Não é grande novidade que a 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, mais conhecida como COP30, acontecerá no Brasil, na cidade de Belém, durante os dias 10 a 21 de novembro. O que talvez seja novo é a forma como isso funciona. As Conferências das Partes (COP) sobre o clima são organizadas pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) integrada à Organização das Nações Unidas (ONU). A proposta dessa conferência específica sobre o clima foi desenhada no Brasil durante a Rio 92, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Já a primeira COP do Clima foi realizada em Berlim, Alemanha, em 1995.
Como o próprio nome já anuncia, a COP é uma reunião das Partes, ou seja, é um espaço destinado a negociações feitas exclusivamente pelos representantes dos países. Por meio de delegações, os países se organizam para participar de diferentes espaços de debates, proposições e tomadas de decisão. Tudo isso, porém, não acontece nos dias da COP propriamente. As formulações debatidas e apresentadas na Conferência, assim como suas diretrizes, são realizadas previamente, na cidade alemã de Bonn, sede da UNFCCC. A reunião de Bonn, um encontro técnico preparatório à COP, ocorreu entre os dias 16 e 26 de junho.
Os três principais temas do encontro técnico foram a implementação do Balanço Global do Acordo de Paris; a Transição Justa; e o Objetivo Global de Adaptação. De acordo com sistematização sobre o encontro produzida pela LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action) a agenda de adaptação permanece como um dos eixos centrais nas negociações sobre o clima. Há hoje no Objetivo Geral Global de Adaptação mais de 500 indicadores sobre resiliência climática e um dos debates mobilizados referiu-se à necessidade de delineamento com objetivo de qualificar e reduzir esse número. O encaminhamento final destinou-se aos especialistas, os quais devem trabalhar para uma diminuição do número de indicadores globalmente aplicáveis, ainda que novos possam ser criados, por exemplo, aqueles que trazem dimensões transversais (gênero, juventude, inclusão social). Ainda que globais, estes deverão contar com subindicadores, a fim de que as Partes possam aferir a partir daqueles que façam mais sentido à realidade do país.
No que se refere ao Balanço Global do Acordo de Paris as negociações resultaram em uma “nota informal”, como apresentado pela LACLIMA. Isso se deve às divisões políticas que não permitiram acordos entre as Partes. Os entraves orbitam em torno do foco do debate e a eliminação dos combustíveis fósseis. O grupo de Países em Desenvolvimento com Ideias Semelhantes (LMDC, em inglês)* não aceitou a inserção no texto do Balanço Global sobre a eliminação de combustíveis fósseis, proposta defendida pela Austrália e pela Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS, em inglês), que reúne 44 países.
Os debates associados à Transição Justa também foram mal-acabados. O tema dos combustíveis fósseis foi um dos obstáculos. O LMDC, o Grupo Árabe e a Rússia se recusaram a avançar nas negociações devido à linguagem do texto que apresentava relações entre transição justa e “transição para longe dos combustíveis fósseis”. Além disso, países como Reino Unido, Canadá e Austrália apresentaram que não havia tempo hábil para que a nota informal contivesse todas as opiniões das Partes. Um outro ponto de tensão refere-se às medidas unilaterais, aquelas que são tomadas individualmente pelas Partes. Os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos temem que as medidas unilaterais tomadas por países em desenvolvimento possam afetá-los negativamente, impondo, por exemplo, dificuldades comerciais, políticas protecionistas e políticas de austeridade. Ainda frente aos desafios foi proposto um texto – marcado por divergências – que será subsídio para as negociações durante a COP30.
Merece destaque também uma discussão específica sobre gênero que considera a construção de um novo Plano de Ação Sobre Gênero. Foram identificadas 31 atividades para o Plano. Diferente do narrado anteriormente, este debate foi marcado por um esforço de cooperação para avançar nas negociações, ainda que com diferenças. O principal entrave foi em relação ao financiamento. Países do Grupo G77+China (bloco diplomático com 134 países, do qual o Brasil participa), do Grupo Africano e AOSIS apontaram a necessidade do apoio financeiro para implementação do Plano, considerando ainda a importância de que recursos cheguem às organizações de base que são coordenadas por mulheres. A proposta teve resistência dos países desenvolvidos, que alegaram que o mandado atual não abrange novas linhas de financiamento. Ao fim, o texto trouxe uma redação intermediária, dizendo da importância das capacidades financeiras, mas sem uma perspectiva explícita.
Outro tema, que não faz parte das negociações da reunião técnica de Bonn, mas que foi intensamente debatido, foi a insatisfação dos países com a situação da hospedagem e logística em Belém durante a COP30. A questão abarca tanto a dificuldade de encontrar hospedagens quanto os preços altos dos hotéis disponíveis. Há um temor entre os países, principalmente entre os mais pobres, que as diárias disponibilizadas pela ONU não sejam praticáveis com realidade de Belém. Isso gerou manifestações, uma vez que se esperava que essa seria uma COP mais popular, inclusive, por ser em um país em desenvolvimento. O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, afirmou que estão em negociações com os hotéis para ajustes de mercado e garantir de preços de diárias exequíveis. As soluções ainda estão por vir.
Ainda que Bonn e a própria COP se destinem a negociações climáticas entre as Partes, a sociedade civil é parte dessa disputa. Durante o encontro de Bonn foram realizadas diversas atividades de discussão sobre as agendas prioritárias, como o financiamento climático; transição justa, especialmente não orientada pelo mercado de carbono; debates com a presidência da COP30; articulação de pautas convergentes entre países. A presença da sociedade civil em Bonn é fundamental também como estratégia de compreensão das negociações e melhor capacidade de incidência durante a COP30 e nas políticas públicas domésticas.
*Reúne países como Argélia, Bangladesh, Bolívia, China, Cuba, Equador, Egito, El Salvador, Índia, Indonésia, Irã, Iraque, Jordânia, Kuwait, Malásia, Mali, Nicarágua, Paquistão, Paraguai, Sri Lanka, Sudão, Síria, Vietnã e Venezuela.
Fonte: Resumão LACILIMA – Conferência de Bonn 2025, disponível em: https://www.laclima.org/publicacoes/resumaolaclima-sb62