Governo americano e empresas custeiam comitiva de 17 parlamentares, pesquisadores e técnicos do governo
Lobby transgênico leva deputados aos EUA
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
No momento em que o governo federal prepara um projeto de lei que definirá sua política sobre os transgênicos, o governo americano e a Abrasem (Associação Brasileira de Sementes), entidade representativa das indústrias transgênicas, estão bancando todos os custos de uma viagem de sete deputados federais e dez pesquisadores e funcionários do governo aos Estados Unidos e África.
A viagem, que começa hoje e durará dez dias, prevê um dia de atividades, coquetel, jantar e tour com executivos da Monsanto, a gigante dos transgênicos, com faturamento de US$ 4,8 bilhões no ano passado, na sede da empresa, em Saint Louis (EUA).
A comitiva será acompanhada desde o Brasil por cinco funcionários brasileiros da empresa, incluindo os diretores de relações governamentais, de assuntos corporativos e de marketing.
Na África, além de encontros com pequenos produtores que usam transgênicos, estão previstos passeios no Parque dos Leões e no Parque dos Animais de Caça e até apresentações de grupos de dançarinos zulus.
A Monsanto seria a principal beneficiada caso fossem autorizados plantio e comercialização de sementes transgênicas no Brasil. Ela é filiada à Abrasem, que vai pagar as passagens aéreas.
Uma viagem de ida e volta a Washington (EUA), primeiro destino da comitiva, custava ontem R$ 9.637. O gasto total da Abrasem poderá chegar a R$ 231.288 (há 24 passageiros).
A maior parte da comitiva recebeu as passagens e uma ajuda de custo de US$ 600 das mãos da embaixadora dos EUA em Brasília, Donna Hrinak.
"Não vejo nenhuma objeção ética. Eles têm o interesse deles, mas nós vamos lá para receber informações", disse o deputado Nilson Mourão (PT-AC), um dos incentivadores da viagem.
Os demais parlamentares que aceitaram o convite dos americanos são Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Fernando Ferro (PT-PE), Paulo Pimenta (PT-RS), Givaldo Carimbão (PSB-AL), Zé Geraldo (PT-PA) e Josias Gomes (PT-BA).
Desses, quatro são titulares ou substitutos da Comissão de Agricultura e Política Rural da Câmara. A comissão, em determinado momento da tramitação, poderá vir a avaliar e votar o projeto governista sobre a situação dos transgênicos no país.
Indicado pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, integra a comitiva seu assessor Erico Feltrin. Na Casa Civil, seu papel é justamente o de acompanhar a discussão sobre o novo projeto do governo a respeito do tema.
Indagado sobre os aspectos éticos da viagem, Feltrin respondeu: "Eu não tinha analisado o assunto sob esse aspecto. Nossa intenção é ter acesso a todo tipo de informação sobre o assunto".
O Código de Conduta da Alta Administração Federal autoriza, no parágrafo único do artigo 7º, a participação de servidores em "seminários, congressos e eventos semelhantes", desde que o promotor do evento não tenha "interesse em decisão a ser tomada pela autoridade".
A viagem começou a ser gestada há um ano. Ao saber dela, na época a Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos, coalizão de organizações não-governamentais, encaminhou uma lista de 15 estudiosos e entidades contrárias aos transgênicos que poderiam ser incluídas no roteiro de viagem para dar um equilíbrio nas opiniões. Só uma sugestão foi aceita, a entidade Amigos da Terra.
Miro nega convite, mas diz ter "portas abertas"
IURI DANTAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Acuado pelo "fogo amigo" de seu partido, o PDT, e as portas abertas oferecidas pelo PMDB, o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, disse ontem sentir-se confortável. "Não existem aflições nem angústias. Existe é muito trabalho a fazer", disse ontem ao falar sobre o assunto pela primeira vez. O PDT, partido do qual Miro faz parte há cerca de 12 anos, rompeu com o governo federal e tenta ser, agora, opositor das reformas enviadas por Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso.
Mas Miro desconversa e afirma que as críticas de Brizola, não são novidade em sua convivência com outros integrantes do partido. E as divergências ainda não chegaram ao ponto de fazê-lo se preocupar com o assunto.
"Tem problema todo dia, há 12 anos. A política é isso aqui que estamos fazendo. Não tenho feito avaliação político-partidária." A distância de Brizola e Miro, que não lembra sequer a última vez que os dois conversaram, já motivou muitas especulações de que o ministro deixaria o partido.
A diferença, no caso do PMDB, é a "verossimilhança" da idéia, uma vez que Miro foi fundador do MDB, que deu origem ao partido, e que hoje negocia sua entrada na base aliada do governo.
Ele assegura que ainda não recebeu convite de nenhum partido para uma nova filiação. "Não há convites. O que há são portas abertas", afirmou referindo-se aos encontros com o PMDB.
Ontem, a Folha antecipou que Miro tomou a decisão de entrar no PMDB. Questionado sobre a que portas se referia, disse que não queria parecer uma "noiva" enumerando seus pretendentes.
Embaixada diz que o objetivo é "informar"
DA REPORTAGEM LOCAL
A Embaixada dos Estados Unidos em Brasília informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que a viagem de deputados, pesquisadores e assessores do governo federal aos EUA e África do Sul tem por objetivo permitir "acesso a informações sobre o tema".
A Monsanto avisou, por meio de sua assessoria de comunicação, que não se manifestará sobre a viagem e que as informações poderiam ser prestadas pela embaixada.
No roteiro da viagem, a justificativa apresentada é "discutir a biotecnologia do ponto de vista das indústrias americanas, dos grupos de interesse dos setores de agricultura e alimentos, do governo dos EUA, bem como do ponto de vista de produtores de pequena escala da África do Sul".
Nos EUA, o plantio de transgênicos é permitido por lei há sete anos. Na África do Sul, há um ano.
Além dos sete deputados e cinco funcionários da Monsanto, a comitiva inclui um representante da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Raimundo Caramuru Barros, dois de organizações não-governamentais e dois assessores do PT, além de pesquisadores de universidades.
Pelo menos quatro dos viajantes são contrários à liberação dos transgênicos. (RV)