Márcio Fontes Hirata
O Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural (Proambiente) é uma iniciativa que, sob vários aspectos, introduziu novos procedimentos de concepção e de gestão de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural. Três características do programa realçam essa qualidade inovadora: o protagonismo de organizações da sociedade civil em sua elaboração; o modelo de gestão que articula diferentes instrumentos de apoio ao desenvolvimento rural; e a instituição de recompensas pelos serviços ambientais gerados pela produção familiar rural.
A TRAJETÓRIA DE UMA VITÓRIA CONQUISTADA “NO GRITO”
A origem do Proambiente remonta aos anos 90. Na Amazônia, e mais fortemente no estado do Pará, esse foi um período de consolidação de lutas sociais iniciadas nas décadas anteriores, que se manifestou na conquista da legitimidade dos movimentos populares no campo e no acesso às políticas públicas pela produção familiar rural, que, em sua ampla diversidade, foi moldando a face organizativa e produtiva da região.
Um dos marcos organizativos dessa época foi a realização dos Gritos, uma forma de manifestação política que surgiu no Pará, em 1991, com o nome de “Grito do Campo”. Já em 1993, essa mobilização se irradiou por toda a região, intitulando-se “Grito da Amazônia”. A partir do ano seguinte, assume a dimensão nacional, com a criação do “Grito da Terra Brasil”. Até hoje essa é uma das principais mobilizações organizadas por representações da agricultura familiar visando a negociação de políticas públicas com diversas instâncias do poder público.
Os primeiros Gritos, realizados em 1991 e 1992, cobravam a punição dos culpados pela violência no campo, bem como a desburocratização do Fundo Constitucional do Norte (FNO), de forma a possibilitar o acesso dos produtores familiares ao crédito rural (CUT/CONTAG, 1998). Dessas mobilizações, resultou a criação do FNO – Urgente, em 1992, a primeira experiência brasileira de crédito rural com condições diferenciadas para a produção familiar.
Apesar do avanço, as dificuldades de acesso ao crédito perduraram. Em função disso, e visando um maior alcance social da política, as pautas de negociação posteriores foram focadas no aumento do montante de recursos aplicados e em aspectos normativos da política, tais como as reduções dos encargos financeiros cobrados e das exigências burocráticas para a liberação do crédito. Até esse momento, a orientação técnica dos financiamentos não havia sido colocada em debate.
Em paralelo às conquistas relacionadas à política de crédito, um conjunto de programas e experiências- piloto passou a ser desenvolvido na região Amazônica, em especial nos estados do Pará, Acre e Rondônia. Apoiadas por diferentes níveis do governo e/ou por ONGs nacionais e internacionais, essas iniciativas se orientaram para o desenvolvimento de sistemas de produção que conciliavam atividades agropecuárias com conservação ambiental, por meio do emprego de métodos participativos para a construção do conhecimento.
No final da década de 90, o modelo de crédito do FNO para financiamento da produção familiar amazônica – linhas Pró Rural e Prodex – começou a mostrar sinais de esgotamento. Entre esses sinais, destacam-se a elevação do índice de inadimplência, a ausência de assistência técnica de qualidade, a pequena evolução da qualidade de vida e da renda das famílias contempladas e, principalmente, a inadequação dos projetos e sistemas de produção financiados (Tura e Costa, 2000).
Simultaneamente, os programas-piloto, embora reconhecidos como bem-sucedidos, continuavam limitados às fronteiras locais de suas iniciativas. Esse contexto colocou o desafio para as organizações da sociedade civil de conceber uma proposta capaz de articular os instrumentos clássicos de política agrícola aos objetivos de fomentar processos sócio-organizativos locais, melhorar a qualidade de vida e a renda das famílias e promover a conservação ambiental.
Foi nessa conjuntura que o Proambiente, uma nova modalidade de crédito ambiental, com garantia da prestação de serviços de assistência técnica para execução das ações, foi apresentado na pauta do “Grito da Amazônia 2000” (Fetagri PA/AP et al, 2000). A receptividade favorável por parte do Banco da Amazônia e do governo do estado do Pará fez com que as Federações de Trabalhadores na Agricultura (Fetags), proponentes iniciais, incorporassem novos parceiros no processo de elaboração da proposta.
Já no período de sua formulação, o escopo do programa foi ampliado. Esse processo, que durou de 2000 até o início de 2003, teve duas passagens que merecem destaque.
A primeira, em novembro de 2001, foi a realização do “Seminário de apresentação da proposta do Pro- ambiente ”, na cidade de Macapá (AP). Nessa oportunidade, o programa trazido ao debate era composto de duas modalidades. Uma era voltada para produtores que aderissem à linha de crédito ambiental. Nesse caso, a remuneração pelos serviços ambientais prestados seria efetivada por meio de deduções nas parcelas de crédito devidas. A outra era orientada aos produtores que não recorressem ao crédito e que receberiam a recompensa pelos serviços ambientais diretamente. Ambas as modalidades previam a existência de um Fundo de Apoio que, entre outras funções, custearia os serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) aos produtores. Durante o evento, também foram definidos os locais para a implantação de doze pólos pioneiros do programa. Com a assinatura da carta de intenção para apoio ao “Projeto de Consolidação do Proambiente” pela Secretaria de Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente (SCA/MMA), viabilizou-se a instalação de uma secretaria executiva do programa e o custeio de grande parte das atividades necessárias para debater e consolidar a proposta nos estados.
O segundo momento de destaque ocorreu em abril de 2003. Foi a realização, em Brasília, do “Encontro da sociedade civil para fechamento da proposta do Proambiente”. O evento consagrou o formato definitivo do programa aprovado pelas organizações da sociedade civil. Desde então, o Proambiente foi centrado apenas na remuneração direta pelos serviços ambientais prestados pelos produtores, tendo mantido a proposta do Fundo de Apoio. A idéia de crédito rural existente na formulação original foi integrada como ação opcional, conforme descrito na figura ao lado.
O PROAMBIENTE NO GOVERNO LULA
As expectativas da sociedade civil de que o Proambiente fosse efetivamente implementado foram reforçadas com a eleição de Lula para a Presidência da República. Os movimentos sociais tomaram a iniciativa de entregar ao governo federal a proposta aprovada no evento de consolidação do programa em solenidade realizada no Congresso Nacional.
Incorporado pelo governo, o Proambiente passou a integrar o conjunto dos programas que compõem o Plano Plurianual (PPA 2004-2007), adquirindo um caráter nacional.
O gerenciamento do programa ficou sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Entre suas atribuições, o Ministério assumiu o papel de articular as ações de implementação junto às demais instâncias do governo e fazer a interlocução com as organizações da sociedade civil.
Passados dois anos da criação da Gerência do Proambiente no MMA, o programa ainda enfrenta problemas para sua consolidação. A inexistência de marcos jurídico-institucionais que viabilizem a remuneração dos produtores pelos serviços ambientais prestados e as dificuldades de articulação entre os ministérios envolvidos no programa têm impedido que a iniciativa ultrapasse a sua fase-piloto para se generalizar como política pública.
Para que o Proambiente cumpra com suas potencialidades, três desafios básicos se apresentam:
- O desenvolvimento de mecanismos operacionais capazes de permitir que propostas com o grau de complexidade do Proambiente possam ser executadas numa estrutura de governo pouco permeável a esse tipo de inovação conceitual e metodológica.
- O estabelecimento de marcos legais que viabilizem juridicamente o pagamento dos produtores pelos serviços ambientais gerados.
- A superação da “síndrome do programa-piloto” para que a proposta seja efetivamente generalizada na Amazônia e demais biomas.
MÁRCIO FONTES HIRATA:
engenheiro agrônomo, especialista em Agriculturas Familiares Amazônicas e Desenvolvimento Sustentável; coordenador-geral de Monitoramento e Avaliação da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF/MDA).
[email protected].
REFERÊNCIAS:
CUT/CONTAG. Série Experiências nº 01 – FNO. São Paulo: Projeto CUT/CONTAG de Pesquisa e Formação Sindical, 1998, 58 p.
FETAGRI PA/AP, et al.Grito da Amazônia 2000. Belém: Fetagri, 2000. 30 p.
TURA, L. R.; COSTA, F. A. (Org.). Campesinato e Estado na Amazônia: Impactos do FNO no Pará. Brasília: Brasília Jurídica/ Fase, 2000. 381 p.
PROAMBIENTE. Proposta Definitiva. Brasília: Programa Proambiente, 2003. 32 p.
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Revista V3N1 – Proambiente: um programa inovador de desenvolvimento rural