Luis Gomero Osorio
Muitas ONGs do campo do desenvolvimento rural assessoram organizações comunitárias com o objetivo de aprimorar as capacidades gerenciais dessas últimas no que se refere à agricultura e à preservação da agrobiodiversidade. Na maior parte dos casos, esses esforços se restringem a locais bem determinados, validando sistemas de produção baseados em condições muito específicas. A maioria dessas iniciativas favorece o desenvolvimento local, mas, em geral, não atingem áreas mais extensas e raramente são valorizadas como referências para a criação de políticas de desenvolvimento regional ou nacional.
Projetos de desenvolvimento que geram impactos positivos de âmbito local são muito importantes, mas não suficientes para promover mudanças mais amplas nas políticas públicas voltadas para o desenvolvimento rural sustentável. Muitos avaliadores já afirmaram que projetos de desenvolvimento rural encontram dificuldades em contribuir com processos nacionais ou em fazer com que seus avanços sejam levados em conta na construção da agenda política.
Essa foi uma das razões que levaram a Rede de Ação, para Alternativas ao Uso de Agroquímicos (RAAA) do Peru, juntamente com a colaboração de suas 35 organizações-membros, a criar desde o seu início, em 1990, uma unidade de campanha. Esse espaço, conhecido como Unidade de Pressão Política (UPP), concentra seus esforços na inclusão dos problemas vinculados ao desenvolvimento agrícola sustentável e ao uso de substâncias agroquímicas na agenda do debate político. Seu principal desafio tem sido iniciar processos participativos de mudança nos três níveis políticos: local, regional e nacional.
O emprego de agrotóxicos e outros agroquímicos é um dos maiores problemas ambientais do Peru. O uso excessivo dessas substâncias afeta o solo e as fontes de água e também contamina os alimentos. Além disso, os agrotóxicos mais vendidos e usados do país pertencem à categoria de “substâncias químicas extremamente perigosas”(como o Tamaron ou Furadan) e casos de uso de muitos produtos proibidos (como DDT e Aldrin) têm sido freqüentemente registrados. Por esse motivo é que, com o passar dos anos, a RAAA tem se dedicado ao desenvolvimento de políticas nacionais que regulem o uso desses produtos e à promoção da agricultura ecológica. Alguns resultados já foram obtidos.
ESTRATÉGIA DE INTERVENÇÃO
A estratégia da RAAA está voltada para influenciar a opinião pública, as autoridades, lideranças e representantes do governo, chamando a atenção para os problemas ambientais decorrentes do uso dos agroquímicos. Mediante a participação de diversos atores sociais, assuntos de alta prioridade para a agenda política foram identificados. A RAAA desempenha o papel de facilitadora, beneficiando-se de sua estrutura organizacional e de sua relação com os membros e muitas outras organizações. Assim, promove interações entre todos os envolvidos no desenvolvimento da agricultura sustentável e, juntos, definem estratégias e prioridades para traçar as atividades de pressão política.
O estabelecimento de métodos para o diálogo permanente entre autoridades e a sociedade civil está entre as principais tarefas da Rede. Incluir a questão na agenda do debate político é um dos desafios existentes quando se trabalha com pressão política. Isso não é tarefa fácil e requer a organização de conferências e constante produção de materiais informativos para a mídia. Além disso, é necessário criar campanhas de conscientização e mobilização para chamar a atenção dos meios de comunicação de massa e do público em geral. A constante disseminação de informação pela mídia, juntamente com um contínuo trabalho de lobby institucional, é a forma com que a RAAA chega a líderes políticos ou tomadores de decisão e, por meio deles, consegue defender a aprovação e implementação de propostas de políticas públicas no país.
Para influenciar a política de forma eficaz, é essencial entender com detalhes o contexto do problema e identificar todos os atores envolvidos. Da mesma maneira, é importante reconhecer o momento mais apropriado para começar uma campanha e fazer uma análise objetiva dos pontos fortes e fracos da organização e dos participantes da campanha. Isso ajuda a estabelecer fortes vínculos e a trabalhar em conjunto com outras organizações, especialmente com a mídia e com pessoas em posições chave. Os riscos potenciais também devem ser levados em conta a todo o momento.
PRINCIPAIS RESULTADOS
Por meio de sua Unidade de Pressão Política, a Rede produziu campanhas de longa duração que resultaram na discussão e aprovação de regulamentações favoráveis à agricultura sustentável e à redução do uso de agrotóxicos. Durante esse processo, foram criadas sinergias interessantes entre organizações de desenvolvimento que atuam nesse campo. Isso pode ser visto como um desdobramento positivo e necessário para a construção de políticas voltadas para uma agricultura saudável e sustentável.
Ações lobistas direcionadas ao Congresso também têm sido bem-sucedidas, resultando em reuniões freqüentes com políticos de diferentes partidos, na organização de fóruns e seminários e na posterior disseminação de informação pela mídia. Com os anos, as organizações- membro da RAAA têm intensificado, de forma similar, seu envolvimento nas diversas campanhas, seja mandando cartas abertas, dando declarações na mídia ou realizando manifestações exigindo o fim da comercialização de pesticidas extremamente tóxicos. A definição do dia 3 de dezembro como o “Dia Internacional Sem Agrotóxicos”, foi mundialmente reconhecida para relembrar o desastre de Bopal, na Índia. Essa estratégia facilitou a organização de uma campanha sincronizada em várias cidades do mundo exigindo ações imediatas contra o uso generalizado desses produtos. Também ajudou a dar visibilidade aos acidentes ocorridos no Peru (Ver boxe).
Esses esforços levaram à aprovação de diversas leis nacionais e muitas regulamentações locais.
Lei nº 26744, sobre a promoção do manejo integrado de pragas
Essa lei foi uma das primeiras conquistas políticas da Rede na luta pela redução do uso de agrotóxicos. Vários políticos ficaram interessados pelas demandas apresentadas nas diversas campanhas e um novo marco legal foi aprovado para que alternativas não-químicas pudessem ser promovidas, desenvolvidas e adotadas. Como conseqüência direta da criação dessa lei, o Ministério da Agricultura agora conduz o Programa Nacional de Controle Biológico de Pragas, que produz e torna disponíveis inimigos naturais de pragas agrícolas.
Lei nº 28217, sobre o uso de agrotóxicos extrema e altamente perigosos
Desde o ano 2000, uma das ações mais bem-sucedidas foi o completo banimento de todos os agrotóxicos definidos como extrema ou altamente perigosos para a saúde humana. A campanha nacional também visava a criação de mecanismos de controle envolvendo contaminação ambiental e saúde pública. Aprovada em maio de 2004, a lei trata do manejo de resíduos e recipientes, do controle de contaminação de alimentos e da vigilância epidemiológica nos casos de intoxicação. Embora não seja muito rígida no que se refere à proibição da importação ou do uso, essa lei oferece mecanismos participativos que permitem que se requeira a proibição de um produto específico.
Lei para a promoção da agricultura orgânica
Outro resultado das campanhas contra o uso de agrotóxicos é o recente surgimento de diferentes iniciativas legislativas, entre elas, as que promovem modelos agrícolas alternativos, o controle biológico de insetos-praga e ervas daninhas, o uso de guano, ou o manejo orgânico em geral. A proposta mais completa foi a apresentada pela congressista Paulina Arpasi em setembro de 2004, cuja elaboração contou com a colaboração da RAAA e de muitos de seus membros. Por algumas de suas implicações técnicas e econômicas, a lei ainda não foi aprovada pelo governo e continua sendo discutida por organizações da sociedade civil e políticos.
A Rede pretende continuar atuando por meio de campanhas enquanto monitora a implementação das novas leis pelas autoridades e empresas que lidam com agroquímicos. Isso envolve o desenvolvimento e a validação de mecanismos que permitam a participação pública.
LIÇÕES APRENDIDAS
A experiência mostrou que, para atingir os objetivos mais amplos das organizações de desenvolvimento, é indispensável ter uma boa interação entre as atividades em nível local e as iniciativas de criação de políticas públicas. Esse movimento é facilitado quando se trabalha em redes, grupos de ação, consórcios ou organizações afins. Coordenação e ações conjugadas também contribuem para a inclusão de temas específicos na agenda política. A principal dificuldade está em manter o grau de participação ativa de todos os envolvidos. Portanto, é necessário ser muito criativo no que se refere à implementação de atividades. Uma boa dose de motivação é essencial para mobilizar organizações populares.
Exigem-se também altos padrões de liderança em nível institucional, assim como recursos humanos sufi- cientes, para conseguir processos de mudança nas políticas públicas ligadas à agricultura sustentável. Essas ações devem ser constantes e contínuas. Além disso, a pressão política deve ser acompanhada passo a passo, ser facilmente compreendida e conduzida por todos os envolvidos e, finalmente, ser capaz de mostrar resultados concretos. Pelo fato de ter apresentado resultados positivos com a aprovação de uma série de novas regulamentações, as atividades da RAAA têm sido reconhecidas, tornando mais fáceis outras ações necessárias.
Luis Gomero Osorio:
Rede de Ação para Alternativas ao Uso de Agroquímicos (RAAA).
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Revista V3N1 – Influenciando as políticas: a experiência da RAAA no Peru