Mais de seis mil pessoas passaram recentemente pelo 13o Congresso Brasileiro de Agroecologia, realizado entre os dias 15 e 18 de outubro na cidade de Juazeiro da Bahia. O lema do evento que reuniu gente de todas as partes do país foi “Agroecologia, Convivência com os Territórios Brasileiros e Justiça Climática”. Essa temática foi explorada a partir de diferentes ângulos, formatos e atores ao longo dos quatro dias de intensa programação do Congresso.
No dia 16 de outubro, data em que se celebra o Dia Mundial da Alimentação, dezenas de congressistas acompanharam o painel “Cultivar e proteger a diversidade dos sistemas agroalimentares”. O espaço foi organizado por Amaury Santos, da Embrapa, e moderado por André Burigo, da Fiocruz, e contou com a participação de Jaqueline Andrade, da Terra de Direitos, Marilene Melo, da ASA Paraíba, Roselita Vitor, do Polo da Borborema, Fernanda Monteiro, do Grupo de Estudos em Territórios, Sociobiodiversidade e Agriculturas Tradicionais, Patrícia Bustamante, da Embrapa e Marciano Silva, do Movimento dos Pequenos Agricultores.
O painel teve como objetivo analisar os desafios relacionados à promoção e proteção da agrobiodiversidade no cenário contemporâneo, com especial atenção à escala territorial, vislumbrando, também, formas de ação coletiva e políticas públicas capazes de salvaguardar a diversidade biológica e cultural dos agroecossistemas.
A partir de perguntas geradoras que orientaram as falas dos painelistas e da interação e depoimentos dos participantes, o espaço permitiu uma reflexão coletiva sobre questões centrais extraídas das diferentes formas de organização local voltadas para a conservação e uso das sementes e das raças locais.
Nesse sentido, foi evidenciado que as sementes são bens ancestrais que mobilizam não só recursos genéticos, mas também alimento, cultura e modos de vida. A partir do conhecimento dos povos indígenas, dos povos e comunidades tradicionais e das famílias agricultoras, as sementes fazem a conexão entre as roças/roçados, os sistemas agrícolas, os territórios e a construção da soberania e segurança alimentar e nutricional.
Também foi visto que a conservação das sementes não pode ser pensada de forma dissociada de seus guardiões e guardiãs, que são as pessoas que historicamente cuidaram desse patrimônio. Assim, sem terra, sem água e sem biodiversidade não é possível produzir alimentos. Tudo está conectado. Isso significa dizer que os programas e as políticas de reforma agrária, de regularização dos territórios tradicionais e de demarcação das terras indígenas são ações urgentes e prioritárias para se enfrentar a crise climática e para se cultivar e proteger a diversidade dos sistemas agroalimentares.
Olhando para o tema numa perspectiva de médio e longo prazo, emergiu com força no debate o entendimento de que a promoção futura de sistemas agroalimentares diversificados depende desde já de políticas públicas de ensino como o Pronera, os cursos de Agroecologia e de educação do campo e das EFAs. Depende também do fortalecimento das ações de ingresso e de permanência da juventude do campo, das águas e das florestas no ensino técnico e superior, assim como dos programas de educação de jovens e adultos – EJA. A interiorização dos Institutos Federais e das universidades tem avançado nos últimos tempos e são fundamentais para a qualidade desse processo. Andando de mãos dadas com o ensino, a pesquisa pública cumpre papel fundamental nesse sentido, podendo salvaguardar as sementes e ao mesmo tempo democratizar o acesso à genética. Aqui destaca-se, por exemplo, a abertura dos bancos de germoplasma de empresas públicas de pesquisa que conservam enorme diversidade de sementes e materiais reprodutivos de espécies relevantes para a alimentação e o manejo dos agroecossistemas.
A criação animal é parte central da produção familiar e seu manejo promove a integração entre as diferentes atividades da propriedade, gerando renda e autonomia produtiva. Processos coletivos e territorializados como os Fundos Rotativos Solidários são exemplos de auto-organização local que mostram como as raças nativas e crioulas podem ser resgatadas e cuidadas pelas juventudes, gerando renda e autonomia no campo.
As ameaças às sementes também foram debatidas durante a sessão. Sendo as sementes um componente chave e articulador dos modos de vida dos povos, foi visto que as ameaças às sementes são também ameaças aos direitos territoriais das comunidades e a seus modos de vida e vice-versa. Falou-se sobre a liberação dos transgênicos, dos novos transgênicos derivados de técnicas de edição genética e do crescente uso de drones para pulverização aérea de agrotóxicos. No contexto atual, a bioeconomia que é oferecida como solução, deve ser vista de forma crítica pois traz a perspectiva inerente de financeirizar a natureza e os processos ecológicos, fazendo muitas vezes lucrar com a solução quem até agora lucrou com a destruição.
Da beira do rio São Francisco, o CBA seguirá para outra região do país, consolidando seu legado de espaço plural e vibrante de convergência e fortalecimento das práticas de ensino-pesquisa-extensão em Agroecologia.