Andreas Wilkes, Shen Shicai e Huang Yulu
O Centro para Biodiversidade e Conhecimento Tradicional (CBCT), uma ONG chinesa, tem promovido abordagens participativas para o desenvolvimento e extensão tecnológica no tema da criação de animais, no condado de Gongshan, Yunnan, China. Os modos de vida dos produtores da região baseiam-se numa produção mista, ou agropastoralismo, onde os animais exercem um papel central. Há problemas na criação de animais em todas as comunidades, o que aumenta os custos e os riscos dessa produção. Embora existam muitas tecnologias que poderiam ser úteis para a solução desses problemas, elas não são conhecidas e nem adotadas pelos produtores ou pelos técnicos. Em geral, os técnicos conheciam pouco as necessidades dos produtores, e os esforços de extensão não tinham continuidade; freqüentemente, tecnologias eram demonstradas e não eram acompanhadas no ano seguinte. Ainda que as taxas de adoção das inovações fossem baixas, havia poucos estudos sistemáticos para avaliar as razões disso.
DESENVOLVIMENTO PARTICIPATIVO DE TECNOLOGIAS NO CONDADO DE GONGSHAN
Em 2003, o CBCT começou a implementar o projeto Melhorando os Modos de Vida Agropastoris no Noroeste de Yunnan. Para tratar dos problemas enfrentados com a criação de animais e com a extensão, o projeto incluiu o componente de Desenvolvimento Participativo de Tecnologias (DPT), uma abordagem metodológica de promoção do desenvolvimento baseada em capacidades e recursos locais. O cerne do DPT são experimentos conjuntos envolvendo técnicos e produtores. Os experimentos são direcionados aos problemas e necessidades dos produtores, e esses estão envolvidos em todo o processo de experimentação, incluindo a difusão de tecnologias úteis. O objetivo do DPT é produzir tecnologias localmente apropriadas e relevantes, bem como apoiar atores importantes a melhor se engajarem nos processos locais de inovação tecnológica. O DPT requer uma gama de capacidades – técnicas, de facilitação e de comunicação, e de análise. Para as administrações locais e os técnicos oficiais do condado, o DPT também demanda capacidades de liderança e de gerenciamento organizacional. O aprendizado dessas capacidades requer um longo processo.
Inicialmente, o objetivo em introduzir abordagens de DPT nesse contexto era o de resolver questões técnicas na criação de animais. Contudo, à medida que o trabalho progrediu, tornou-se claro que abordagens participativas também induzem processos de aprendizagem nos técnicos e nos agentes oficiais a respeito de uma gama de assuntos, entre eles os relacionamentos interpessoais e os problemas de gerenciamento organizacional. Aprendemos que o DPT pode contribuir para a reorientação organizacional das agências de serviços de extensão. Este artigo descreve como ocorreu esse processo de aprendizagem.
FACILITANDO OS EXPERIMENTOS DOS PRODUTORES
Quando o projeto iniciou, em 2003, foi realizado um encontro em que a abordagem do DPT foi apresentada e discutida. Participaram do evento membros do projeto CBCT e do Departamento de Produção Animal do condado. Com a finalidade de identificar questões que os produtores tinham interesse em trabalhar, seis membros do CBCT e um técnico do condado ficaram duas semanas na comunidade de Dimaluo, utilizando métodos de diagnóstico rápido e realizando encontros com membros da comunidade a fim de entender seus modos de vida e questões relacionadas à criação de animais. A equipe identificou que quase todas as famílias têm problemas com falta de forragem no inverno, e que as doenças nos animais provocam perdas significativas todos os anos. Foram acertados, a partir daí, alguns experimentos enfocando tecnologias para produção de forragem (espécies exóticas de gramíneas e para silagem) e tratamentos preventivos para doenças de aves. Em junho de 2003, 36 produtores apresentaram-se como voluntários e foram escolhidos para participar dos experimentos.
Todos os experimentos foram conduzidos pelos produtores em suas propriedades ou utilizando seus próprios recursos forrageiros. Não foi pago nenhum subsídio pela participação, já que os envolvidos tinham demonstrado interesse e motivação próprios. Para os experimentos com espécies de gramíneas exóticas, o CBCT providenciou sementes para uma área de apenas três metros quadrados, a fim de reduzir o risco dos produtores caso as gramíneas introduzidas se mostrassem inapropriadas. Afora isso, a localização, o momento e todos os outros aspectos dos experimentos foram decididos pelos próprios produtores. A equipe do CBCT e, inicialmente, um técnico do condado visitaram e entrevistaram os agricultores- experimentadores mensalmente para saber que mudanças haviam ocorrido, como os produtores entendiam e explicavam essas mudanças e quais resultados as tecnologias estavam produzindo.
Logo após o trabalho de monitoramento ter iniciado, a participação do técnico do condado diminuiu. Os técnicos do condado e os agentes oficiais acharam que a escala dos experimentos era muito pequena para ter qualquer impacto. Eles estavam mais interessados em implantar grandes áreas de demonstração que pudessem ser utilizadas para mostrar os benefícios das gramíneas forrageiras tanto aos produtores quanto a agentes oficiais visitantes. Essa é a forma usual como as agências governamentais estimulam seus superiores a darem mais fundos aos projetos. O técnico do condado também achou que não era necessário entrevistar os produtores com tanta freqüência, justificando que, de acordo com sua experiência, muitos não dizem a verdade aos técnicos, falando uma coisa na sua frente e outra pelas costas.
Do ponto de vista do CBCT, os experimentos (ao menos alguns) mostraram que os produtores estavam interessados e tinham condições de realizar experimentações de tecnologias. Contudo, uma avaliação mostrou que apesar de um experimento individual ter sido bem sucedido e do agricultor-experimentador ter conseguido dominar a tecnologia, não necessariamente outros produtores tomavam conhecimento dos resultados. Assim, experimentos conduzidos por unidades familiares individuais não necessariamente levam à disseminação do conhecimento e das novas capacidades na comunidade. De forma similar, uma avaliação de uma grande área de demonstração do Departamento de Produção Animal mostrou que, apesar de muitos produtores saberem a respeito dela, eles não conheciam o resultado do experimento que estava sendo feito e, raramente, perguntavam àqueles que estavam envolvidos.
APRENDENDO A COLABORAR
Na primavera de 2004, técnicos do posto veterinário local, próximo à comunidade de Dimaluo – que não se envolveram nos experimentos do primeiro ano – contataram a equipe do CBCT dizendo que tinham ouvido falar a respeito do sucesso do trabalho e estavam interessados em aprender como trabalhar melhor com os produtores. Eles explicaram que a equipe local era toda jovem, recém-formada em escolas técnicas e, portanto, interessada em colocar em prática o que haviam aprendido. Buscavam, assim, melhorar suas capacidades técnicas.
Para lidar com o problema de fluxo de informações dentro da comunidade, o projeto decidiu trabalhar com grupos de agricultores-experimentadores ao invés de unidades familiares individuais. Após levantamentos participativos, foram organizados grupos de agricultores-experimentadores. Cada grupo enfoca um aspecto distinto da criação animal. Os produtores integram esses grupos com base em seu próprio interesse e após serem indicados em uma reunião comunitária. Os grupos desenham seus próprios experimentos com o apoio dos técnicos locais e, então, os implementam. A cada mês, os técnicos facilitam a troca de experiências e dos resultados dos experimentos em um encontro do grupo. Quando os membros do grupo sentem que o experimento produziu resultados objetivos, eles os resumem e os repassam para outros produtores. Se o experimento é bem sucedido, eles fazem um plano para garantir os materiais necessários e para difundir a tecnologia entre os produtores.
Em junho de 2004, três grupos de agricultores- experimentadores foram formados em uma comunidade-piloto: um dedicou-se à prevenção de doenças em aves, outro focou a produção de forragem e um terceiro organizou-se em torno do tema de criação de porcos. Mensalmente, os técnicos locais organizaram reuniões dos grupos e discutiram o progresso dos experimentos. Durante seis meses de experimentação, os técnicos melhoraram seu conhecimento sobre as condições de produção na comunidade e as questões na criação de animais que interessavam aos produtores; aprimoraram suas capacidades de se comunicar eficazmente com os produtores e de organizá-los; e também aprenderam sobre o uso de várias tecnologias em condições reais de produção.
Depois de seis meses, alguns experimentos tiveram um final bem sucedido, mas foi impossível prosseguir para uma próxima fase. Um exemplo disso são os experimentos sobre impactos de vacinações contra a doença de Newcastle e peste bubônica na taxa de sobrevivência de aves. Embora os resultados do experimento tenham sido bem claros – as unidades produtivas familiares participantes tiveram altas taxas de sobrevivência, ao contrário das não-participantes –, o estoque de vacinas do veterinário da estação do condado terminou, e passaram-se meses até que outro estoque fosse adquirido. Esse exemplo revelou que uma colaboração bem sucedida com os produtores também requer apoio contínuo das agências do condado.
APRENDENDO A MUDAR
A cada três meses, o posto veterinário local escrevia um relatório sobre o progresso dos experimentos, e o seu chefe fazia relatos orais aos agentes oficiais do condado. O chefe do Departamento de Produção Animal do condado ficou muito impressionado com o progresso das capacidades técnica, organizacional e de redação dos técnicos de campo. Em junho de 2005, o departamento convidou o CBCT para apoiar um processo similar de aprendizagem em três outros postos veterinários locais. Em agosto de 2005, o CBCT treinou agentes oficiais locais e do condado em DPT e acompanhou os técnicos locais na realização de diagnósticos participativos e no estabeleci- mento de grupos de experimentação em comunidades- piloto em cada um dos três locais.
Os diagnósticos revelaram muitos problemas comuns em todo o condado, tais como: crescimento lento de porcos; falta de forragem no inverno; e o predomínio de doenças e mortalidade em porcos e aves. Experimentos com tecnologias disponíveis comercialmente foram desenhados e implementados em cada comunidade-piloto. O levantamento e o processo de experimentação levantaram diversas questões. Além da falta de estocagem de vacinas para aves pela agência veterinária do condado, percebeu-se que as vacinas estavam disponíveis somente em embalagens para 300 aves – grandes demais para valer a pena seu uso nas pequenas comunidades do condado. A agência não foi capaz de sugerir alternativas a esses problemas. Outra questão foi a baixa capacidade dos membros da equipe em diagnosticar doenças.
No final de 2005, o escritório de produção animal do condado começou a considerar seriamente como poderia proporcionar melhor apoio aos processos de experimentação nas comunidades. No nível técnico, estava claro que os técnicos de campo precisavam de apoio para a realização dos diagnósticos. O condado começou a implementar diversas medidas, tais como: veterinários com experiência para atuar como facilitadores e propiciar treinamento e consultoria aos seus colegas mais jovens que atuam nas comunidades; utilização do recém-instalado laboratório para saúde animal do condado, não somente para atender exigências de relatórios das condições epidemiológicas, mas, também, para atender às necessidades dos técnicos de campo para apoio em diagnósticos; e, o desenvolvimento de um sistema pelo qual as informações do monitoramento epidemiológico e de casos possam auxiliar nas decisões de estocagem de vacinas e de inoculantes na estação veterinária do condado. Atualmente, a agência veterinária está ativa na busca de informações sobre tecnologias adequadas.
Essas mudanças exigem novos mecanismos para colaboração entre os serviços oficiais. Foram instituídos encontros bimensais das lideranças dos agentes oficiais, nos quais os líderes dos postos veterinários locais podem expressar suas necessidades, e os líderes da estação do condado podem compartilhar suas informações, necessidades e planos. Ambos os escritórios estão, agora, discutindo um novo conjunto de procedimentos para se relacionarem e aumentar a eficiência dos serviços oficiais.
UM PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Nossas experiências de introduzir DPT em Gongshan sugerem que abordagens participativas de desenvolvimento tecnológico e de extensão são uma forma prática de começar a tratar questões de desempenho, de eficácia e de eficiência. Comprometer-se com DPT nesse contexto foi útil “pelos provedores de serviços terem melhorado tanto suas capacidades técnicas, quanto outras, necessárias para um trabalho efetivo em áreas rurais; por induzir os técnicos de campo a se engajarem mais freqüentemente e com maior efetividade no trabalho de extensão em áreas rurais; por reorientar as atividades dos serviços de extensão dos escritórios locais e do condado na direção das necessidades dos produtores; por promover mudanças nas estruturas e nos procedimentos de gerenciamento organizacional; e por intensificar a colaboração entre os serviços oficiais dentro do condado”. Diversos fatores foram fundamentais para se chegar a esse resultado. A abordagem leva em conta as necessidades dos produtores (opções para melhorar a produção) assim como dos técnicos e agentes oficiais (capacitação). O desenvolvimento da abordagem baseou-se em trabalho prático, com envolvimento tanto dos técnicos como do CBCT, chegando, assim, a um consenso sobre o que funciona e o que não funciona. A equipe do CBCT desempenhou papéis chaves na facilitação para os técnicos e agentes governa- mentais analisarem as questões e os problemas enfrenta- dos, em termos de dificuldades de produção nas comunidades, de necessidades de capacitação da equipe e de questões organizacionais.
Andreas Wilkes e Shen Shicai:
Center for Biodiversity and Indigenous Knowledge
[email protected]
Huang Yulu:
Gongshan County Animal Husbandry Bureau, Yunnan, China.
Referências
Este artigo é baseado em um documento mais extenso, que pode ser acessado em http://www.cbik.ac.cn/cbik-en/cbik/our_work/livelihood/idrc.htm
Baixe o artigo completo:
Revista V3N4 – Melhorando o serviço de extensão rural em Yunnan, China