O meio do ano se aproxima e com ele o calendário das festas e feiras de sementes no Centro-Sul do Paraná. Para entender um pouco mais sobre o que acontecerá no território e como as festas e feiras são momentos importantes na conservação das sementes crioulas conversamos com o André Jantara da equipe da AS-PTA Paraná. As festas e feira nesta região são organizadas, sobretudo, pelo Coletivo Triunfo, mobilizando uma rede de parcerias locais, como prefeituras e entidades dos municípios que irão receber as feiras e festas.
André, pode contar um pouco para gente como acontecem os preparativos para as festas e feiras de sementes?
Na região de atuação do Coletivo Triunfo, Centro-Sul do Paraná, quando termina a temporada das feiras é feita uma avaliação, onde o Coletivo é representando pelas famílias guardiãs. No mês de março começamos um levantamento com os municípios que têm interesse em organizar feiras municipais, assim como em participar de outras feiras. A partir disso é definido no grupo quais serão os municípios onde serão realizadas feiras. As organizações de assessoria, como a AS-PTA, ficam, então, responsáveis por contribuir na organização das reuniões de preparação, onde começam negociações para vermos os recursos necessários, os apoios das prefeituras, as entidades envolvidas nos municípios e principalmente o trabalho da mobilização das famílias para participar das feiras. As feiras giram em torno da diversidade que essas famílias levam. Uma coisa que temos adotado é pensar quais são os temas a serem tratados dentro das feiras, serão realizadas, por exemplo, oficinas, palestras sobre algum tema dentro das feiras? A mobilização, porém, é o processo mais importante, porque é o que garante a participação das pessoas e também das famílias guardiãs. De alguns anos para cá, a gente vem adotando a ideia de que a feira tenha muita ligação com as cidades. Então, muitas feiras têm sido realizadas nas cidades para que a gente possa envolver o público urbano e consumidor, é onde começamos a ganhar o consumidor e explicar a importância da semente crioula e principalmente na produção da alimentação saudável.
Por que estes preparativos são importantes e como se conectam aos processos organizativos do território?
A importância de estar preparando é a garantia da mobilização, principalmente, das famílias guardiãs. A gente tenta levar para as feiras, seja municipal ou estadual, a maior diversidade de sementes que temos. Dentro do território da nossa atuação é fundamental estabelecer e fortalecer o vínculo entra a participação do povo e também do entendimento do que é a semente e do que ela transmite dentro de uma feira. Nestes momentos preparativos, nos assessoramos para que as famílias façam isso, envolvendo nas comunidades outras famílias e multipliquem a ideia da importância das sementes crioulas, seja no meio rural ou nas cidades. As feiras não significam simplesmente um evento, são parte de um processo de compreensão sobre a agrobiodiversidade.
Como você entende a importância das feiras num estado tão marcado pelo agronegócio como o Paraná? Quais são os desafios colocados na defesa das sementes crioulas?
O embate que temos com o agronegócio é mostrar que há uma resistência da agricultura familiar muito forte em manter a diversidade no território. Hoje uma coisa que temos escutado muito das famílias é que os custos de produção são muito altos para quem está no sistema convencional e que dependem todo ano de financiamento, para comprar até a própria semente. Estes bancos de sementes familiares que existem têm transmitido os baixos custos de produção e também garantido a produção dentro da agroecologia. É uma semente que pode seguir de geração por geração, já a semente convencional é aquela que se compra e deve ser readquirida todo ano, pois ela é modificada e traz a dependência das famílias. Eu sempre digo que quem está neste sistema convencional está alugando a semente, porque todo ano tem que pagar. Já os agricultores que cultivam suas sementes há 70, 80 anos e as mantém, eles têm autonomia de ter a própria semente e isso garante o baixo custo da produção. Ainda sentimos muito a falta da juventude assumir este trabalho, mas com o trabalho que vem sendo realizado no território temos visto alguns jovens se aproximarem disso, inclusive, jovens que tinham saído das propriedades têm voltado e começado a cultivar as sementes crioulas. Temos visto dentro da feira uma procura por compra de semente das famílias guardiãs pela juventude. Não é fácil envolver a juventude, mas temos a esperança de que ela assuma e continue a fazer este seguimento de geração em geração.
Como os agricultores devem organizar as sementes para trazer para feira e quais são os cuidados que devem ser tomados? Por que isso é importante?
Temos trabalhado muito no território com a questão da preparação das sementes. Muitas famílias produzem muitos tipos de sementes, mas ainda não têm o cuidado adequado com o armazenamento. Nós temos feito várias atividades de formação de como produzir as sementes e garantir que elas tenham qualidade e vigor para a germinação. Temos trabalhado muito a questão de práticas de como armazenar uma semente com qualidade para que ela tenha boa germinação, principalmente. A gente escuta muito essa reclamação nas feiras, de que às vezes se compra as sementes, mas elas não nascem. E isso se dá não somente devido à germinação, mas pode ser também devido às formas que famílias estão armazenando aquela semente. Então é muito importante tomar cuidado com as formas de armazenamento, a questão da umidade, durante a colheita, como classificar as sementes e como selecioná-las para o armazenamento. Temos estimulado muito o uso de garrafas pet, tambores, geladeiras, quando são sementes miúdas. Além disso, temos buscado estimular que as famílias façam testes de germinação antes de levar para as feiras para que a gente possa sempre levar sementes de qualidade.
Quantas feiras e festas acontecerão este ano e o que está planejado para ocorrer?
Dentro do calendário da Rede Sementes da Agroecologia (ReSA), que aí já envolve todo o estado do Paraná e não só o Centro-Sul, nós estamos com 25 feiras a serem realizadas. A maioria dessas feiras, são feiras municipais, mas elas acabam se tornando quase regionais, pois quando se fala em uma feira todo mundo que ir. Uma coisa importante é a conexão que tem sido feita pela ReSA dentro das feiras com as sementes das comunidades quilombolas e das aldeias indígenas. A ideia das feiras é que os povos do campo tenham voz ativa para dizer sobre a importância da diversidade das sementes. Outro ponto importante é a estratégia da Rede em estimular os municípios que ainda não fizeram feira, a realizá-las. Das 25 feiras, várias dela acontecerão pela primeira vez este ano. Vale destacar ainda que uma das frentes importantes de atuação da ReSA tem sido a valorização da diversidade mantida pelas mulheres. Este um ponto essencial que temos trabalhado. Em todas as feiras, a maioria dos expositores tem sido as mulheres. Quase 90% de uma feira que você participa hoje, são as mulheres quem estão mostrando a diversidade que por muito tempo ficou escondida. A gente olhava para as lavouras maiores, os cereais, onde cuidam os homens, e a diversidade que estava ao redor da casa era esquecida. Com essa mobilização da ReSA, por meio de um projeto com o Ministério Público do Trabalho do Estado do Paraná, foi possível trazer a tona este debate e garantir este crescimento da presença das mulheres nas feiras.