Na última semana, educadoras populares, coordenações pedagógicas de escolas do campo, representantes dos sindicatos rurais do Polo da Borborema e integrantes da AS-PTA se reuniram para o Encontro Regional das Cirandas. Em clima de afeto, troca de saberes e música, o evento destacou a importância da Segurança Alimentar e Nutricional como eixo temático do semestre, abrindo também espaço para reflexões mais amplas sobre agroecologia, educação contextualizada e o papel das famílias camponesas na produção de alimentos.
As Cirandas da Borborema se constituem em importante espaço de formação das crianças, filhos e filhas de agricultores familiares. Muitas acontecem em espaços da escola do campo, fortalecendo a identidade camponesa e a importância da agricultura familiar. Durante o encontro foi possível compartilhar experiências pedagógicas e de como as escolas podem dialogar com os temas das Cirandas.
Na comunidade do Carrasco, em Esperança-PB, a parceria entre a Escola Municipal Antônio Adelino dos Santos e as Cirandas completa 16 anos. Como explicou a diretora Elaine Cristina da Silva, “o tema da Ciranda é semestral, e a cada semestre tem um assunto diferenciado; nós abraçamos como se fosse o tema da Secretaria de Educação” . Para ela, integrar a Ciranda ao currículo não diminui o tempo de aula, pelo contrário, o enriquece: “Não é obrigado o aluno passar a manhã toda copiando um texto; nós ganhamos um dia de aula diferente” .
Quando a dirigente sindical Maria do Céu Silva questionou se a escola trabalhava o tema apenas no dia da Ciranda, Elaine foi enfática: “Não, a partir do momento que recebemos o tema fazemos a junção com os conteúdos programáticos que já vêm da Secretaria. Então não trabalhamos apenas aquele dia, mas sim todo o semestre”.
As cirandas também fortaleceram a relação com as famílias. Marizelda Salviano, do Sindicato de Esperança, se emociona ao ver a produção da sua filha na escola: “É muito importante a parceria do Sindicato, Escola e Polo. Estamos juntos enfrentando ameaças ao campo e construindo um futuro para as nossas crianças.”
Danilo dos Santos Vieira, representante da Secretaria de Educação observou que as Cirandas da Borborema permitem maior interação entre município, escola e famílias: “antes não tínhamos espaço na escola, ficávamos sentados só ouvindo, hoje, com a Ciranda, somos convidados a participar ativamente das atividades”.
Mais do que uma etapa do planejamento pedagógico, o encontro regional das Cirandas da Borborema reafirmou o papel das infâncias na transformação da realidade. Foto: AS-PTA
Alimentação saudável: uma conversa que começa na Ciranda
Durante o encontro, também foi lembrado que a agricultura camponesa é a principal responsável pela produção de alimentos saudáveis no Brasil, mas que, ao mesmo tempo, enfrenta ameaças crescentes como o avanço de grandes empreendimentos de energia, o desmonte de políticas públicas, ou a desvalorização do saber tradicional.
Por isso, discutir com as famílias o papel da agricultura na manutenção da segurança alimentar se torna uma estratégia educativa e política ao mesmo tempo. O alimento que chega à mesa da criança é também fruto da luta pela terra, pelas sementes crioulas, pela água, pela agroecologia. Para Cláudia Brito, agricultora de Lagoa Seca, “segurança alimentar é aquilo que a gente come de verdade, e come sabendo que está fazendo o bem… é o alimento que tratamos com carinho, respeitando”.
A importância dos programas como o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) foi lembrada como estratégia para conectar agricultura familiar e alimentação escolar, promovendo saúde e renda nos territórios.
Leda Gertrudes, assessora da AS‑PTA, afirmou que “a segurança alimentar é um direito e é dever do Estado brasileiro promover o acesso permanente e de qualidade aos alimentos, por meio de políticas públicas. Isso envolve o apoio à agricultura familiar agroecológica como forma de combater a fome, garantindo alimentos em quantidade suficiente e com qualidade, como está garantido na Constituição Federal.” Essa responsabilidade inclui, entre outras, manter e ampliar programas como o PAA e o PNAE, que conectam a merenda escolar à produção da agricultura familiar.
Nos últimos anos, o fornecimento de alimentos para a merenda escolar a partir do PNAE tem sido uma estratégia de fortalecimento da produção local e de valorização da comida saudável nas escolas. No entanto, os relatos também trouxeram alertas: nem todos os municípios cumprem a exigência de comprar da agricultura familiar; faltam incentivos para manter as famílias no campo; e o desmonte de políticas tem ameaçado os avanços conquistados.
“A luta não acabou. O PNAE é uma conquista do povo, mas precisa ser mantido e ampliado. A comida das nossas crianças não pode depender do mercado, ela tem que vir do campo, da agricultura familiar. E é nosso papel questionar a origem da alimentação das crianças na escola”, disse Ana Paula Cândido, dirigente sindical de Queimadas.
As Cirandas da Borborema se constituem em importante espaço de formação das crianças, filhos e filhas de agricultores familiares. Foto: AS-PTA
Infância como semente de transformação
Mais do que uma etapa do planejamento pedagógico, o encontro regional das Cirandas da Borborema reafirmou o papel das infâncias na transformação da realidade. Ao valorizar os saberes das crianças e das famílias agricultoras, a Ciranda se mostra como um espaço de formação cidadã e resistência.
“Criança bem alimentada é criança que aprende, que brinca, que se enraíza no seu lugar. E é desde cedo que a gente planta essa semente da luta”, sintetizou Maria Denise Pereira, da equipe técnica da AS-PTA.