O ano de 2025 vai chegando ao fim: mais um ciclo, mais uma volta da Terra ao redor do Sol, a passagem pelas quatro estações. Parece acertado iniciar rememorando os ritmos que regulam e permitem a vida, sejam eles políticos, ecológicos ou geológicos. De trás para frente nos acontecimentos, este foi o ano da COP30 e da Cúpula dos Povos, espaços fundamentais para o debate climático e, sobretudo, para fazer ecoar — ainda que haja tantos ouvidos moucos — como as soluções para os problemas globais vêm dos territórios e como a agroecologia é parte central desse caminho. Esse foi o tema do nosso penúltimo Boletim. Agora, neste último do ano, fazemos uma retrospectiva dos temas tratados em nossas matérias especiais, rememorando as dez edições publicadas ao longo de 2025.
De COP em COP, iniciamos o ano com uma entrevista concedida pela agricultora do Polo da Borborema (PB) e da Articulação do Semiárido (ASA), Roselita Victor, que participou da COP16 da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), realizada na Arábia Saudita. Na entrevista, Roselita destacou o papel da agricultura familiar e da agroecologia no enfrentamento da desertificação, das mudanças climáticas e no cuidado com a natureza integrado à produção de alimentos. Chamou atenção para a necessidade de reconhecimento das experiências territoriais na elaboração de políticas públicas adequadas às especificidades locais e, assim, para uma atuação mais precisa do próprio Estado. Destacou ainda a importância da expressiva presença da sociedade civil: “foram mais de 3.500 representantes na COP, discutindo contextos de experiências práticas, contribuindo ao debate e reivindicando financiamentos para práticas da agroecologia e de combate à desertificação, no debate sobre a degradação da terra e o papel dos povos e comunidades tradicionais, dos camponeses e camponesas na conservação”.
Imagem: Giorgia Prates/AS-PTA
Na cadência das experiências e da valorização das práticas desenvolvidas nos territórios, o segundo Boletim contou com Andrea Jantara, agricultora urbana e guardiã de sementes do Paraná. Ela compartilhou sua participação na “Oficina sobre Conservação da Agrobiodiversidade por Guardiãs(ões) em Bancos Comunitários de Sementes (BCS): Experiências, Diálogos e Demandas”, organizada pela Embrapa Recursos Genéticos. Assim como Roselita Victor, Andrea destacou a importância desse encontro, que reuniu guardiões e guardiãs de sementes de todo o país, para aprofundar laços com o Estado e fortalecer políticas públicas que coloquem “em pauta seus desejos e seus anseios em defesa das sementes crioulas”.
Na terceira edição do ano, nossa matéria especial ganhou chão no território do Sertão do São Francisco, em Juazeiro da Bahia, onde a agroecologia e o trabalho em rede, em conexão com a paisagem, têm demonstrado sua vitalidade. A parada ali e a inspiração oferecida pelo território integrou o processo de construção do monitoramento participativo de políticas públicas de apoio à agroecologia, constituído coletivamente pelo Estado e pela sociedade civil. Um esforço conjunto para construir indicadores, informações e dados que façam sentido para a gestão pública, mas também para os territórios e para quem neles vive, contribuindo para a compreensão da realidade, a incidência política e o desenho de políticas públicas cada vez mais adequadas às diversidades.
A atenção à biodiversidade também esteve no centro das nossas matérias. Na quarta edição, apresentamos os destaques do encontro realizado pelo Grupo de Trabalho Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (SP), o encontro teve como objetivo trocar experiências e atualizar estratégias comuns de ação em rede
em defesa do direito ao livre uso da agrossociobiodiversidade pelos povos. A atividade contou com representantes das cinco regiões do país. Os debates envolveram reflexões sobre os acordos e tratados internacionais que incidem sobre o acesso e o uso da biodiversidade e seus impactos nas práticas locais de guardiões e guardiãs, além das políticas públicas nacionais relacionadas ao tema. Como estratégia de defesa dos direitos dos/as agricultores/as e das sementes, os protocolos comunitários bioculturais também foram pauta do encontro, contribuindo para fomentar processos de auto-organização e gestão coletiva nos territórios.
Não é segredo para ninguém que a realização da COP30 no Brasil trouxe consigo a necessidade de aprofundar o entendimento sobre como funcionam essas conferências, quais são seus principais processos e como elas carregam histórias e intenções. Na quinta matéria do ano, exploramos esses aspectos, enfatizando que a COP é um espaço das partes, destinado às negociações realizadas exclusivamente pelos representantes dos países. Previamente à COP do Clima, ocorre em Bonn, na Alemanha, um encontro preparatório que já coloca em perspectiva os temas que estarão em debate. Em 2025, os três principais temas discutidos foram a implementação do Balanço Global do Acordo de Paris, a Transição Justa e o Objetivo Global de Adaptação.
Esses temas, contudo, são parte de longos debates que envolvem transformações, acordos e disputas geopolíticas. Esse foi o mote da nossa sexta matéria: compreender a história das COPs e a própria emergência das mudanças climáticas como um problema público, marcado por negociações, acordos e ajustes. Tratamos da proposta da primeira conferência específica sobre o clima, desenhada no Brasil durante a Rio-92, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. A primeira COP do Clima, por sua vez, foi realizada em Berlim, na Alemanha, em 1995. Navegar pela história das COPs é também adentrar o mundo do carbono, identificando o deslocamento de uma compreensão complexa das transformações climáticas para a quantificação do gás carbono na atmosfera, cada vez mais focada na rentabilidade dos chamados mercados de carbono.
As mudanças climáticas são um problema global e o que buscamos reafirmar ao longo das edições — tanto das matérias especiais quanto das notícias do Boletim — é que as soluções já estão em curso e
pulsando nos territórios. Na sétima matéria do ano, voltamos ao Paraná, desta vez para falar sobre pesquisa participativa. O objetivo do projeto, realizado por meio da parceria entre a AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, o Grupo de Trabalho de Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia (GT Mulheres da ANA) e o Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA-ZM), foi fortalecer a atuação em rede das mulheres e os processos de auto-organização, com foco na autonomia, na soberania e segurança alimentar e nutricional, na geração de renda e na conservação da sociobiodiversidade. Por meio da Caderneta Agroecológica, utilizada como instrumento de pesquisa participativa, com registros feitos pelas próprias agricultoras, agricultoras e técnicas evidenciaram que as mulheres têm papel central na produção diversificada de alimentos, sementes crioulas e plantas medicinais. Revelaram, ainda, que grande parte dessa produção é destinada ao consumo familiar, garantindo a segurança alimentar das famílias. Os dados publicados na cartilha, após a análise de um ano de anotações (novembro de 2023 a outubro de 2024), mostram que a venda representou 64,6% da produção total, ou R$ 183.778, de um total de R$ 284.410. Dados que reafirmam: “sem feminismo, não há agroecologia”.
Na oitava matéria, retornamos ao território de Juazeiro da Bahia. Em outubro, foi a vez da realização do XIII Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), que teve como tema “Agroecologia, Convivência com os Territórios Brasileiros e Justiça Climática”. Ao longo dos quatro dias de Congresso, as sementes crioulas e seus guardiões estiveram presentes em uma diversidade de espaços e atividades. No dia 16 de outubro, data em que se celebra o Dia Mundial da Alimentação, dezenas de congressistas acompanharam o painel “Cultivar e proteger a diversidade dos sistemas agroalimentares”, cujo objetivo foi analisar os desafios relacionados à promoção e à proteção da agrobiodiversidade no cenário contemporâneo, com especial atenção à escala territorial, vislumbrando também formas de ação coletiva e políticas públicas capazes de salvaguardar a diversidade biológica e cultural dos agroecossistemas.
A nona matéria foi dedicada à Cúpula dos Povos e à COP30. Se as COPs se caracterizam pela negociação entre as partes, centrada nos países, a Cúpula é a expressão da sociedade civil, dos movimentos sociais e da diversidade de territórios que fazem morada no planeta. Ali foram denunciadas as falsas soluções baseadas na mercantilização e na financeirização da natureza, que apenas reforçam a concentração de mercados e de poder nas mãos de grandes corporações, tanto do sistema alimentar quanto do sistema energético. No que se refere à COP30, as negociações, definitivamente, não resultaram em acordos capazes de garantir uma transição justa. Ainda assim, foi bonito ver a presença de tantas vozes em defesa da transformação dos sistemas alimentares e o reconhecimento de que inúmeras soluções vêm sendo tecidas por povos do campo e da cidade.
E eis que aqui estamos, na décima edição da matéria especial do nosso Boletim. O ano de 2026 já anuncia seus desafios. É preciso fazer vencer, mais uma vez, a democracia. É preciso enfrentar o fascismo que se apossa da América Latina. É preciso acreditar e defender a diversidade que reside em cada semente crioula cultivada por guardiões e guardiãs — diversidade que dá sentido à própria agroecologia.