A cooperativa gerida pelo Polo da Borborema é uma das 16 parceiras da Veja no Brasil na venda do algodão agroecológico usado na fabricação dos tênis
“O sentimento que vocês da Veja têm de vender um tênis com uma história por trás é o mesmo que temos quando vendemos nossos produtos agroecológicos”. Essa frase foi dita ontem (21) por Gizelda Beserra, presidenta da CoopBorborema e da coordenação política do Polo da Borborema. Ela falava para um grupo de 22 pessoas que trabalham na empresa francesa de tênis sustentáveis, a Veja.
Os/as visitantes vêm da França, Alemanha, Arábia Saudita e das regiões norte e sul do Brasil e estão há cerca de uma semana fazendo uma imersão para conhecer pessoalmente a produção do algodão agroecológico no Nordeste brasileiro e as articulações locais que possibilitam a produção e venda do algodão agroecológico que se transforma em tênis vendido em todo o mundo.
“Se não houvesse uma grande parceria no território, isso tudo [a venda da pluma direto para a Veja] não seria possível”, revela Gizelda. A grande parceria que ela se refere envolve desde as famílias agricultoras e suas comunidades, seis sindicatos de trabalhadores e trabalhadoras rurais, o Polo da Borborema, a AS-PTA, a associação de agricultores/as agroecológicos EcoBorborema e a CoopBorborema.
Entender como se dá essa articulação no território foi o principal motivo que os levou à Borborema paraibana. Como um território de grande produção de alimentos da agricultura familiar de base agroecológica, há uma complexa teia de instituições e grupos informais para organizar os cultivos, o processo de formação de mulheres, jovens, homens e até crianças e a chegada dos diversos produtos aos/às consumidores/as.
“Apresentamos para a equipe Veja três eixos importantes do nosso trabalho com a agroecologia no território. O eixo das sementes, que envolve os bancos comunitários de sementes e os cultivos do algodão em consórcio com outras culturas alimentares, como feijão, milho, jerimum, coentro, etc. O segundo eixo foi o trabalho com as mulheres, principalmente, o trabalho de beneficiamento para transformação dos alimentos in natura em bolos, doces, polpas etc. E o terceiro eixo diz respeito às diversas formas que encontramos para levar nosso alimento e produtos para famílias urbanas, através das Feiras e Quitandas Agroecológicas, além da venda junto às empresas, como a Vert”, explica Emanoel Dias, da coordenação colegiada da AS-PTA na Paraiba.
A cooperativa – Com o aumento da produção das famílias agricultoras envolvidas nas ações e dinâmicas do Polo, ter uma cooperativa gerida pelas famílias agricultoras para ampliar as vendas dos produtos para além do território, se tornou um sonho, que no início de 2021 foi realizado.
Um dos compromissos da CoopBorborema é garantir uma boa remuneração aos seus associados pelas vendas que faz. “O contrato que temos no PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), por exemplo, pagamos pela banana e laranja um valor maior que o praticado pelo mercado. Essa mesma lógica está presente no contrato que temos com a Veja”, acrescenta Ednaldo Rodrigues, assessor técnico da AS-PTA.
O contrato CoopBorborema e Veja é para vender todo o algodão cultivado pelas dezenas de famílias do território. Com a Veja, a Coop tem uma relação que vai além da comercial, é uma parceria. “A Veja é uma empresa que nos vê com outro olhar e não põe dificuldades para nós neste processo de compras”, assegurou Gizelda comentando que é muito difícil a gestão de uma cooperativa no Brasil.
“A legislação que rege as cooperativas no Brasil é da década de 1970 e trata as cooperativas da agricultura familiar como uma cooperativa grande. É o mesmo sistema tributário, mesmos impostos. Precisamos vender muito para pagar os custos operacionais, fixos que temos por mês”, acrescenta Emanoel.
“Nós criamos a cooperativa pela nossa capacidade política e organizativa que temos no território. Se fosse pelos custos, não teríamos criado”, confessa Gizelda.
Segundo Valdenira Rodrigues, conhecida como Val, uma das representantes da Veja no Nordeste, das 16 parcerias da empresa no Brasil, só quatro são com cooperativas. Todo o restante com associações.
Este ano, 57 famílias estão trabalhando no cultivo do algodão em consórcio agroecológico, que ocupa uma área de 62 hectares, com perspectiva de colheita de 22 toneladas de algodão em rama. Além do ouro branco, as famílias também vão retirar do roçado alimentos para consumo próprio, beneficiamento e venda, se houver excedente.
As reações da equipe Veja – Ao final da visita, que durou cerca de cinco horas, os/as visitantes fizeram uma rodada de avaliação. Entre as respostas dadas em português, inglês e francês, falas emocionadas tanto por reconhecer os valores da Veja como empresa engajada com as dimensões social e ambiental, quanto por saber que uma imersão aproxima muito as pessoas da equipe que não se vê com frequência, quanto por conhecerem histórias de quem atua na ponta produzindo a matéria-prima que se transforma no calçado.
“Adorei ver que, por trás da produção dos tênis, há muitos organismos. Há um tanto de pessoas colaborando para o bem comum. Adorei ver os caderninhos [caderno de campo, cujo preenchimento é requisito básico para o processo de certificação orgânica da produção e que também é exigido pela Veja] e o quanto eles agregam valor para a agricultura”, acrescentou mais alguém.
Uma jovem mulher destacou a força das mulheres que trabalham na Veja aqui no Nordeste e, emocionada, compartilhou uma percepção: “mesmo fazendo trabalhos diferentes, há dentro de nós muitas forças que só temos que deixá-las falar.”
“A sensação de poder tocar no algodão, ouvindo as cantigas da família que estava fazendo a colheita, mesmo sem entender, é algo que vou levar pra vida”, disse outro visitante, referindo-se à experiência de colher algodão antes de chegar na CoopBorborema.
For fim, Val, da equipe da Veja no Nordeste do Brasil, arrematou: “O que a equipe fibras daqui projetou fazer, alcançou: tocar vocês, mostrar o que é a agricultura familiar aqui no Brasil, o que é a resistência da agroecologia. A partir de agora, as meninas das lojas que estão aqui terão muito mais o que falar. Numa conta alta que fizemos na Veja, estimamos que são envolvidas duas mil mãos do campo até as lojas da Veja.”
Muitas dessas mãos, são as famílias agricultoras do Semiárido brasileiro que estão resgatando, de forma agroecológica, o cultivo de variedades de algodão que tinham sido dizimadas décadas atrás tanto pela presença do inseto bicudo, quanto pelos preços baixos da fibra.