O tema tratado nesta edição da Revista Agriculturas não poderia ser mais oportuno: a contribuição da agricultura familiar camponesa e dos princípios agroecológicos que ela aplica para a mitigação e/ou adaptação aos efeitos do aquecimento global.
A crise ambiental pela qual passa o planeta tem múltiplas causas, que se manifestam sob diferentes aspectos. Ainda assim, não erramos muito se afirmamos que existe uma causa principal – o padrão de consumo das sociedades contemporâneas – e um efeito mais agudo – o aquecimento global e os impactos que pode ter sobre a vida na Terra.
O aquecimento global é fruto do acúmulo de certos gases na atmosfera, capitaneados pelo gás carbônico (CO2). Esses gases diminuem o retorno dos raios solares à estratosfera, fazendo do nosso planeta uma verdadeira estufa. Ainda que o fenômeno venha sendo percebido e mensurado há décadas, apenas nos últimos anos a comunidade científica chegou a um consenso de que suas causas são antropogênicas.
Problema identificado, o comportamento lógico seria a busca de soluções reais. Seria, se os interesses imediatos de alguns grupos econômicos (a indústria petroquímica é apenas um exemplo) não se sobrepusessem. Também é coerente nos perguntar se estamos dispostos a mudar nossos padrões de consumo, condição indispensável para superar ou ao menos minimizar o problema.
Falando em soluções, as que são normalmente alardeadas pela mídia seguem a mesma lógica geradora do problema. Se fomos nós que esquentamos o planeta, podemos esfriá-lo, bradam os arautos da tecnologia sob os auspícios da ciência reducionista. A geoengenharia ainda estuda como espalhar minúsculas partículas refletoras sobre os oceanos, levando o calor de volta ao espaço. Outra suposta solução seria colocar uma espécie de parasol gigante no espaço para bloquear uma quantidade de raios de sol suficiente para esfriar a Terra.
Felizmente, o senso comum aponta que reduzir as emissões de gases de efeito estufa é um caminho mais condizente com a realidade. E existem vários exemplos de modos de vida que pouco ou nada contribuem para o aumento das emissões. Esses exemplos devem ser seguidos ou no mínimo apoiados. A agricultura familiar camponesa é um deles. Na feliz expressão da Via Campesina, ela pode esfriar o planeta.
Nesta edição, vamos encontrar artigos concisos, baseados em experiências concretas, que nos mostram como a combinação de saberes contemporâneos com conhecimentos acumulados através dos séculos pelos agricultores e agricultoras gera práticas que tangenciam em maior ou menor grau três elementos fundamentais relacionados com o aquecimento global: a menor emissão dos gases de efeito estufa, o sequestro desses gases que estão na atmosfera e a adaptação aos efeitos já percebidos desse fenômeno.
Do Sul do Brasil, são apresentadas três iniciativas. A experiência do Centro Ecológico no litoral norte do Rio Grande do Sul aponta os sistemas agroflorestais e os circuitos curtos de comercialização como parte importante da reação a esse contexto adverso. O Centro Vianei e seus parceiros da Rede de Agroecologia da Serra Catarinense nos mostram como o trabalho de duas décadas com Agroecologia, envolvendo produção, transformação e consumo, traz resultados positivos às famílias agricultoras, além de benefícios ao clima. Já o artigo da ASPTA compara as lavouras de milho convencional com aquelas em transição agroecológica, demonstrando as vantagens destas últimas em termos de resposta adaptativa às mudanças no clima, bem como para a mitigação de seus efeitos.
Do Nordeste, o artigo elaborado em conjunto pelo Centro Sabiá, Caatinga e Diaconia, ONGs que atuam no semiárido brasileiro, inova e traz, ipsis literis, a percepção e a reação de agricultores(as) frente às mudanças climáticas em seu entorno. Os autores se inspiram nos depoimentos colhidos em um esforço conjunto de sistematização para apontar práticas e mecanismos de apoio que deveriam ser implementados pela e para a agricultura familiar agroecológica.
Saindo das fronteiras do país, o artigo vindo do Equador descreve a situação de famílias agricultoras que vivem nos altiplanos, região naturalmente frágil do ponto de vista ambiental e que teve sua vulnerabilidade ampliada no contexto atual de variações do clima. Com um relato muito concreto, demonstra como um manejo criativo da água pode minimizar o problema, afetando positivamente a vida dessas famílias.
Miguel Altieri e Clara Nicholls são precisos ao realçar a capacidade de culturas camponesas ao redor do mundo de se adaptarem aos extremos climáticos. Apontam ainda a necessidade de socializar rapidamente esses conhecimentos, tendo nas redes de intercâmbios entre agricultores o método mais apropriado para isso.
Da Índia, a experiência da ONG Seva Mandir nos fala como a combinação de práticas tradicionais e modernas pode ser um instrumento eficaz para ajudar diversas comunidades rurais a se adaptar às novas condições climáticas.
A partir da leitura desse conjunto de artigos, conheceremos mais sobre a aplicação concreta dos princípios agroecológicos, com relatos sobre a transição para desenhos de agroecossistemas mais complexos, sobre os sistemas agroflorestais, o beneficiamento em pequena escala de alimentos, os circuitos curtos de comercialização. Aprenderemos sobre a percepção e a reação de agricultores(as) frente às crescentes adversidades em seu entorno e sobre como aliam conhecimentos locais à criatividade para se adaptarem às mudanças no clima.
Vindas de diferentes regiões do planeta, essas experiências e reflexões reforçam aquilo que aprendemos na infância do movimento ambientalista: para problemas globais, soluções locais.
Boa leitura. Que nos inspire. A produzir com eficiência. A consumir com inteligência. A viver com sabedoria.
Laércio Meirelles
coordenador do Centro Ecológico
www.centroecologico.org.br
[email protected]
Baixe o artigo completo:
Revista V6N1 – Esfriando o planeta