Stephen Sherwood, Pedro Oyarzun, Ross Borja e Christopher Sacco
Durante séculos, por meio de muitas tentativas, acertos e erros, os agricultores andinos desenvolveram conhecimentos sofisticados que lhes permitiram interpretar e prever o clima e assim adaptar seus projetos de plantio e suas práticas culturais ao meio ambiente local. Aprenderam a ler os padrões do tempo pela observação da floração de certas espécies, do brilho das estrelas e do comportamento dos animais. Também domesticaram espécies rústicas de plantas e animais – por exemplo, a batata; o chocho ou tarwi, um tipo de tremoço (Lupinus mutabilis); a quinua; e as lamas – que se adaptaram às difíceis condições das zonas de altitude. No entanto, frente às mudanças nos padrões meteorológicos, essas práticas, fundamentadas em um tempo passado, estão se tornando menos úteis e até obsoletas. Agricultoras e agricultores andinos, como Alejandrina, vêm obtendo colheitas cada vez piores, colocando em risco seus meios de sustento nas regiões de altitude.
O DESAFIO
O relatório mais recente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas apresenta um panorama sombrio para o futuro de 28 milhões de agricultores que lutam para ganhar a vida nas altamente vulneráveis e íngremes terras dos Andes. A menos que algo seja feito, os agricultores da região, que já estão se vendo em apuros para lidar com as condições severas e imprevisíveis, não poderão suportar a crescente crise do clima.
As previsões sobre o desaparecimento das geleiras na maior parte dos Andes passaram de 30 para 15 anos. A perda dessa fonte de água afetará os microclimas e o fluxo dos riachos, impondo um grande desafio para as populações urbanas e rurais que dependem justamente dessas águas para viverem e produzirem. Além disso, com o derretimento das geleiras, que capturam a umidade atmosférica e liberam lentamente água fresca que forma os riachos, a importância de outras fontes de água aumentará. Estudos complementares nos Andes indicam que a tendência é chover menos, ainda que mais intensamente, o que produzirá tanto secas quanto inundações.
Também preveem que haverá mais ventos e ciclones, surtos de doenças e pragas, assim como a aceleração da erosão da terra e do consumo de matéria orgânica do solo. Este último aspecto é especialmente preocupante, dada a importância dos solos para a captura e infiltração da água nos terrenos de maior altitude. Em suma, as mudanças climáticas alterarão substancialmente o acesso à água e acentuarão a já inerente vulnerabilidade da agricultura e da vida rural nos Andes.
Katalysis: descobrindo a água que nos rodeia
Até o momento, as propostas apresentadas para lidar com as mudanças climáticas são centradas em soluções de origem externa, particularmente em modelos de previsão e variedades tolerantes à seca que são de uso muito limitado em ambientes montanhosos tão variáveis. As bem documentadas críticas à Revolução Verde nos ensinam que essas soluções manejadas por especialistas, por mais bemintencionadas que sejam, não são capazes de resolver problemas tão inconstantes e altamente específicos que os agricultores enfrentam em suas propriedades e comunidades.
Há iniciativas, entretanto, que seguem outra direção. Durante os últimos três anos, a Rede de Manejo Comunitário de Recursos Naturais (Macrena) e a ONG Vizinhos Mundiais, com uma pequena subvenção do Programa Desafio pela Água e a Alimentação (Challenge Program on Water and Food, em inglês), têm trabalhado com grupos de agricultores em regiões remotas do Equador e da Bolívia para desenvolver soluções locais. O resultado tem sido um processo interativo de aprendizagem ativa que foi chamado Katalysis (Figura 1).
Durante uma série de encontros e intercâmbios, os agricultores declararam que a gestão da água representava o maior desafio frente às mudanças climáticas. Em vez de nos empenhar em trazer água para os agricultores desde fontes distantes – uma proposta que pode ser proibitivamente cara e difícil de replicar –, decidimos focar nossa atenção na água já disponível nas comunidades. Esse processo consistiu sobretudo em ajudar as comunidades a avaliarem as grandes quantidades de chuva que caem sobre seus campos, casas e caminhos, mas que não eram utilizadas. A proposta também incluiu o uso criativo de plantas e animais.
Os primeiros exercícios se basearam em estudos sobre as chuvas. Por exemplo, medimos o volume de água que escorria dos telhados, que em geral somava milhares de litros em uma única casa a cada chuva. Depois, lhe atribuímos valor, aplicando o preço da água engarrafada no mercado local. Por meio desse exercício, os agricultores perceberam que essa água correspondia a milhares de dólares por ano. Estudos posteriores mediram os milhões de litros que escorriam em seus campos a cada ano.
Como muitos participantes queriam investir em depósitos de armazenamento muito caros, tomamos a iniciativa de por em debate a capacidade de retenção de água da matéria orgânica do solo. Para tanto, enchemos meias com matéria orgânica e as pesamos antes e depois de molhálas em um balde com água. Dessa forma, os participantes descobriram que seus campos retinham milhões de litros de água e que se aumentassem a matéria orgânica do solo em um por cento poderiam reter 100 mil litros a mais em cada hectare a cada vez que chovesse.
Há muitas maneiras de aumentar a matéria orgânica nos solos. Os agricultores podem reduzir a aração, aplicar esterco e manter o solo coberto com adubos verdes, os quais efetivamente colhem luz solar e a depositam como matéria vegetal nos solos. Depois de avaliar as opções, os agricultores com quem trabalhamos determinaram que os adubos verdes representavam a forma mais eficiente de aumentar a matéria orgânica, assim como a capacidade de reter água nos solos. Outros estudos sobre o uso eficiente da água, além da comparação entre canais de irrigação, aspersores e mangueiras de gotejamento, por exemplo, ajudaram os agricultores a valorizar alternativas de irrigação aparentemente caras, mas que na realidade eram 20 vezes mais eficientes que os aspersores. Essa aprendizagem permitiu aos agricultores a entender como podem fazer para melhor se adaptarem às mudanças climáticas.
Transformando o deserto num oásis
As palavras de Alfonso Juma, um agricultor do semiárido Vale de Chota, ao norte do Equador, revelam o potencial do método de aprendizagem Katalysis:
“Quando eu soube onde estava a água, pude plantar esse pequeno lote de alfalfa. Com a alfalfa, pude criar porquinhos-da-índia. Esses animais produzem adubo para meus solos. Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas os porquinhos-da-índia já me proporcionaram de volta os U$ 200,00 investidos na criação. Quando comecei, não tinha nenhum animal. Hoje temos 300, que valem U$ 5,00 cada, ou seja, U$ 1,5 mil no total. Isso é muito mais do que eu ganhava na cidade. Agora posso ficar em casa com a família. Usando o esterco, plantei 75 mangueiras e abacateiros. Minha propriedade se converteu num oásis. A cada ano ficará mais e mais verde.”
Lançando mão de um investimento relativamente pequeno para a aquisição de tubulação, filtro e mangueira de gotejamento e a utilização criativa de plantas e animais, o Katalysis ajudou Alfonso e sua esposa Olga a explorarem e aproveitarem o potencial existente em sua propriedade. Em apenas 18 meses, transformaram um deserto num oásis. Na Bolívia, há comunidades rurais que têm obtido resultados similares.
PLANOS PARA O FUTURO
A variabilidade do clima tem sido sempre um problema inerente à agricultura nos Andes. As mudanças climáticas prometem acentuar essa instabilidade – sobre tudo da chuva – a tal ponto que põem em xeque os atuais sistemas de produção e os meios de subsistência na agricultura. Como resultado, os agricultores não mais poderão se dar ao luxo de desperdiçar ou ignorar a água que os rodeia. Em áreas de alta vulnerabilidade, a utilização mais criativa da água pode ser a única maneira para que os agricultores enfrentem os desafios presentes e futuros das mudanças climáticas.
Ao contrário de outras propostas para irrigação em situação de mudanças climáticas, não se pode depender de altos investimentos, mas sim da mobilização de conhecimentos e criatividade locais. A experiência Katalysis pode ajudar os agricultores a encontrarem e a revalorizarem a enorme reserva de água não usada que geralmente os rodeia.
Começamos a investir em um conjunto de mecanismos de apoio, tais como visitas a campo, experimentações conduzidas pelos próprios agricultores e intercâmbios entre eles. Com isso, esperamos contribuir para que essa abordagem de gestão da água possa se disseminar de agricultor a agricultor e de comunidade a comunidade nos Andes. Iniciamos também estratégias para ajudar o estabelecimento de grupos que mantêm seus próprios fundos de inovação no manejo da água, os quais têm demonstrado ser um meio muito viável de gerar uma poupança local e criar sistemas de crédito. Além disso, estamos investindo em diferentes formas de Agricultura de Apoio Comunitário, como o crescente movimento Cesta Comunitária, visando assegurar que os agricultores continuem desenvolvendo os vínculos que necessitam com os mercados para converter os aumentos na produção em rendas maiores. Até o momento, temos apoiado comunidades a criarem dezenas desses fundos de inovação, sendo que 90% dos quais se sustentaram e vários deles cresceram de forma significativa a partir da gestão feita pelas comunidades.
Estamos também trabalhando com parceiros nacionais e regionais, tais como o Coletivo Agroecológico do Equador, o Programa para Inovação Local nos Andes (ProlinnovaAndes), a Comunidade de Prática Regional da Fundação McKnight e o Programa Desafio pela Água e a Alimentação, com o objetivo de compartilhar a experiência do Katalysis e promovêla como uma estratégia promissora, centrada nos agricultores e alternativa às outras propostas existentes para enfrentar as mudanças climáticas. Esperamos que outros se unam no desenvolvimento futuro do enfoque Katalysis e de outros projetos similares no enfrentamento das mudanças climáticas.
Stephen Sherwood, Pedro Oyarzun Ross Borja e Christopher Sacco
Programa da Região dos Andes, Vizinhos Mundiais
(World Neighbours), Quito, Equador
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Baixe o artigo completo:
Revista V6N1 – Agricultores andinos enfrentam as mudanças climáticas