A defesa pela conservação das sementes crioulas no território do Polo da Borborema, Paraíba, tem seu início ainda na década de 1980. De lá para cá, diversas transformações aconteceram, como é o caso de novos temas que foram sendo conectados a este debate, como o feminismo, os bens comuns, a própria agroecologia, a convivência com o semiárido e a geração de renda. De forma complementar, muitos princípios organizativos têm se mantido, ainda que passíveis de revisões e reflexões. Um deles, refere-se à dimensão coletiva que a luta pelas sementes carrega consigo. Os Bancos de Sementes Comunitários são um dos exemplos no qual o exercício de “fazer junto” se revela, à medida que só se realiza pelo trabalho colaborativo das famílias, que garantem, então, disponibilidade de sementes quando o céu anuncia que “está bonito para chover”.
Os programas municipais de distribuição de sementes no território do Polo da Borborema têm sido constituídos sob este princípio. Políticas públicas que estão tanto fortalecendo as ações desenvolvidas nos Bancos de Sementes, quanto ampliando a atuação para novas comunidades e grupos. Foi no município de Lagoa Seca/PB que o primeiro programa da região foi criado. A Lei 206/2014, apesar de datar de 10 anos atrás, só foi implementada em 2021, devido a um cenário propício de apoio à agroecologia e à agricultura familiar no legislativo municipal. A vitalidade da política foi garantida pela previsão orçamentária adequada por meio de destinação de recursos do Orçamento Plurianual do município.
Ação em rede
O desenho da política de Lagoa Seca/PB é parte de um arranjo coletivo envolvendo o poder público e a Comissão de Sementes da organização sindical do Polo da Borborema. Composição fundamental para garantir que as políticas públicas sejam adequadas às singularidades dos territórios e, ao mesmo tempo, capazes de atender um público diverso. A partilha da experiência de Lagoa Seca/PB em atividades do Polo animou a construção de um outro programa, no município de Montadas/PB, em parceria com a Secretaria de Agricultura Municipal e o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS).
Ao longo do ano de 2023, como parte das atividades do processo preparatório da Festa de Sementes do território do Polo da Borborema, as experiências de programas de distribuição de sementes de Lagoa Seca e de Montadas foram sistematizadas por meio de dois vídeos. A partir da influência dessas experiências positivas, os municípios de Alagoa Nova/PB e de Remígio/PB também iniciaram movimentações para a construção de políticas públicas de fortalecimento das sementes crioulas e da agricultura familiar. Em Alagoa Nova foi aprovada em audiência na Câmara dos Vereadores a Lei 625/2023. Em 2024 foi realizada a primeira compra, ainda em quantidade simbólica, 300 kg, mas com finalidade de demonstrar a efetividade do Programa. Em Remígio/PB os mecanismos legais ainda estão em elaboração.
Aprendendo junto
No último dia 15 de maio foi realizada uma oficina no território do Polo da Borborema com objetivo de compartilhar as experiências dos municípios sobre os programas municipais de sementes, assim como planejar a construção de caminhos e estratégias de fortalecimento contínuo, como a constituição de ações de avaliação e monitoramento dos impactos dos programas.
Dentre as discussões realizadas, destaca-se como os programas têm permitido a expansão do público beneficiário, como é o caso de agricultoras/es vinculados ao Cadastro Único. Grande parte destes não estão integrados às ações dos Bancos Comunitários de Sementes ou à base dos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTRS) do território. Assim, essas políticas públicas foram lidas como importantes à medida que têm permitido uma integração de novos sujeitos a dinâmicas de organização territorial social, ao mesmo tempo que suscitam revisões sobre quem tem (e não tem) integrado as organizações e os movimentos do território.
Um desafio apresentado durante a oficina refere-se à política pública estadual de distribuição de sementes. Como explicou Emanoel Dias, assessor técnico da AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia – “o programa da Paraíba distribui sementes convencionais sem necessidade de devolução das sementes, o que atrapalha as dinâmicas nos municípios, porque leva a uma compreensão de que como é da prefeitura não é necessário devolver”. Como observa também o assessor, as comunidades com maior nível de organização social têm mais facilidade para devolver as sementes e garantir a continuidade de estoques, o que sinaliza a importância do trabalho de base. Os programas também têm sido importantes por trazerem as secretarias de agricultura e diversos conselhos municipais para próximo das ações do Polo. Pontos que reafirmam a reciprocidade necessária entre Estado e sociedade civil na elaboração e implementação de políticas públicas.
O compartilhamento das experiências buscou evidenciar componentes importantes na constituição dos programas, visando aprender com os desafios e estimular a criação destes em outros municípios. Foram relatadas durante a oficina estratégias para garantir orçamento às leis, como a melhor compreensão sobre a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) e a previsão de recursos por meio do Plano Plurianual. Outro ponto destacado é que muitas vezes nos municípios, os responsáveis na prefeitura e nas secretarias desconhecem os debates sobre agricultura familiar, agroecologia e sementes e é fundamental construir estratégias de diálogo efetivas, fortalecendo novas parcerias. Isso tem permitido que os legados permaneçam, ainda que diante das mudanças no legislativo e no executivo.