenação da AS-PTA. “A trajetória do Polo da Borborema que é muito longa, persistente, determinada e bem orientada por princípios e valores. Não é orientada por projetos de financiamentos. É o contrário. Os projetos de financiamento são mobilizados para fortalecer uma trajetória de construção social. Deste ponto de vista, o INNOVA vem ao encontro de uma trajetória que fortalece a ideia dos ‘tesouros escondidos’, uma expressão muito usada na Borborema e que foi dita por um agricultor do Polo, seu Zé Pequeno, e que rompe com a ideia das soluções vêm de fora dos territórios. A concepção que o INNOVA foi criado reforça a autonomia e emancipação locais”, salienta Paulo.