Muitas vezes me perguntam sobre a diferença entre Agroecologia e produção orgânica. Agroecologia é uma disciplina científica, uma prática e um movimento. A filosofia orgânica foi inspirada por agricultores e outros atores pioneiros de todo o mundo, e um movimento social desenvolveu a prática, com base na ciência da Agroecologia. Posteriormente, com o apoio de mais de 100 governos, transformou-se em um sistema de produção voltado ao mercado. Hoje, o consumo de produtos orgânicos gera uma receita de US$ 90 bilhões em todo o mundo, ocupando uma área certificada de 100 milhões de hectares em 180 países. Em alguns países, os alimentos orgânicos detêm uma quota de mercado de até 10%. Há também países que têm uma parcela muito grande de terras sob produção orgânica, sendo o estado indiano de Sikkim o primeiro a atingir 100%.
Tanto a Agroecologia quanto a agricultura orgânica se baseiam na intensificação ecológica e social dos sistemas naturais. Ambas otimizam o desempenho produtivo por meio da intensificação de processos biológicos, em vez de intensificar o aporte de insumos externos (por exemplo, recursos financeiros, produtos químicos e energia). Mais importante ainda, ambas as formas de agricultura são a antítese da industrialização da agricultura e dos sistemas alimentares, que vem gerando graves impactos negativos sobre o meio ambiente e a sociedade, assim como sobre a cultura e a saúde das pessoas.
Ambos os modelos fornecem alimentos saudáveis, sequestram carbono por meio do aumento de matéria orgânica no solo e incrementam a biodiversidade nos solos. Ambas as abordagens intensificam as interações sociais entre produtores e consumi- dores e enriquecem as culturas, ao mesmo tempo em que aumentam a conscientização ambiental e contribuem para o desenvolvimento democrático das sociedades.
Enfatizar os pontos comuns não significa negar diferenças. Os atores diretamente envolvidos reconhecem essas diferenças, os pontos fortes e fracos das várias abordagens agrícolas que não se resumem à orgânica ou à agroecológica, mas também incluem a agricultura biodinâmica, ecológica, a permacultura ou a agricultura de baixo uso de insumos externos (Leisa, pela sigla em inglês). Geralmente, podemos dizer que a Agroecologia é uma abordagem holística baseada em princípios e práticas adequadas em relação ao contexto socioecológico e político. Ao mesmo tempo, a Agroecologia é compreendida de formas notavelmente diversas. A agricultura orgânica, por outro lado, tem padrões e sistemas de mercado bem estabelecidos. Existem princípios orgânicos universais, critérios claros para equivalências de padrões, uma descrição comum de boas práticas e um conjunto de posições unificadas. No entanto, sistemas locais de construção de confiança entre consumidores e produtores são muito diversos e há discussões constantes, por exemplo, sobre a comercialização de produtos orgânicos ou onde traçar a linha que separa os orgânicos dos não orgânicos. Juntas, a agricultura orgânica e a Agroecologia são perfeitamente sinergéticas. Para transformar o sistema alimentar global, de modo a torná-lo 100% verdadeiramente sustentável e saudável, é necessário lançar mão de ambas. Inúmeros agricultores entenderam isso há muito tempo e se apropriam de aspectos e elementos de cada uma, conforme o que lhes for mais conveniente. E é bom que os movimentos que lutam pela alimentação estejam começando a entender isso também.
Markus Arbenz
([email protected]) é Diretor-Executivo da Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam, na sigla em inglês)
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Agriculturas V14,N1 – Agricultura orgânica e Agroecologia: abordagens sinergéticas