“As lutas pela posse da terra nascem nesta fonte que estamos bebendo aqui. A gente tem conseguido enxergar o quanto era violento não só o latifúndio da cana, mas também o do gado. Se, antes, tínhamos luta forte por direitos, hoje temos por políticas públicas que também é nosso direito. O trabalho de base (que Margarida fazia) como era? Ela ia se reunir nos eitos da cana, na boca da onça, extremamente perigoso. Mas se ela não tivesse essa coragem, não tinha deixado nada”.
A reflexão é de Euzébio Cavalcante, uma das lideranças do Polo da Borborema, que acompanhou o segundo intercâmbio do projeto Caminhos da Luta Camponesa, no município de Alagoa Grande, no dia 23 de outubro. Um grupo de cerca de 70 pessoas de 12 municípios que fazem parte do Polo foi conhecer de perto o cenário onde Margarida Maria Alves enfrentou os latifundiários, apesar do medo, que reconhecia bem vivo dentro de si mas que escolhia não usá-lo.
O que o grupo do Polo viu e ouviu durante o dia e nos três pontos visitados – Fazenda Tanques, Museu de Margarida, antiga casa da sindicalista, e o Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Alagoa Grande – provocou muita inquietação e conexões entre a luta de 40 anos atrás com a de hoje.
“Hoje, estamos vivendo injustiças de outros jeitos, com as empresas de transgenia, por exemplo, contaminando nossas sementes crioulas de milho”, assegura Roselita Vitor, outra liderança do Polo.
“As relações de exploração se reproduzem e se atualizam de várias formas”, destaca Luciano Silveira, da AS-PTA. “Um exemplo é o processo de apoderamento das terras pelas [empresas de energia] eólicas. Se a gente não conseguir ler como se dá esta disputa, não vamos conseguir ir à luta. Antes, nossa maior ameaça era o latifúndio, hoje são as empresas de energia renovável”, pontua.
Passado que inspira o presente – Em agosto de 1983, há mais de 41 anos, Margarida foi assassinada na sala da sua casa com um tiro de calibre 12 na cabeça. Um crime impune até hoje e prescrito. Além de atuar em defesa dos direitos dos trabalhadores/as da cana – carteira assinada, 13º, férias, repouso semanal, aposentadoria, etc – defendia o acesso à educação, saúde e outros direitos humanos básicos para esta população.
“Quando foi morta, havia mais 700 causas trabalhistas na justiça de Campina Grande”, afirmou Carmelita Pedrosa, nascida na Usina Tanques e que foi companheira de Margarida na diretoria do sindicato. “Margarida morreu numa sexta-feira e, no próximo domingo, seria a greve pela campanha salarial”, relembra ela, contando que Margarida demonstrava preocupação por ninguém ter ido panfletar e conversar com os trabalhadores na Usina Tanques.
Esta usina tem um lugar especial na vida de Margarida Maria Alves. Uma das principais usinas do território na época, pertencia a Agnaldo Veloso Borges, um dos suspeitos pela morte de Margarida. Por este papel central na história da sindicalista e da luta trabalhista, este foi o primeiro ponto de parada dos dois micro-ônibus.
“Margarida enfrentava o Agnaldo Veloso Borges, que o povo dizia que era o homem mais brabo do Brasil”, anunciou Maria de Fátima de Araújo, conhecida como Tuta, que hoje mora num dos assentamentos que surgiu depois da desapropriação da fazenda. “Foi de Margarida que surgiu a coragem humana em nós. Foi dela que escorreu o sangue no chão e espalhou coragem”, diz. “Me lembro muito de Margarida com sua saia longa subindo essas escadas”, conta mais alguém apontando para a escadaria que dá acesso à casa grande da fazenda.
Depois da primeira parada, o grupo foi para o Museu de Margarida, que fica no centro de Alagoa Grande, onde ela morou. Depois, foi a vez de ir para a sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e ouvir três mulheres que testemunharam de formas diferentes a trajetória de Margarida: Carmelita Pedrosa, Soledade Leite e Ana Paula Romão. As duas primeiras trabalharam com Margarida no sindicato. Ana Paula é professora da Universidade Federal da Paraíba e pesquisou a história da sindicalista no mestrado e doutorado.
Depois dos relatos, foi a vez dos visitantes falarem. Muitos depoimentos emocionados como o de Manoel Oliveira, conhecido como Nequinho, do Sindicato de Alagoa Nova e da coordenação do Polo da Borborema. “Estou aqui revivendo aquela vida que tive com Margarida. Aquele vestido da foto era o que ela ia pra luta com a gente”, comenta apontando para uma foto pendurada na parede do salão do sindicato.
“Os capangas que mataram Margarida foram matar o advogado de Surubim [uma cidade no agreste de Pernambuco] e eu, em Alagoa Nova. Mas quando foram para Surubim, foram presos”, recorda.
Dona Terezinha foi militante quando Margarida era viva. É mãe de Maria do Céu Silva, uma das lideranças do Polo da Borborema. “Hoje, tô com 71 anos, mas não vou deixar esta luta, porque é uma luta viva. Quando falam que a nossa luta não tem valor, eu oriento as mulheres a criar uma associação rural e não só os homens. Nossa luta é pelo homem e mulher do campo e da cidade”.
“A gente estar aqui, enquanto movimento da juventude rural, é beber da experiência e alimentar o espírito de militante. É indescritível pisar na casa de Margarida Maria Alves. É a garantia da valorização e da continuidade dessa luta”, dispara Edson Johnny, uma liderança jovem do sindicato de Esperança e também da coordenação política do Polo.