“Chris Reij trabalha como especialista em manejo sustentável de terras no Centro de Cooperação Internacional da Universidade Livre de Amsterdã e é membro sênior do World Resources Institute, em Washington. Reij é também o facilitador do programa “Iniciativas de Reflorestamento da África” (ARI, na sigla em inglês), plataforma que apoia agricultores no processo de adaptação às mudanças climáticas e no desenvolvimento de sistemas agrícolas mais produtivos e sustentáveis. Essa plataforma foi lançada para ajudar a alavancar os resultados dos esforços de comunidades rurais em Burkina Faso e no Mali que têm obtido grande sucesso na luta contra a desertificação”.
Entrevista com Chris Reij por Jorge Chavez-Tafur
A primeira vez que Chris Reij esteve na África Ocidental foi em 1978, como planejador regional. Naquela época, a região havia sido assolada por uma seca severa, causando “grave erosão e drástico declínio da produtividade das lavouras”. No entanto, olhando para trás, ele tem a impressão de que a desertificação hoje é um problema ainda mais sério. No entanto, segundo Reij: Mesmo nesse mar de tristeza e melancolia, é possível encontrar muitas “ilhas de sucesso”, onde as taxas de degradação não só diminuíram nos últimos 30 anos, como também a vida das pessoas melhorou – e a situação pode melhorar ainda mais. Tudo isso é muito positivo.
AO OLHAR PARA O MUNDO COMO UM TODO, VOCÊ ACHA QUE OS DESERTOS ESTÃO SE EXPANDINDO?
Em todo o mundo, testemunhamos períodos recorrentes de seca, verificamos um severo esgotamento da fertilidade dos solos e identificamos uma acentuada degradação da cobertura vegetal. Então, sim, podemos dizer que a situação piorou. Na África Ocidental, em particular, houve uma seca prolongada, que durou de 1968 a 1973. Mesmo depois, a precipitação manteve índices baixos e ainda é irregular. Os agricultores têm sido forçados a expandir suas áreas de cultivo, a fim de compensar a queda na produtividade das culturas. Eles então acabaram avançando sobre áreas que antes tiveram alguma cobertura arbórea. Ou seja, derrubaram árvores para poder plantar. Durante os anos 1970 e 1980, assistimos a uma drástica redução da cobertura vegetal visando o aumento da produtividade total – basicamente pela expansão da produção agrícola em terras marginais, gerando degradação. Hoje, as mudanças climáticas estão tornando a situação ainda pior para os agricultores e criadores.
ESSE É UM QUADRO SOMBRIO…
Sim, é triste. De certa forma, estamos caminhando para uma grande turbulência. A menos que façamos algo em grande escala, enfrentaremos graves problemas no futuro. Mas há ações acontecendo, e hoje detemos mais conhecimento sobre o que fazer e como fazer. E, se você olhar para o Sahel, há um monte de exemplos, com agricultores envolvidos em uma abordagem muito bem-sucedida. Se você for ao sul do Níger, encontrará 200 milhões de árvores que não estavam lá 20 ou 25 anos atrás. E isso não é porque os agricultores começaram a plantar árvores, mas porque os agricultores protegem e manejam as árvores que regeneram espontaneamente em seus campos de cultivo. O que se vê é que a densidade de árvores nas áreas agrícolas aumentou, enquanto que a vegetação nas terras comuns tem se degradado. Isso significa que houve uma mudança da vegetação natural para sistemas agroflorestais nas propriedades, o que é altamente relevante para os agricultores, especialmente em zonas de alta densidade populacional. E isso mostra que os agricultores conseguiram criar sistemas que podem conviver com a seca.
TRATA-SE APENAS DE EXPERIÊNCIA ISOLADA, UMA “ILHA DE SUCESSO”?
Essa é uma ilha, mas é uma ilha de 5 milhões de hectares, uma área maior do que a Holanda. E isso acontece em um lugar onde os agricultores estavam contra a parede. A produtividade tinha decaído tanto, as densidades populacionais eram tão altas, a cobertura vegetal natural estava tão devastada que as mulheres tinham dificuldades para obter lenha para cozinhar. Se não intensificassem seu sistema de produção agrícola e se não aumentassem a produção de forma sustentável, os agricultores teriam sido forçados a deixar suas terras, e não haveria mais futuro para eles.
COMO SURGIU A IDÉIA DE DESENVOLVER OS SISTEMAS AGROFLORESTAIS?
Talvez essa seja a parte de que eu mais gosto. Trata-se de acionar o conhecimento local, colocá-lo em prática. A contribuição dos projetos, e até mesmo dos pesquisadores, tem se limitado basicamente a apoiar os esforços dos agricultores. Estamos apenas catalisando processos e gerando movimentos de inovação local. São os agricultores que estão experimentando e inovando.
NÃO HÁ UMA CONTRADIÇÃO ENTRE AUMENTAR A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E INTERROMPER A EXPANSÃO DOS DESERTOS?
Não. Se houve algum tipo de contradição, foi lá antes dos anos 1960, quando a maior parte da África Ocidental estava aderindo ao paradigma da “modernização”, segundo o qual eram considerados “bons” agricultores aqueles que cultivavam sistemas monocultores e que não mantinham árvores em seus lotes. Mesmo após a independência, muitos governos subsidiaram agricultores incentivando-os a suprimir as árvores de seus campos de cultivo, a fim de permitir a introdução da mecanização, com a esperança de elevar a produtividade. Hoje está claro que esse tipo de modernização foi prejudicial para a sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola, porque provoca muita erosão e, portanto, afeta também o rendimento das culturas. O que vemos agora é uma inversão desse paradigma. As evidências apontam em outra direção: se não houver árvores nos campos de cultivo, não haverá futuro para a agricultura nas terras secas da África.
PODEMOS ENTÃO DIZER QUE HÁ MAIS DIVERSIDADE PRODUTIVA AGORA?
Você pode ver enormes diferenças entre as comunidades com árvores e aquelas sem árvores. As árvores produzem forragem, o que permite que as famílias tenham mais gado. As árvores produzem folhas, que algumas vezes fazem parte da dieta humana. As árvores produzem lenha, que os agricultores podem até mesmo vender nos mercados para obter dinheiro, o qual podem usar para comprar cereais caros no mercado durante os anos de seca. Comunidades sem árvores não têm as mesmas oportunidades, e isso se traduz diretamente em maiores taxas de mortalidade infantil. Mas a questão não se resume apenas ao uso ou não de fertilizantes. Ela envolve o desenvolvimento de sistemas complexos de produção agrícola que sejam mais resistentes à seca e mais produtivos. E isso pode ser visto in loco.
QUE CONDIÇÕES SÃO NECESSÁRIAS PARA QUE ESSAS EXPERIÊNCIAS SE GENERALIZEM?
A parte técnica da proteção e do manejo das árvores é muito simples, mas você precisa das instituições comunitárias. As pessoas precisam se organizar para poderem gerir o novo capital arbóreo. Assim, é necessário construir instituições nas comunidades e, nesse caso, há duas possibilidades. Ou você observa e verifica se existem instituições tradicionais que podem ser revitalizadas, como está acontecendo em algumas partes do Mali, ou você apóia a emergência de novas instituições na comunidade para tocar o trabalho, como está acontecendo em algumas partes do Níger. De qualquer forma, essas instituições comunitárias precisam ter uma representação equilibrada de homens e mulheres, devendo também incluir a participação de criadores de animais e de jovens. E então você vê que, ao longo dos anos, essas instituições desempenham sua função. Por exemplo, penalizar aqueles que não respeitam as suas regras de manejo dos recursos. Essas instituições comunitárias estão se transformando em instituições de resolução de conflitos: quando surgem os problemas, os membros da comunidade podem se reunir e discutir para chegar a um acordo. E logo percebem que há comunidades vizinhas que também estão passando pelo mesmo processo. Agora, portanto, o momento é de construção de instituições intercomunitárias. Isso leva algum tempo, uma vez que é um processo complexo, mas está acontecendo e funciona.
NÃO SERIA NECESSÁRIO TAMBÉM ASSEGURAR A PROPRIEDADE DA TERRA?
Estamos falando de indivíduos, gerindo suas propriedades. Portanto, isso só funciona quando os agricultores detêm os direitos exclusivos sobre as árvores em suas áreas de cultivo. Na década de 1980, a terra e todos os recursos naturais pertenciam ao Estado, uma herança dos tempos coloniais franceses. Mas isso começou a mudar a partir de 1985. A definição clara de questões como a propriedade da terra e das árvores é uma condição essencial para o sucesso de sistemas agroflorestais. Nesse sentido, é muito importante trabalhar junto aos governos nacionais e estabelecer o diálogo a fim de criar políticas de desenvolvimento agrícola e uma legislação florestal que garantam aos agricultores a propriedade das árvores situadas em seus campos de cultivo.
ENTÃO É PRECISO HAVER UMA ESTRUTURA EM NÍVEL NACIONAL QUE APOIE OU QUE PELO MENOS NÃO VÁ CONTRA O QUE OS AGRICULTORES ESTÃO FAZENDO…
Exatamente. Você precisa de políticas que permitam aos agricultores tocar seus sistemas produtivos, assim como políticas que os incentivem a cuidar de seus recursos. Precisamos de boas políticas e legislação. É vital criar movimentos de base e trabalhar com abordagens “de baixo para cima”, mas também precisamos atuar de cima para baixo, criando e viabilizando políticas e legislações nacionais. Existe um papel para ambos os lados. Eu acho que os agricultores podem ser ainda mais bem- -sucedidos se as políticas e leis nacionais apoiarem esse processo. Não há outros obstáculos que nos impeçam de obter êxito. Então eu acho que o sucesso está ao nosso alcance.
SERÁ QUE VEREMOS ENTÃO 5 MILHÕES DE HECTARES DE ÁRVORES EM OUTROS LUGARES?
Vamos vê-los em breve em muitos outros lugares. Mas precisamos de uma estratégia sistemática para disseminar os sucessos das agroflorestas vistos no Níger e em outras áreas. Isso teria que incluir visitas de estudo às propriedades desses agricultores, ou viagens de intercâmbio entre agricultores, ajudando-os a ver o que outros agricultores estão conseguindo. Outro componente poderia ser a divulgação de informações de forma sistemática utilizando as tecnologias da informação e comunicação (TICs), bem como telefones celulares e rádios rurais, dando espaço e voz a todos os agricultores que têm muito a dizer. Em suma, essa estratégia exige um efetivo e eficaz programa de gestão do conhecimento. E esse programa deve incluir os formuladores de políticas. Muitos deles não têm ideia do que está acontecendo no campo. Você precisa levar então tanto os formuladores de políticas dos governos como as agências financiadoras para o campo e mostrar-lhes o que se passa ali, de modo que eles sejam inspirados pelas experiências de sucesso e apoiem processos semelhantes.
E O QUE ELES DEVEM FAZER?
Se forem membros do Parlamento, eles verão se há necessidade de revisão da legislação florestal, a fim de torná-la mais favorável. Se trabalharem junto com os meios de comunicação, podem encontrar formas para divulgar essas conquistas para uma maior parcela do público geral. Existe toda uma caixa de ferramentas que pode ser utilizadas nesse sentido.
O QUE NOS REMETE A PLATAFORMAS INTERNACIONAIS, COMO A UNCCD. O QUE VOCÊ DIRIA A ELES?
Com Luc Gnacadja no comando, a UNCCD está em boas mãos, e sua mensagem está apontando na direção certa. O problema é que nem todos os países que assinaram a Convenção estão tomando todas as devidas medidas para se chegar lá, então ainda temos muito trabalho a fazer.
Chris Reij
[email protected]
www.africa-regreening.blogspot.com
Baixe o artigo completo:
Revista V9N3 – Exemplos de sucesso na África Ocidental