Muito tem se falado sobre a COP do clima que o Brasil vai sediar em Belém do Pará em novembro de 2025. Mas cabe destacar que antes dela o governo brasileiro e os governos de outros quase duzentos países estarão envolvidos na participação de outra COP, a da biodiversidade, que acontecerá na cidade colombiana de Cali em outubro próximo. São dois eventos de relevância global nos quais os países assumem metas e compromissos que devem ser traduzidos em ações ambientais no nível nacional. Essas conferências das partes (COPs) são também fóruns de presença bastante ativa de representantes dos interesses econômicos que levaram o mundo e o clima ao estado das coisas em que estamos. Daí a importância da participação e articulação dos movimentos e organizações sociais no diálogo e incidência sobre seus governos para construir propostas, apontar pautas prioritárias e denunciar a influência dos agentes do capital sobre a pauta socioambiental.
A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Rio 92, produziu três grandes acordos internacionais: a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) e a Convenção para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (UNCCD, também na sigla em inglês). Todas estão sob o guarda-chuva da Organização das Nações Unidas (ONU) e todas já ratificadas pelo Congresso Nacional e promulgadas na forma de decretos presidenciais, o que torna o Brasil um país parte.
A CDB tem três grandes objetivos, a conservação da biodiversidade, seu uso sustentável e a repartição justa e equitativa de benefícios advindos da exploração econômica do patrimônio genético ou de conhecimento tradicional associado. A repartição de benefícios é tratada de forma específica no Protocolo de Nagoia, que no âmbito nacional se desdobra na lei 13.123/2015, conhecida como lei da biodiversidade. O encontro de Cali será a 16a Conferência das Partes da CDB, chamada de COP 16.
Por mais distante que pareça, o tema das sementes crioulas está presente, pelo menos, de duas formas na COP da CDB. A CDB deve proteger espécies nativas e cultivadas, cabendo a ela propor regulações e mecanismos de avaliação de riscos dos organismos geneticamente modificados e seus impactos sobre o meio ambiente, considerando também a saúde humana. Esses temas são tratados diretamente pelo Protocolo de Cartagena. Além disso, as sementes e seus conhecimentos tradicionais associados podem ser alvo de bioprospecção na busca por moléculas, princípios ativos etc. de interesse da indústria farmacêutica, de cosméticos e sementeira.
Esses temas estarão na mesa de negociações da COP 16 quando os representantes dos governos deverão adotar recomendações referentes à avaliação de riscos associados à biologia sintética (que inclui as diferentes técnicas de edição genética para o desenvolvimento de OGMs) e sobre como tratar as informações de sequência genéticas digitais. Nesse último caso, a informação sobre a biodiversidade e seus usos sai dos campos, das florestas e dos seus povos e vai para grandes bases de dados, o que é um prato cheio para a indústria. Com quem uma empresa deverá repartir benefícios de um produto desenvolvido por alguma técnica de biologia sintética baseado em informações genéticas virtualizadas cuja origem física pode (e será) disputada?
A questão dos direitos aparece como pano de fundo no desenrolar desses acordos internacionais. São os direitos consuetudinários confrontados pelos direitos de propriedade intelectual. Os primeiros são derivados do costume e dos usos locais da biodiversidade, são inalienáveis, imprescritíveis e intransferíveis. Os últimos são individuais e temporais, haja visto os registros, patentes e certificados sobre os produtos e as sementes.
A bioeconomia abraça a biologia sintética, as sequências digitais, os transgênicos e por aí vai. Não à toa seus promotores são os agentes de sempre, que levaram o mundo e o clima ao estado das coisas em que estamos. Os governos de modo geral caíram nesse canto da sereia. É tarefa e desafio dos movimentos e organizações sociais pautar o governo e a sociedade que as saídas para a crise socioambiental que vivemos passa pela garantia dos direitos territoriais e dos modos de vida dos povos indígenas, comunidades quilombolas, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais na sua relação com a biodiversidade e seus sistemas locais de conhecimento. A COP 16 será um bom espaço para isso.