No dia 27 que vem, AS-PTA e Polo organizam a quinta entrega de alimento saudável desde que começou a pandemia
No Brasil atual, milhões de pessoas – entre adultos, adolescentes e crianças – pulam refeições, se deparam com o fim da comida antes de ter novamente dinheiro e deixam de comprar algo que fazia parte da dieta porque a grana só encurta diante da constante inflação nos preços dos alimentos.
Desde que começou a pandemia, as ações de distribuição de cestas de alimentos e marmitas se proliferaram em todo o Brasil. Sinal de solidariedade entre as pessoas, empresas e organizações da sociedade civil. Da parte do governo federal, já não podemos dizer que há a mesma preocupação ou urgência.
“Temos grande distanciamento do poder público no atendimento às pessoas. Na medida em que afastam-se as políticas públicas das famílias agricultoras se formam as condições de fome e miséria e a gente se sente na obrigação de fazer distribuição de cestas básicas, mas não atendemos a todos, porque quem tem condições para isso é governo federal”, sublinha o presidente do Sindicato Rural de Alagoa Nova e da Coordenação do Polo, Manoel Oliveira, conhecido como seu Nequinho.
Desde que começou a pandemia, no território do Polo da Borborema, um conjunto de 13 municípios na microrregião da Borborema, vai acontecer a quinta entrega de cestas, alcançando cerca de quatro mil famílias e 20 mil pessoas. São mais 119 toneladas de alimentos agroecológicos que saem dos quintais, roçados e cozinhas das famílias agricultoras envolvidas nas ações do Polo da Borborema.
“Sinal de que aqui temos soberania alimentar”, enfatiza Roselita Vitor, também da coordenação do Polo. “Essa quantidade e diversidade de alimentos nos mostra também a importância da agricultura familiar agroecológica para o enfrentamento da fome no Brasil”, acrescenta Roberval Silva, da coordenação da AS-PTA na Paraíba.
Dessa vez, na entrega que vai acontecer no dia 27 de julho, 1,2 mil famílias serão beneficiadas com quase 21 toneladas de alimentos. “São alimentos comprados à família agricultora que não tinha para quem vender. Dessa forma, estamos ajudando os dois lados. Isso era justamente o que faziam programas como o de Aquisição de Alimentos (PAA), que hoje padece de corte no orçamento”, destaca Nequinho.
Para além dos alimentos – Nas cestas, haverá também materiais de higiene de uso pessoal e de limpeza da casa, além de materiais informativos reforçando os cuidados com a contaminação da Covid-19 e também panfletos que tratam sobre a dignidade menstrual.
Das 1,2 mil famílias, mil vão receber os alimentos numa cesta e 200 famílias receberão as doações em forma de dois tipos de vouchers. Um no valor de R$ 121,00 para comprar o alimento que quiserem nas Quitandas da Borborema dos municípios de Solânea, Esperança, Remígio, Queimadas e Arara.
O outro voucher, no valor de R$ 28,35, é para adquirir produtos de limpeza também nas Quitandas. Essa ação inovadora permitirá garantir um novo patamar de dignidade às famílias, na medida em que poderão escolher os produtos mais adequados às necessidades entre os alimentos saudáveis vendidos nas Quitandas.
Nível de insegurança alimentar das famílias atendidas – Para averiguar o nível de insegurança alimentar das famílias beneficiadas, a AS-PTA e o Polo entrevistaram as mil famílias que receberão as cestas.
Desse total, 500 respostas foram analisadas a partir da classificação da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). E foram constatados índices bem assustadores: 78% das famílias que tinham menores de 18 anos e 88% apresentavam níveis moderados e graves de insegurança alimentar.
Famílias que saem do campo – Das mil famílias que receberão as cestas, mais de 37% vão para a população que migrou do campo para a cidade. Na periferia das pequenas cidades, se vive uma realidade bem mais difícil. Sem espaço para produzir alimento, tudo agora precisa ser comprado. Somado a isso tem o peso do aluguel da casa.
Some-se a esse quadro o aumento da inflação dos alimentos, do desemprego, em muitos casos dos filhos que moram nos centros urbanos, e às mudanças no programa de transferência de renda, o resultado é mais e mais famílias com mais insegurança alimentar.
Com a mudança da dinâmica do Auxílio Brasil em comparação ao Bolsa Família, uma família mais numerosa conta com uma grana mais curta para se alimentar. “Antes, o valor aumentava quanto mais gente houvesse dentro de casa. Agora, há uma taxa fixa por família com o teto de R$ 400”, aponta Gizelda Beserra, da coordenação do Polo da Borborema.
Muitas vezes, a migração campo-cidade se dá porque a família não tem terra própria para morar e cultivar seu alimento. Vivem em propriedades de outros, como meeiros. Quando expulsos da terra, se dirigem para a rua para viver em casa alugada, o que aumenta as despesas da família já sem renda fixa.
As famílias também saem do campo devido ao medo de viver num lugar sem segurança. “Tem muita gente com sítio, mas que vem morar na cidade. Com isso, a mão de obra para cuidar dos plantios e animais diminui porque os filhos e a mulher ficam mais na rua”, destaca a sindicalista.
Outra questão que impacta muito na condição financeira da família são os anos sucessivos de seca. “Nas famílias rurais, quando falta água, falta alimento para as famílias e para os animais. E criar os animais comprando a ração é impossível. O milho, por exemplo, estava caríssimo”, acrescenta Gizelda.
Os municípios que vão entregar cestas para as famílias da periferia urbana são Solânea (190 kits) e Alagoa Nova (150). Remígio (140) vai dividir a entrega entre campo e cidade. “É a primeira vez que a gente leva as cestas para as famílias das cidades em Remígio. A pobreza tá grande”, lamenta Gizelda.
Já os municípios de Queimadas (140), Arara (100), Areial (150), Esperança (190) e Lagoa Seca (140) as entregas serão para as famílias fixadas no campo.
Mutirão de organização – Antes da entrega, há todo um trabalho de recebimento das 21 toneladas de alimentos, de separação de cada item e distribuição nas mil cestas. Trabalho para uma equipe de 30 pessoas por um período de uma semana. Essa etapa será realizada no ginásio de São Miguel, distrito de Esperança.
Na equipe de trabalho, destaca-se o envolvimento de 10 jovens da Comissão de Juventude do Polo da Borborema que se responsabiliza pelo empacotamento dos grãos e pela organização dos produtos em sacolas para a distribuição.
O Polo da Borborema é um coletivo de 13 sindicatos rurais e cerca de 150 associações comunitárias que organiza as famílias agricultoras para tornar realidade o projeto de construção de um território agroecológico, onde se pratica a agricultura sem ferir o meio ambiente e se enfrenta a cultura machista e patriarcal.
Nesta etapa de distribuição de alimento, a AS-PTA e o Polo da Borborema têm o apoio da Aliança Terre des Hommes Schweiz/Suisse e é uma organização parceira da Solidariedade Suíça (Swiss Solidarity), uma fundação independente criada pela Corporação Suíça de Radiodifusão.