A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) voltou em 2023 após ter sido desidratada pelos governos anteriores. Com a retomada da PNAPO veio também seu espaço de articulação e diálogo com a sociedade civil, a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). A Política tem um plano como seu principal instrumento, o chamado Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que está agora na sua terceira edição. Para aprofundar a discussão sobre o que a política de agroecologia pode proporcionar de avanços no campo das sementes a partir da perspectiva dos movimentos sociais, conversamos com Philipe Caetano, do Movimento Camponês Popular, que é membro da CNAPO e participou da reunião da reunião de sua reinstalação, ocorrida em março, em Brasília.
Philipe destaca que “as organizações têm avaliado, de forma geral, é que apesar de ser um Planapo com muitas iniciativas importantes e fundamentais para os povos do campo, das águas e das florestas, muitas delas possuem metas de pouca abrangência e que não conseguem dar resposta às necessidades de avanços que estão sendo pretendidas pelas bases sociais e organizações camponesas e da agroecologia. Isso é reflexo da baixa prioridade e consequente baixo orçamento que tem sido destinado às ações de fortalecimento da agricultura camponesa e agroecologia pelo governo federal, o que tem sido alvo de uma intensa cobrança das organizações”.
Confira a seguir a íntegra da entrevista.
Boletim – No último mês de março a CNAPO foi reinstalada após ter sido extinta pelo governo anterior. Na sua avaliação, como o tema das sementes e da agrobiodiversidade volta à pauta agora após a interrupção do processo que teve início em 2012 com a construção dos Planapos 1 e 2 ?
Philipe Caetano – O tema da Agrobiodiversidade ganhou certo destaque na proposta inicial construída pela Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica – CIAPO, porém muito aquém do que se poderia avançar no sentido de possibilitar ações e programas estruturantes em torno do tema. Já na reunião da CNAPO, um conjunto de propostas foi apresentado no sentido de qualificar os eixos, objetivos e iniciativas que compõem o Planapo e que agora estão sendo analisadas novamente pela CIAPO
Do ponto de vista das sementes, foram apresentadas propostas em torno a iniciativas da produção, multiplicação, acesso, mapeamento e reconhecimento dos guardiões e guardiãs da agrobiodiversidade. No Plano, essas iniciativas têm como órgãos responsáveis o MDA, o MAPA e a EMBRAPA, além de outros órgãos e ministérios como parceiros e apoiadores.
Alguma dessas iniciativas se destaca?
A principal iniciativa sobre sementes é o Programa Nacional de Sementes e Mudas da Agricultura Familiar, que está sendo reformulado em diálogo entre governo e sociedade civil [O programa foi criado em 2015 por meio de portaria interministerial assinada por MDA e MDS]. Se esse programa for construído a partir de um bom arranjo político das organizações sociais e tiver orçamento adequado, poderá significar um salto de qualidade no campo das ações de uso, conservação, proteção, melhoramento, produção e acesso às sementes crioulas.
Foi também proposta a criação de um instrumento de reconhecimento e apoio aos guardiões e guardiãs da agrobiodiversidade, o que aparenta ser uma ação interessante no sentido de visibilizar quem são os sujeitos responsáveis pelo uso e conservação de toda essa riqueza e que merecem ser valorizados.
Os Planapos anteriores tinham como meta a abertura dos bancos de germoplasma da Embrapa. Como está essa discussão?
Esse tema está de novo na pauta. A abertura dos bancos de germoplasma por parte da Embrapa para garantir o acesso a organizações da agricultura familiar a recursos genéticos animais e vegetais crioulos é uma ação que tem sido historicamente pautada pelas organizações que atuam no campo da agrobiodiversidade e da agroecologia.
Por outro lado, uma iniciativa que nos preocupou foi a de “mapeamento, sistematização e disponibilização de informações sobre as caracterizações de recursos genéticos de interesse da agroecologia”, proposta pelo Ministério da Agricultura. Na minha concepção, esse pode ser um instrumento perigoso de acesso de informações das variedades crioulas pelos conglomerados industriais que atuam no campo do melhoramento genético e têm como foco a propriedade intelectual e a comercialização de sementes.
E como está sendo tratado o tema da diversidade animal e das raças crioulas no Planapo 3?
Sobre as raças animais crioulas foi proposta a iniciativa “promover arranjo produtivo de pequenos e médios animais e raças nativas nos diversos biomas, com fim de conservar e multiplicar a base genética adequada à produção agroecológica”. Isso nos parece ser uma interessante iniciativa, porém ainda com meta muito tímida de apenas 2 arranjos produtivos implantados por ano durante os anos de 2025, 2026 e 2027.
De forma geral, essas foram as principais iniciativas presentes no eixo que tratava da agrobiodiversidade. Além disso, a agrobiodiversidade foi inserida em algumas iniciativas de outros eixos do Plano, como ATER, comercialização e sociobiodiversidade.
Existem temas importantes para a agrobiodiversidade que não estão contemplados no Planapo?
Um elemento importante para nós e que sequer foi citado dentre as iniciativas é o debate sobre instrumentos de proteção da agrobiodiversidade. Isso preocupa pois vivemos um cenário de intensa erosão genética dos materiais tradicionais causada por processos de contaminação genética ou pelo desuso das variedades tradicionais que, tem ocorrido massivamente entre os agricultores (principalmente os que acessam o Pronaf) em decorrência da substituição de sementes e raças tradicionais por sementes e raças híbridas ou transgênicas. É urgente que sejam constituídas iniciativas que tratem sobre a proteção da agrobiodiversidade como patrimônio gerido pelos povos camponeses.
Nesse sentido, o que as organizações têm avaliado, de forma geral, é que apesar de ser um Planapo com muitas iniciativas importantes e fundamentais para os povos do campo, das águas e das florestas, muitas delas possuem metas de pouca abrangência e que não conseguem dar resposta às necessidades de avanços que estão sendo pretendidas pelas bases sociais e organizações camponesas e da agroecologia. Isso é reflexo da baixa prioridade e consequente baixo orçamento que tem sido destinado às ações de fortalecimento da agricultura camponesa e agroecologia pelo governo federal, o que tem sido alvo de uma intensa cobrança das organizações.
A CNAPO é o espaço de diálogo governo-sociedade civil. Como você avalia a incorporação e a presença das propostas da sociedade organizada e dos movimentos para ações sobre sementes no Planapo 3?
Tivemos pouca inserção das propostas apresentadas pela sociedade civil no documento inicial proposto pela CIAPO. Nós do MCP havíamos enviado uma série de propostas no campo da agrobiodiversidade, porém poucas foram incorporadas ao Plano, assim como acredito que deve ter ocorrido com as propostas apresentadas pela ANA e demais organizações.
Agora, com a reunião da CNAPO e com a visualização completa do conjunto das propostas, a sociedade pôde apresentar ajustes aos objetivos, eixos, iniciativas, indicadores e metas do Planapo. Esperamos agora que esse material possa ser analisado pela CIAPO de forma a buscar atender às demandas pautadas pela sociedade civil e inseri-las no Planapo.
Foram diversas questões propostas no tema da agrobiodiversidade. A de maior impacto trata da estrutura organizativa do Planapo. A proposta é que o tema da agrobiodiversidade esteja junto com o tema da sociobiodiversidade, formando um único eixo “Sociobiodiversidade e Agrobiodiversidade”, pois muitas das iniciativas focadas apenas no tema da sociobio cabem perfeitamente no tema da agrobio.
Durante essa primeira reunião foram também analisadas algumas iniciativas de outros eixos que poderiam contemplar a temática da agrobio, por exemplo nos eixos de comercialização e consumo e de construção do conhecimento agroecológico. A intenção é buscar alternativas de acesso a mercados, assim como pensar em avançar com ações de ATER voltadas para a agrobio.
O que mais você gostaria de acrescentar?
De forma geral, precisamos fazer com que o Planapo seja um instrumento de fortalecimento da agroecologia e do campesinato para estruturar processos nas comunidades e fazer com que mais alimentos saudáveis sejam produzidos e sirvam para alimentar o povo brasileiro. Para isso é fundamental que a Secretaria Geral da Presidência tenha um papel ativo na articulação com os demais ministérios no sentido de apresentar a importância das ações da Agroecologia no combate à fome, na promoção da saúde e na questão climática. Entendemos que esse é o caminho para o Planapo ter mais força política na agenda governamental e mais orçamento para suas ações.