A compra de sementes crioulas por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi uma conquista das guardiãs, guardiões, dos movimentos sociais e de base que atuam na conservação, resgate e reprodução da agrobiodiversidade. Desde 2003, na criação do Programa, tem sido operada a modalidade de doação de sementes. As experiências pilotos aconteceram na Paraíba, visando fortalecer a autonomia das famílias e recompor os Bancos de Sementes após um longo período de seca. As experiências cotidianas influenciaram o arranjo das políticas públicas, evidenciando o enraizamento nos territórios como fundamental e necessário às políticas de fortalecimento da agroecologia.
Ainda que reconhecida internacionalmente como uma estratégia de enfrentamento à fome e fortalecimento da agricultura de base familiar, pela conexão entre quem produz alimentos saudáveis e de qualidade e as pessoas em situação de vulnerabilidade social, o PAA entrou em um processo de desmonte. O Programa foi alvo de criminalizações iniciadas em 2013 e alvo de um arsenal antidemocrático que se alastrou pelo país nos últimos, sobretudo, sete anos. Desde então o PAA sofreu sucessivos cortes orçamentários, além de redefinição do escopo através do programa Alimenta Brasil, que, dentre outras coisas, previa o corte da modalidade de doação de sementes.
Em 2023, na retomada democrática do Brasil, o PAA foi relançado, animando e reafirmando que sem democracia não há agroecologia. Na Paraíba, mais uma vez os Bancos de Sementes e as famílias guardiãs se tornaram parte dessa história, conectando sementes, alimentos e segurança e soberania alimentar e nutricional. O último projeto havia sido aprovado em 2011, devido a uma série de restrições impostas, o que foi reduzindo a possibilidade de participação das famílias.
Ainda que sem acesso a recursos públicos, o trabalho com as sementes seguiu sendo realizado no território. Os diferentes mercados, nos quais as sementes da “paixão” são comercializadas, seja em grãos ou por meio de beneficiamentos, como é o caso do cuzcuz e do fubá, se tornaram estratégias cotidianas. Estes têm se constituído entre as comunidades, assim como de forma mais ampla. Nas feiras e Quitandas, foram comercializadas em 2022 mais de 14.600 kg de milho para a produção dos derivados de milhos e 4.264 kg de sementes empacotadas. Mercados que se caracterizam pela governança coletiva, por meio da atuação das associações e cooperativas da agricultura de base familiar.
Esses acúmulos e a ação coletiva ganharam novos contornos em 2023 com o novo acesso do território ao PAA, na modalidade Doação Simultânea de Sementes. Juntas, as famílias irão comercializar um volume de 8.490 kg, totalizando 05 variedades de feijão (carioca, mulatinho, faveta, preto, rosinha) e 02 de milho (pontinha e jabatão), movimentando R$103.146,60. O Projeto aprovado foi proposto pela CoopBorborema e a entidade beneficiária é o Polo da Borborema e sua rede de 60 Bancos de Sementes.
A ação em rede e territorializada organizada no Polo da Borborema têm tanto permitido a qualificação das políticas públicas, incentivando desenhos criativos e novos arranjos dos instrumentos, quanto construído caminhos em momentos críticos, como os atravessados recentemente. As políticas públicas constituídas a partir dos territórios demonstram sua resiliência ao se valerem do encontro profícuo entre Estado e sociedade, neste caso, quem ensina e aponta caminhos são as sementes e as famílias guardiãs.