As famílias agricultoras da Borborema paraibana estão em festa com esta conquista que abre portas para novos mercados
As famílias agricultoras da região da Borborema iniciaram 2021 com o pé ‘esquerdo’. No primeiro mês do ano realizaram a primeira assembleia da Cooperativa Borborema. Depois de muito desejada e planejada, a CoopBorborema se materializou. Tem diretoria, sócios, objetivos e estatuto. Tudo construído com muito cuidado e de forma participativa.
A tão sonhada cooperativa, que irá representar não só as famílias agricultoras da região, mas de toda a Paraíba, nasce com o objetivo de abrir caminhos para que a grande variedade de produtos agroecológicos do território chegue aonde ainda não chegou.
“A inauguração [da CoopBorborema] foi no dia 26 de janeiro de 2021. Às 9h, nos reunimos. A vontade era que fosse presencial pra gente poder se tocar, se ver, se abraçar no final pra comemorar tal feito no território. Mais uma conquista nossa!”, conta entusiasmado Mateus Nascimento, um jovem agricultor-experimentador de Queimadas, que assumiu o posto de vice-presidente da cooperativa.
“Mas, infelizmente, por conta da pandemia, fizemos online. Um da gente leu o estatuto. Fizemos alguns ajustes pra ficar de acordo com todo mundo e seguimos”, conta ele, informando que a CoopBorborema tem 24 associados e coração aberto para a chegada de muito mais sócios.
“Do litoral ao sertão, os agricultores e agricultoras familiares podem ser sócios da nossa cooperativa”, acrescenta Gizelda Lopes, presidenta da cooperativa e membro da coordenação política do Polo da Borborema. O Polo é uma rede territorial de sindicatos rurais de 13 municípios, mais de 150 associações comunitárias e uma associação de produtores agroecológicos, a EcoBorborema.
“A cooperativa vai ter a missão de dialogar com as várias formas de mercado para vender os produtos da agricultura familiar. Vai ser bem legal por aproveitar cada coisa que sai do campo, do nosso trabalho da agricultura, que possamos vender e fortalecer a renda das famílias. Na safra das frutas, vamos produzir mais polpas, mais geleias e vamos estocar. Vai ter estoques de alimentos!”, enfatiza Gizelda. O entusiasmo é, principalmente, porque as frutas que antes eram desperdiçadas e apodreciam no terreiro, como as mangas e jabuticabas, vão ser beneficiadas, estocadas no Banco Mãe e esta produção vendida pela cooperativa com a marca regional, Produtos do Roçado.
Além de ser o endereço da CoopBorborema, o Banco Mãe é um espaço de referência para as famílias agricultoras da região e é palco de muitas atividades: beneficiamento do milho da paixão, formações principalmente para mulheres e jovens, beneficiamento de frutas e da mandioca, entre outros alimentos, estocagem dos produtos, das sementes, local de reuniões…
O Banco Mãe apresenta condições para a cooperativa atuar, como a ampliação da produção de alimentos in natura e beneficiados e a capacidade de estocagem. E o Banco Mãe poderá fazer isso porque terá a cooperativa em plena ação, desbravando mercados, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) municipais e o estadual, antes não acessado pelo Polo da Borborema por não ter uma cooperativa que o representasse.
Com uma instituição legalizada e habilitada para ter fins lucrativos, o Polo também vai poder vender seu milho crioulo 100% agroecológico, um grande diferencial em todo o Brasil, para o programa de compra de sementes do governo da Paraíba. Não só o milho, como outras sementes como feijão, fava, além de produtos beneficiados como a farinha de mandioca e outros.
Recentemente, os 60 bancos de sementes tinham estoques em quantidade suficiente para venda. E o governo estadual tinha aberto um edital para compra de sementes crioulas. Mas a venda não pode ser efetivada por falta da instituição jurídica exigida. Justamente, a cooperativa.
Ação prioritária – Segundo Mateus, o primeiro passo da diretoria da cooperativa é registrá-la em cartório para que a instituição passe a existir juridicamente. Para isso, precisava instituir diretoria e ter um estatuto. O que já existe. “Tivemos todo cuidado para a diretoria ser toda composta por agricultores e agricultoras e lideranças sindicais. E também ser por homens, mulheres e jovens”, conta Gizelda.
“Conseguimos criar um estatuto que pudéssemos trazer as questões de gênero e geração, trazer a valorização do papel dos agricultores e agricultoras e os princípios da agroecologia”, destaca a liderança.
Os objetivos da cooperativa também foram construídos com muita intenção e lucidez. “A CoopBorborema traz em seus objetivos o respeito à vida, à natureza, às pessoas, às instituições. Porque é responsabilidade nossa apresentar não só produtos de qualidade, mas que também respeitem a vida das mulheres, das crianças e, automaticamente, respeitem a vida das pessoas que vão se alimentar deste produto 100% agroecológico. Nossos objetivos se contrapõem ao modelo capitalista, que corrói e consome vidas”, pontua Alane Lima, camponesa e assessora técnica da AS-PTA, que assessora o Polo da Borborema nos processos organizativos da agricultura familiar na região.
O segundo passo da cooperativa após a resolução de todas as questões burocráticas, é cair em campo para vender o grande diferencial da CoopBorborema, a linha de produtos derivados do milho da paixão 100% livres de transgenia: fubá, xerém, munguzá, e agora, o flocão da paixão. Além destes, uma grande variedade de produtos beneficiados – doces, bolos, polpas e outras tantas gostosuras – serão produzidos na cozinha-escola do Banco Mãe para ir direto para o mercado via ação da cooperativa e a marca regional, “Produtos do Roçado’.
Uma conquista planejada – Mateus, Gizelda e Alane falaram da caminhada até o dia em que a cooperativa realiza sua primeira assembleia. “O pensamento sobre cooperativa surge há muito tempo, quando se tem a necessidade de escoar o excesso de produção, que não é consumido pelas famílias no território”, comentou Alane.
“[A cooperativa] não é algo que caiu do céu. É algo que a gente havia planejado há algum tempo. É uma filha que vinha sendo concebida e agora a gente está assistindo ao nascimento dela. Então, é muita alegria. A gente está vendo que vão ser novas portas abertas tanto para os agricultores que já existem, como também para futuras gerações de agricultores”, ressalta Mateus.
Para Gizelda, falar em cooperativa e acesso a mercado é lembrar da construção que o Polo da Borborema vem fazendo no território ao longo de 25 anos, com a assessoria da AS-PTA. “No território, havia um grande desafio: os atravessadores. Muitas vezes, compravam a safra ainda no pé de forma bem barata. Não era digno para as famílias que tinham todo o trabalho de produzir, de cuidar, de limpar e, na época de vender a produção, vender de forma bem barata”.
“Então, criamos formas de vender nosso produto”, pontua ela demonstrando de forma bem prática e simples que quando as famílias assumem o protagonismo de suas vidas, conseguem construir condições, instrumentos e possibilidades que permitem uma vida digna.
Segundo Gizelda, esse fluxo em direção à abertura de novos mercados começou com um movimento de fortalecimento das redes de agricultores e agricultoras a partir de vários temas, com os intercâmbios e oficinas. “Demos um salto de qualidade. Aumentamos a produção e fortalecemos o trabalho das mulheres e da juventude”.
Daí em diante, foi uma contínua abertura de novos espaços de venda: as feiras agroecológicas – hoje são 12 que funcionam em 13 municípios – e mais as sete Quitandas Agroecológicas municipais, a regional e a móvel.
“Há dois anos, um grupo de agricultores e agricultoras conheceu a experiência de uma cooperativa no Paraná. Até então, víamos a cooperativa como uma coisa que não era bom para a gente. Mas, saímos do muito encantados com o que vimos. Ao chegar, iniciamos o processo de reuniões com os sindicatos, associações, redes de agricultores e agricultoras na perspectiva de criar a nossa cooperativa”, lembra a primeira presidenta da CoopBorborema.