Paulo Petersen
Agroecologia em Rede é um sistema de informação destinado a socializar ensinamentos sistematizados de experiências e pesquisas em agroecologia desenvolvidas no Brasil. Define-se como uma rede de interação virtual orientada para o fortalecimento das redes locais de inovação, responsáveis pela construção da agroecologia no país. Este artigo apresenta o papel que o sistema pode desempenhar ao dar ampla visibilidade às sistematizações de experiências que vêm sendo realizadas no âmbito dessas redes locais.
AS REDES LOCAIS DE INOVAÇÃO AGROECOLÓGICA
Processos de transição agroecológica evoluem e se capilarizam em diferentes regiões do Brasil por meio de redes locais de inovação, que articulam agricultores e agricultoras familiares e suas mais variadas formas de organização. Ao contrário das abordagens metodológicas empregadas em programas convencionais de desenvolvimento rural, essas redes têm como traço característico principal a adoção de métodos que unem em um só processo a produção de conhecimentos e a sua aplicação prática. Em vez da verticalidade inerente aos conceitos de “assistência técnica” e de “transferência de tecnologias”, as redes de inovação se espraiam horizontalmente, conduzindo um número crescente de pessoas e organizações a dinâmicas sociais voltadas para a definição e o enfrentamento de problemas vivenciados em conjunto.
Novas identidades vêm sendo constituídas nessas dinâmicas coletivas de transição agroecológica, favorecendo a criação de ambientes sócio-culturais propícios à produção e à circulação de informações pertinentes às questões do desenvolvimento local. Agricultor experimentador, agricultor inovador, agricultor técnico e agricultor ecologista são algumas das novas auto-identificações sociais que têm permitido precisar contornos e promover coesão nessas redes já presentes em todas as regiões do país.
A comunicação oral, exercitada nas diferentes modalidades de intercâmbio presencial, permanece como eficiente mecanismo de circulação local dos conhecimentos gerados nos processos de experimentação. Associando-se às formas tradicionais de sociabilidade presentes no meio rural, encontros de agricultores experimentadores, visitas de intercâmbio, seminários e outros eventos são organizados para assegurar que o próprio inovador seja o portador da sua novidade.
Diferentes metodologias e instrumentos de sistematização vêm sendo desenvolvidos e/ou adaptados para qualificar a comunicação horizontal nessas redes de interação presencial. Essas metodologias empregam a escrita e os recursos áudio-visuais como suporte para que informações e ensinamentos extraídos das experiências sejam registrados e transmitidos pelos próprios experimentadores.
O ENREDAMENTO DE REDES
A inovação agroecológica é um processo cujo produto tem aplicabilidade essencialmente local. Isso não significa que uma experiência particular não possa ser interessante para grupos que vivem e produzem em contextos geograficamente distantes e sócio-ambientalmente distintos. Mesmo quando não-aplicáveis diretamente na realidade imediata, os ensinamentos sistematizados de experiências desenvolvidas em outros contextos são potentes estimuladores das redes de inovação, sobretudo quando elas se encontram ativas e dinâmicas. A informação gerada em outros contextos não chega às redes locais como um produto pronto para ser aplicado, mas como insumo para a atividade criativa de agricultores e agricultoras experimentadores. Sendo a inovação uma atividade dependente da criatividade, esta deve ser permanentemente nutrida pela criação de ambientes estimulantes ao exercício da inteligência e pelo acesso permanente a informações capazes de inspirar novas idéias para a experimentação. Assim, embora estejam organizadas em bases territoriais que definem limites e oportunidades para a inovação agroecológica, as redes locais se inspiram e se fortalecem mutuamente, sempre que colocadas em contato direto.
Materiais de sistematização facilitam a interatividade entre redes locais ao veicularem entre elas ensinamentos extraídos das suas próprias experiências. Redes regionais e/ou estaduais cumprem, nesse sentido, um papel essencial, aumentando o alcance dos circuitos através dos quais informações sistematizadas por grupos locais são disseminadas. A Rede Ecovida de Agroecologia, no sul do Brasil; a Articulação do Semi-árido Brasileiro (ASA) e as ASAs estaduais; a Rede de Informações Agroecológicas da Amazônia (RIAA) e a Articulação Mineira de Agroecologia são exemplos de redes regionais e estaduais que estimulam o aprendizado entre seus membros pelo intercâmbio de suas experiências sistematizadas. No plano nacional, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) exerce função análoga, ao favorecer a ampliação e a intensificação dos fluxos interativos entre redes regionais e estaduais.
UM INSTRUMENTO DE APOIO PARA A AÇÃO EM REDE
A multiplicação das práticas de sistematização em redes de inovação agroecológica organizadas em todo país é responsável pela configuração de um já considerável “acervo” de materiais de comunicação sobre experiências. Embora veiculem ensinamentos, idéias e inspirações de grande valia, esses documentos encontram-se dispersos e têm suas circulações limitadas pelo alcance geográfico e social das redes locais e regionais nas quais foram produzidos.
Reunir esse material e colocá-lo à disposição das organizações e grupos promotores da agroecologia é o objetivo do sistema Agroecologia em Rede, que integra três bases de dados livremente consultadas e alimentadas pela internet: o banco de experiências; o banco de pesquisas; e o banco de contatos pessoais e institucionais. O sistema foi estruturado para permitir a interatividade entre as pessoas e as instituições que consultam e que alimentam as bases de dados. Os usuários podem comentar as experiências e as pesquisas cadastradas e contactar diretamente as pessoas ou as instituições que cadastraram informações de seu interesse.
Concebido pela AS-PTA, o Agroecologia em Rede colocou em prática os encaminhamentos para a realização de cadastros nacionais sobre agroecologia formulados em alguns eventos nos quais a entidade tomou parte como co-organizadora. Dentre eles, cabe ressaltar o I Encontro Nacional de Pesquisa em Agroecologia, em 1999, o I Encontro Nordestino de Pesquisa em Agro- ecologia e o I Encontro Nacional de Agroecologia, ambos realizados em 2002. O desenvolvimento do sistema foi discutido e monitorado em conjunto com um grupo de ONGs do Nordeste e com o Centro Nordestino de Informações sobre Plantas, numa articulação apoiada financeiramente pelo projeto IDT (Informação, Disseminação e Treinamento).
A gestão formal do sistema é realizada pelo grupo de trabalho sobre informação da ANA (GT-Info), espaço composto por representantes das mais significativas redes regionais e estaduais do campo agroecológico nacional e da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), instituição dedicada a articular o campo científico-acadêmico envolvido na agroecologia. Cabe ao GT-Info propor e monitorar o desenvolvimento técnico do sistema e elaborar e executar estratégias para divulgá-lo.
No momento o banco de experiências conta com 210 registros, sendo a maior parte constituída por cadastros de materiais de sistematização produzidos por ONGs. Uma parcela menor corresponde a sistematizações que participaram do Concurso Nacional de Sistematização de Experiências promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (ver pág. 27). O banco de pesquisas está atualmente composto pelos 431 resumos expandidos de trabalhos científicos apresentados nos Congressos Brasileiros de Agroecologia promovidos pela ABA-Agroecologia.
Uma vez desenvolvido e em funciona- mento na internet, o maior desafio que se coloca para o Agroecologia em Rede é a sua incorporação efetiva como instrumento de apoio às redes regionais e locais de inovação agroecológica. O sistema não cumprirá com a função para a qual foi concebido se não conseguir estabelecer uma relação de reforço mútuo com as redes presenciais de inovação que fazem avançar a agroecologia no país.
Paulo Petersen
diretor executivo da AS-PTA
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Revista V3N2 – Agroecologia em Rede: fonte de inspirações para a inovação local