“A gente chegou a plantar 250 mil pés de fumo [por safra], mas acabava que o dinheiro ia todo para pagar os custos daquela produção. As despesas eram muito altas. Aí a gente viu a loucura que estava fazendo”, relata Sandra Mara Ponijaleki Lopes, agricultora de 35 anos do Passo do Tio Paulo, comunidade no município de Palmeira, Paraná.
Há cinco anos, ela decidiu, junto com sua mãe e seu esposo, começar a plantar batata-salsa (também conhecida como mandioquinha ou batata baroa, dependendo do lugar do Brasil) e ver se a substituição dava certo. Era uma verdadeira reviravolta, já que nessa época a família não plantava nenhum alimento – nem mesmo para consumo próprio. “Foi um tiro no escuro, a gente não sabia se ia ter onde vender”, lembra Sandra.
Mas a ideia vingou: eles logo começaram a fornecer batata-salsa para mercados de Palmeira e algumas cidades vizinhas. Sandra também se associou à Cooperativa da Agricultura Familiar de Palmeira (CAFPAL) e passou a fazer entregas para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Vendo que tanto a cooperativa como os mercados locais tinham necessidade de vários outros produtos, a família foi diversificando os cultivos e adicionando outros alimentos, como mandioca, batata inglesa, diversas hortaliças e morangos. Hoje, além de vender alimentos, Sandra é uma guardiã de sementes crioulas.
Ela diz que, colocando na ponta do lápis, a renda líquida da família atualmente é cerca de 20% maior do que na época do tabaco: “Antes a gente não conseguia guardar nem um dinheiro de reserva para alguma emergência. Agora, a gente tem”, compara.
A mudança foi estimulada por Sandra junto com sua mãe e marido – seu pai era mais reticente, desconfiado de que a transição não daria bons resultados. Ele ainda planta um pouco de tabaco – na última safra, foram 25 mil pés –, mas hoje já ajuda com as batatas. “A gente dá uma incentivada para ele não sentir medo, para ver que entra um dinheiro sempre”, conta Sandra.
Sua história não se encerrou na própria família: há mais de um ano e meio, Sandra impulsionou a criação do coletivo Passo Delas, um grupo de mulheres da comunidade que buscam alternativas ao fumo. “O nome faz referência ao nosso lugar, a comunidade Passo do Tio Paulo, mas também significa que as mulheres estão dando o primeiro passo em busca da diversificação da fumicultura”, explica, completando: “A gente faz encontros em cada propriedade para ver como elas podem melhorar, o que querem aprender a fazer. Uma das mulheres já vai certificar uma área para produzir alimentos orgânicos, e outras já estão trabalhando em hortas para o consumo próprio, mesmo que ainda não seja para vender. Elas já têm sua própria verdura, e sem usar agrotóxicos”.
Não é raro que, em famílias que concentram a produção em um único tipo de cultivo, o pontapé inicial para a diversificação parta de uma mulher. Muitas vezes, essa diversificação começa em hortas no quintal – o espaço mais próximo da casa e, em geral, invisibilizado por sua menor importância econômica nos mercados formais: “O quintal é o espaço onde as mulheres podem decidir o que vai ser produzido, onde podem testar coisas novas, experimentar. E é também o local que garante a soberania e a segurança alimentar das famílias”, explica Luiza Damigo, assessora técnica da organização AS-PTA.
A 90 quilômetros dali, no município de Rio Azul, mulheres da comunidade da Invernada também se reúnem em suas casas para trocar experiências, mudas, sementes e histórias, fomentando a diversidade nos cultivos. O Grupo de Mulheres nasceu em 2009. Até aquele ano, as mulheres não participavam das reuniões da Associação dos Produtores Rurais da Invernada (APRI): “A gente tinha curiosidade de saber o que eles iam fazer nas reuniões, mas a gente não era convidada, então não ia”, recorda Maria Terezinha de Oliveira Skrzcezkiwski, de 71 anos.
“Os convites eram endereçados para os homens da casa. Então, para as atividades que a AS-PTA desenvolvia com a Associação, começamos a enviar os convites endereçados às famílias, o que era uma forma de convidar as mulheres também”, completa Luiza. A partir daquele momento, as mulheres começaram a vivenciar as reuniões da Associação. De quebra, criaram um grupo só delas. Atualmente são 13 integrantes, e o grupo é protagonista na organização de feiras de sementes, encontros e outras atividades.
A primeira integrante do grupo a receber uma visita das mulheres disse na época, um pouco encabulada, que não tinha “nada” para mostrar. “Mas, quando a gente entrou no quintal dela, vimos todas as variedades que ela tinha de verdura, de ervas medicinais, de tudo. Foi um susto, sabe? Porque ela achava que não tinha nada e era uma riqueza”, conta dona Terezinha.
Entre as mulheres do grupo está Andreia Iankoski, uma jovem agricultora que, junto com a família, planta tabaco há muitos anos. Sempre houve produção de alimentos na propriedade, mas apenas os de lavoura, como milho, feijão e mandioca. Nos últimos dois anos, houve um salto na variedade: “Depois que comecei a participar das reuniões das mulheres, eu recebi a visita da AS-PTA, em 2021, e eles me entregaram uma bolsa com sementes crioulas. Aquilo me motivou a fazer uma horta pequena, que ainda não tinha na minha propriedade. Combinei com meu esposo que, agora que eu já tinha as sementes, ele faria um cercado para produzirmos verduras para o nosso consumo. Desde então, comecei a guardar as sementes para ir sempre multiplicando e levando para as pessoas que não têm”.
A preservação de sementes crioulas não é uma atividade exclusiva de mulheres, mas algo na própria socialização feminina acaba fazendo com que as mulheres se preocupem mais com isso. De acordo com Luiza, a participação delas é notável especialmente nas chamadas “miudezas” – as verduras, legumes e plantas medicinais, que muitas vezes têm sementes pequeninas. “Acho que é porque tem que ter bastante paciência com elas, a gente acaba vendo mais as mulheres nisso”, conta dona Cirene Oliveira, de 51 anos, uma guardiã que também faz parte do Grupo de Mulheres da Invernada.
Os resultados do Projeto Emergencial de Conservação e Multiplicação da Agrobiodiversidade no Paraná, realizado entre 2020 e 2022 pela Rede Sementes da Agroecologia (ReSA) e executado pela AS-PTA, mostram bem isso. O projeto envolveu dezenas de famílias do estado produzindo sementes que foram distribuídas para diversas comunidades. Quando se tratava de grãos, como milho e feijão, ao todo 18 mulheres e 66 homens entregaram 30,5 mil quilos de sementes de 78 variedades. Mas, em se tratando de hortaliças e Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs), a participação das mulheres foi muito maior: 36 mulheres e 9 homens entregaram 85 mil pacotes de sementes de 65 espécies e 252 variedades diferentes. “A ‘miudeza’ dessas sementes é inversamente proporcional à importância que elas têm na garantia da segurança alimentar e nutricional”, destaca Luiza.
A importância da organização de mulheres para a manutenção da agrobiodiversidade é inegável, mas esse não é o único ponto positivo desses espaços – eles também ajudam as mulheres a reconhecer a relevância do seu trabalho, garantir uma renda extra com a venda de alimentos e sementes e alcançar espaços antes inimagináveis. “Foi aí [a partir do Grupo de Mulheres] que tivemos espaço para saber o que é uma agência bancária. A gente nunca ia, eram sempre os homens que vendiam as coisas e pagavam as contas na agência. Quando nós começamos a trabalhar nesse grupo, começamos a ver que nosso espaço como mulher é onde a gente quiser. A mulherada abriu o olho, começou a fazer carteira de habilitação para dirigir, abrir conta no banco, acessar alguns projetos, ter o próprio dinheiro, fazer cursos. Mudou tudo”, conclui dona Terezinha.
Texto: Raquel Torres | Centro de Estudos Sobre Tabaco e Saúde (CETAB/Fiocruz)