A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio liberou este mês a importação de trigo transgênico da Argentina (veja nessa matéria os argumentos apresentados pelos integrantes da Comissão responsáveis por essa decisão). O cereal geneticamente modificado para resistência à seca e ao herbicida glufosinato de amônio não foi liberado em nenhum outro lugar do mundo. O Brasil importa cerca da metade do trigo que consome, sendo que quase 90% dessas importações vêm da Argentina. Esse fato justifica a insólita decisão do país vizinho de autorizar a produção nacional do trigo transgênico desde que o Brasil, por seu lado, autorize a importação, numa espécie de venda casada. Vale lembrar que a CTNBio decidiu abrir o mercado brasileiro para o trigo transgênico argentino sem que tenham sido nomeados dentre seus integrantes, como manda a lei, especialistas para a defesa dos interesses dos consumidores.
Os herbicidas à base de glufosinato, cujo resíduo estará presente no trigo GM, são classificados como neurotóxicos, podendo ainda afetar o sistema reprodutivo. Em 2009, foram banidos na União Europeia. A empresa argentina Bioceres, que comercializa as sementes do trigo transgênico, indica o uso de 2,0 l/ha do herbicida. No entanto, em audiência pública realizada pela CTNBio, em outubro de 2020, o representante da empresa no Brasil afirmou que genes de resistência ao produto foram utilizados apenas como marcadores do processo de transferência genética e que os novos cultivos não seriam resistentes ao herbicida.
Já na Argentina, a contracorrente, o Ministério Público solicitou ao Poder Judiciário a suspensão imediata do plantio das sementes da Bioceres, justificando que sua liberação se deu de forma irregular e em violação a leis ambientais e administrativas do país. Mais recentemente, a Defensoria Pública da Infância e da Adolescência acompanhou essa orientação do Ministério Público. A defensora Florencia Plazas alegou em sua manifestação que cabe às autoridades públicas o dever de prevenção contra a concretização de ações com potencial de degradação do meio ambiente, considerando que a difusão de organismos geneticamente modificados nos ecossistemas, além de extremamente difícil de ser revertida, pode comprometer a saúde de gerações futuras e, dessa forma, das crianças e adolescentes. Destacou ainda a plausibilidade das alegações de caráter científico apresentadas pelas organizações sociais que demandaram o Ministério Público em oposição à liberação comercial das sementes, reforçando o interesse superior das crianças e adolescentes e a necessidade de preservação dos recursos ambientais.
Aqui no Brasil, setores empresariais vinculados à produção agrícola e à indústria de alimentos manifestaram formalmente oposição à entrada do grão transgênico em diferentes ocasiões e anunciaram que devem recorrer de mais essa decisão ilegítima que vai contra o princípio da precaução, e os interesses nacionais.