Quando todo o estoque das sementes havia se perdido, estudo anima consumidores/as e famílias agricultoras da Borborema paraibana, que no século 20 viveu o auge e decadência desta cultura na região
Quem se preocupa com a qualidade do que come e busca diminuir (ou cortar) a ingestão de alimentos cultivados com agrotóxicos, certamente precisou dar adeus ao consumo da batatinha ou batata inglesa. Nas feiras agroecológicas, que existem em várias cidades de todo o Brasil, é bem raro encontrar essa variedade de tubérculo.
Mas, no território da Borborema, o Polo da Borborema e a AS-PTA seguem, desde 2010, buscando caminhos para revitalizar o cultivo da batatinha na região. O Polo é um coletivo que reúne mais de 150 associações comunitárias, 13 sindicatos rurais, uma associação regional e uma cooperativa.
Entre os vários desafios do cultivo da batatinha, um deles é a dificuldade no acesso e conservação às batatas sementes. A compra de novas sementes vem sendo pleiteada ao governo da Paraíba pela Comissão Territorial da Batatinha Agroecológica desde 2017, quando se percebeu a perda de qualidade das sementes separadas para replantio. A Comissão é um fórum misto composto pela sociedade civil organizada, órgãos do governo e universidade para tratar com os governos estadual e municipais questões relacionadas à revitalização desta cultura.
Enquanto a demanda por novas sementes não é atendida pelo governo estadual, uma parceria com a Universidade Estadual da Paraíba, campus Lagoa Seca, vem confirmando uma alternativa para o aumento da autonomia das famílias agricultoras. Trata-se da produção de batatas sementes a partir da técnica dos minitubérculos. “É uma técnica que não precisa de condições especiais para produção das batatas sementes”, comenta a professora responsável pela pesquisa Élida Barbosa Corrêa.
“Chama-se técnica do broto e é muito antiga nos centros de origem da batata. Esta técnica foi repensada e aplicada nas condições do Brasil, para multiplicação em larga escala, pelo professor José Caram, pesquisador da área de batata do Instituto Agronômico de Campinas, em São Paulo. Na Paraíba, a gente vem testando há quatro anos e conseguindo bons resultados a partir do broto, antes descartado.”, explica a professora Élida.
A técnica consiste na retirada do broto de cerca de cinco centímetros de uma batata certificada – sadia e de alta qualidade – para ser germinado num ambiente com proteção à entrada de insetos que são os propagadores de viroses nas batatas. Segundo a professora, em 70 e 80 dias, se consegue o minitubérculo. Com ele, se multiplica novamente as sementes no campo por, pelo menos, duas gerações. “A hipótese que está sendo testada é que a gente consegue multiplicar [as sementes] por vários anos”, comenta a pesquisadora.
O plantio foi realizado no campus da Universidade de duas maneiras: No telado, com brotos postos em substratos como o pó de coco. E, em canteiros por meio da plantação consorciada como o coentro e coberto com palhada de cana. E, como se trata de uma pesquisa participativa, o plantio também está sendo testado na propriedade da família de seu José Nivaldo dos Santos, agricultor em Areial. Nestas condições, a batata está plantada em ambiente de sequeiro, sem irrigação.
“Como a gente tem aqui no Agreste condições agroecológicas e ambientais favoráveis, acreditamos que vamos ter uma retomada da produção orgânica para atender o mercado das feiras e das compras públicas”, assegura a professora Élida, que segue: “E o que a gente tem de especial para multiplicar vários lotes de batatas sementes? Com a diversidade dos agroecossistemas, por meio do seu manejo, do consórcio de culturas, utilização dos produtos naturais e um período de estiagem, temos ambientes desfavoráveis à multiplicação dos insetos que disseminam viroses”, completa.
Apesar desta boa perspectiva com relação à multiplicação das sementes no território de atuação do Polo, as famílias produtoras de batata precisam do apoio dos governos para que as batatas, colhidas no campo e selecionadas para a semente, brote. Isso porque a batata, via de regra, precisa de frio para induzir a germinação. E a câmara fria é necessária nesse processo.
Histórico – Nas décadas de 1930 a 1990, as famílias agricultoras plantaram muita batatinha e ela era uma das principais culturas de renda da região. Na última década, porém, o cultivo começou a decair por conta do endividamento dos produtores forçados a comprar os pacotes da Revolução Verde, recheados de agrotóxicos, e também pela perda de mercados para outras regiões do Brasil.
A linha do tempo do trabalho de revitalização dos cultivos de batatas seguindo os moldes da agricultura agroecológica é longa. Começou e 2010 no território e, à medida que alguns obstáculos eram superados, outros apareciam.
Em 2011, a recuperação da unidade frigorífica em Esperança para fazer o armazenamento das batatas sementes e compra de cerca de 940 caixas de três variedades animaram as famílias agricultoras e a todos que acreditavam na possibilidade do cultivo agroecológico da batatinha.
“Em 2011, inicia-se o processo de revitalização do plantio da batatinha no território que segue por 2012, 2013 e 2014, quando começam a aparecer alguns problemas na parceria com o Estado”, conta Wagner Santos, assessor técnico da AS-PTA que acompanha esse trabalho há 10 anos. “A partir de 2014, a gente começa a identificar que é preciso fazer a substituição da batata semente”, acrescenta ela.
Nesse mesmo ano, a unidade frigorífica construída na década de 1970, no auge do cultivo da cultura no território, se mostrou inviável do ponto de vista da operacionalização e custo de manutenção. Também em 2013, com o início das atividades do Núcleo de Extensão Rural Agroecológica da Universidade Estadual da Paraíba, campus de Lagoa Seca, a AS-PTA levou para dentro da academia as demandas relacionadas ao plantio da batata no município.
Dois caminhos – Na estratégia de ação um caminho levava para a construção de uma ação de forte incidência política junto ao governo da Paraíba para a criação de programas e ações de compra de batatas sementes e disponibilidade de infraestrutura para armazenamento de batatas sementes, como a unidade de refrigeração ou de câmaras frigoríficas, cujo custo saia mais barato e conseguia atender ao volume bem menor de batatas para armazenamento.
E outro caminho levava à aproximação com a Universidade como instituição pública com capacidade de oferecer assistência técnica, através dos projetos de extensão acadêmica, e desenvolver pesquisas para buscar soluções para os problemas enfrentados pelas famílias agricultoras, responsáveis pelo fornecimento de 70% do que alimenta os/as brasileiros/as.
Através desta aproximação, foram oferecidas capacitações dos/as produtores/as rurais com relação à seleção das batatas sementes, por exemplo. A professora Élida contou que alguns produtores plantavam batatas que não eram mais sementes, que já estavam doentes e que iriam produzir plantas debilitadas e doentes, com a possibilidade de nem gerar novas batatas.
E a pesquisa evoluía ano a ano, enquanto as demandas encaminhadas para atendimento do governo do Estado não eram atendidas a contento. Dois anos depois da espera da compra de uma nova remessa de batatas sementes, os tubérculos selecionados pelos agricultores/as e guardados nas câmaras frigoríficas foram congelados e houve uma perda de 90% do estoque das batatas que seriam replantadas. “Os/as agricultores/as ficaram aterrorizados/as”, destaca o assessor técnico que acompanhou essa história passo a passo.
Depois de muita pressão, o governo do estado repôs o estoque a partir da compra de 30 toneladas de batatas para cultivo. Mas, o resultado no campo foi desanimador: 100% do plantio foi perdido. “Não gerou nem batata [para consumo], nem semente”, lembra Wagner, destacando também que no ano de 2019 houve um grande planejamento da produção no território. Todas as expectativas foram frustradas.
Junto a isso tudo, ainda tem um grande desafio de ordem climática. A seca iniciada em 2012 e que perdura até hoje na Borborema paraibana. Sendo que em 2016, 2017 e 2018, a estiagem estava ainda mais severa do que nos anos seguintes. E a cultura da batata exige um regime mais regular de chuvas.
Mas… a região vive, justamente, o período de luz no final do túnel. Quando tudo parece perdido, há uma possibilidade real de ampliação da autonomia das famílias em relação ao governo no plantio desta cultura. Na torcida para que isso se concretize, estão milhares e milhares de consumidores/as que querem comer a batatinha inglesa livre de venenos. E viva a agricultura familiar agroecológica!