Anders P. Pedersen
Nas montanhas de Uluguru, na Tanzânia, crescem muitos tipos de frutas e há sol em abundância para desidratá-las. A combinação desses fatores poderia significar bons rendimentos para os agricultores, mas a situação não é tão simples assim. Mesmo aqueles mais empreendedores e dedicados enfrentam uma série de dificuldades. Para vender um pacote de mangas desidratadas, por exemplo, é necessário investir muitos recursos e superar diversos obstáculos burocráticos.
Os agricultores formam redes e constituem cooperativas em busca de uma melhor inserção nos mercados. Muitos procuram aprimorar suas capacidades na área de comercialização, participando de encontros, projetos, treinamentos, assim como tomando empréstimos. Apesar disso, muitas vezes os resultados são limitados e não sustentáveis. Mas alguns agricultores são inovadores e despendem esforços adicionais em busca de novos caminhos para a geração de renda.
Um desses agricultores é o sr. Ramadhani Fufumbe, do distrito de Kinole, na região de Morogoro, Tanzânia, país da África Oriental. Há mais de cinco anos ele integra a rede de agricultores inovadores MVIWATA. Ramadhani tem 55 anos, é de origem da tribo Uluguru. É casado com Rehema e Sinavyo e tem seis filhos, três dos quais ajudam na produção.
AS MONTANHAS DE ULUGURU
O sr. Ramadhani vive em um local remoto, de difícil acesso e com habitações rústicas dispersas na paisagem. Embora os regimes tribais tenham sido formalmente abolidos com a independência em 1961, a maioria das pessoas na Tanzânia ainda respeita muito os chefes das tribos. O chefe de Uluguru reside na cidade de Kinole, o que a torna especial para os tanzanianos.
Os solos são avermelhados ou pretos e propícios para a agricultura. Uma precipitação considerável, de 2.000 mm por ano, a altitudes modestas de 400-500 metros e em terrenos ondulados contribui para um microclima variável. Por conta dessas características ambientais, os agricultores cultivam grande variedade de espécies – arroz de várzea e de sequeiro, pimentas, coco, milho, jaca, laranjas, feijões, amendoins, bananas e tomates –, o que permite que as casas estejam abastecidas de alimentos durante a maior parte do ano. Além disso, a maioria das famílias não depende muito de dinheiro, uma vez que há troca de comida e o trabalho é compartilhado de várias formas.
A PRODUÇÃO DE FRUTAS SECAS PARA O MERCADO
Em meados dos anos 1990, houve uma tentativa de instalar uma fábrica de sucos na vizinha Mkuyuni. O esforço, porém, fracassou porque os agricultores não conseguiram levantar a sua parte de capital. Os equipamentos que ficaram abandonados (tais como secadores solares e bandejas) foram doados àqueles poucos agricultores da região que estavam interessados em continuar o processamento local de frutas, entre eles o sr. Ramadhani. A secagem de frutas teve início em 1997. Não foi simples iniciar o negócio de frutas desidratadas. Apesar de uma distância relativamente curta em relação à cidade (45 km), as estradas são precárias e se tornam intransitáveis durante as chuvas fortes, isolando a área. As frutas para o mercado urbano podem chegar tarde demais ou mesmo não chegar. Podem apodrecer ou ainda não encontrar compradores em função de dificuldades com transporte e custos, ou por haver oferta em excesso proveniente de outras localidades. Para superar essas dificuldades, o sr. Ramadhani procurou inovar no processamento e na comercialização.
Ele seca, embala e comercializa jaca, abacaxi, banana, manga, mizaituni (uma fruta nativa da América Central, mas cultivada na região há tempos), tomate e capim-cidreira. Como esses produtos são colhidos em épocas distintas de amadurecimento, o sr. Ramadhani pode distribuir o trabalho ao longo do ano. Ele possui dois secadores solares, trinta bandejas, um armário, um telefone celular e um escritório de alguns poucos metros quadrados. Mas ele vivencia a condição típica enfrentada pelos agricultores da região, ja que não conta com eletricidade, gerador, veículo, combustível, água bombeada, balanças e termômetros.
O celular é uma grande novidade, e somente três ou quatro pessoas da vila têm um. Normalmente as baterias podem ser recarregadas ao preço de 100 shilings tanzanianos (TSh), cerca de U$ 0,06, em uma vila próxima onde há um painel de energia solar para esse fim.
As mensagens de texto são usadas como forma de reduzir os custos de comunicação. Sem o aparelho celular, o sr. Ramadhani não seria capaz de estar em contato permanente com clientes e fornecedores. Ele teria que gastar muito mais tempo em busca de quem comprasse sua produção.
SE TUDO DER CERTO…
As frutas são cortadas e dispostas nas bandejas ainda frescas. Estarão prontas para serem embaladas em dois ou três dias – se tudo der certo. O tempo pode estar nublado, pode haver excesso de chuva ou as formigas podem reivindicar sua parcela da produção. Às vezes algumas bandejas de frutas passam do ponto e ficam queimadas. Pode ser que as temperaturas estejam muito altas, mas as razões para que isso ocorra ainda não são completamente entendidas e o problema é frequente e imprevisível. Há ocasiões em que cerca da metade das bandejas é descartada. Frutas como a manga necessitam de um produto químico (metabissulfito de potássio) para manter a cor. Esse conservante é usado na dose de dois gramas por quilo de fruta. Ele é importado e caro, mas se não for usado as mangas escurecem e não podem ser vendidas. Um amigo da universidade tem ajudado o sr. Ramadhani até o momento. No futuro, no entanto, ele poderá deixar de ter esse acesso facilitado ao produto, o que significa que não poderá mais continuar produzindo manga seca, a menos que encontre um método alternativo para manter a cor da fruta.
São necessários até 2 kg de fruta fresca para se produzir um pacote de 100 g, que é vendido no atacado por 400 Tsh.
Na estrada de Boma, em Morogoro, há uma pequena loja para agricultores com vários produtos similares (alimentos, sucos, temperos, etc.) onde o preço chega a 500 Tsh. Outros canais específicos são explorados à medida que aparecem. Por isso, quando o sr. Ramadhani viaja, ele sempre leva uma amostra de seus produtos.
Encontrar boas embalagens para acondicionar os produtos é outra dor de cabeça. Mesmo embalagens de baixa qualidade devem ser importadas de Nairobi. As de melhor qualidade podem ser adquiridas em Moshi, a 600 km de distância. Os pacotes e etiquetas frequentemente custam mais do que o valor da fruta seca. As frutas são coletadas, embala- das em sacos plásticos, etiquetadas com data de produção e de validade e seladas com a chama de uma vela.
RISCO DE PRISÃO
O sr. Ramadhani insiste na melhoraria da situação se- guindo os trâmites legais – o que é uma tarefa e tanto. Para ter seu negócio aprovado e legalizado ele precisa ser (e é) um produtor registrado. Para o registro ele necessita que seus produtos tenham um certificado de sanidade. Isso é uma obrigação para a venda no mercado interno e externo, mas é um obstáculo significativo para um produtor pobre e que vive numa área remota. Inicialmente, ele tem que visitar vários escritórios. Em seguida, amostras das frutas são analisadas, a um custo de 100 mil Tsh (cerca de U$ 75,00) por amostra. Como ele produz e comercializa seis espécies de vegetais secos, esse custo é de 600 mil Tsh (cerca de U$ 450,00). Essa exigência legal desestimula muitos produtores a se tornarem registra- dos. Mas o sr. Ramadhani perseguiu esse objetivo e fez todos os investimentos necessários. Finalmente, ele conseguiu obter o registro e a licença para comercialização, o que foi muito importante, já que do contrário ele corria o risco de ser preso caso fosse pego vendendo seus produtos fora da região de Morogoro.
Mesmo com essa conquista no campo legal, o sr. Ramadhani vem perdendo tempo e dinheiro por ser frequentemente forçado a viajar para fora da vila para obter informações e comprar etiquetas, embalagens, conservantes e outros materiais cruciais. Isso pode tornar inviável seu já frágil negócio. O lucro pode nunca ser substancial, a menos que a quantidade aumente e a carga de trabalho seja repartida, por exemplo, a partir do envolvimento de outros produtores do local. Além disso, o sr. Ramadhani poderia se especializar em um único produto ao invés de seis. Essa estratégia poderia gerar maiores volumes, facilitar a comercialização e aumentar o lucro. Entretanto, o risco também seria maior pela perda da diversificação.
APOIO DISTANTE E INSUFICIENTE
Apesar das várias estratégias e políticas voltadas para reduzir a pobreza rural, a atual regulamentação coloca sérios desafios, mesmo para os agricultores mais inovadores.
O Quadro 1 mostra que o número, o custo e o ritmo dos requerimentos oficiais tornam praticamente impossível atender às exigências legais. Tais requerimentos incluem o registro do negócio, testes de laboratórios dos produtos transacionados, controle de qualidade, certificados de qualidade, impostos locais e taxas governa- mentais, cada um demandando uma grande quantidade de documentos. Um camponês pobre, que vive em uma região montanhosa remota em uma casa de taipa sem mobília, simplesmente não tem como atender a todas essas exigências.
Muitas comunidades e organizações da sociedade civil não precisam lidar com as questões burocráticas que enfrentam os agricultores inovadores com potencial de crescimento. O serviço local de extensão rural parece exercer um papel insignificante ou invisível. Em muitos casos, as únicas potenciais contribuições vêm de agentes do mercado, do meio acadêmico ou de algum projeto de desenvolvimento que apareça na região. Porém, nem sempre os agricultores podem contar com essa ajuda. Os agentes do mercado, por exemplo, geralmente perdem interesse quando o produto é ofertado em pequenas quantidades ou quando o clima ou a logística reduzem sua disponibilidade. Muitos projetos de pesquisa são pequenos demais e não levam em consideração as demandas específicas do produtor nem sua sustentabilidade. Assim, como um paradoxo, o agricultor, cuja meta é obter apoio para se inserir no mercado, torna-se um fracassado, sendo frequentemente deixado para trás por todos aqueles que num primeiro momento se propuseram a ajudá-lo.
Percebemos, portanto, que os agricultores de áreas remotas necessitam de apoio técnico e administrativo adequado e constante para poderem continuar a melhorar a produção, a produtividade, a capacidade de estocagem e o acesso aos mercados. Além disso, redes e organizações devem ser mais colaborativas e sensíveis a suas demandas, de forma a minimizar custos e prover outros apoios. É fundamental levar em consideração todas essas questões para que agricultores como o sr. Ramadhani Fufumbe sejam ainda mais bem-sucedidos.
Anders P. Pedersen
trabalhou para o MS-Tanzania (www. ms.dk) como consultor público-privado.
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Revista V6N3 – Muitas frutas, mas também muitos problemas