O Sistema de Intensificação do Arroz (SIA) é um método de cultivo que proporciona maiores rendimentos, utilizando menos água, sementes, agrotóxicos e trabalho. O SIA se disseminou amplamente, embora suas práticas contrariassem o pensamento convencional sobre o cultivo de arroz. Esse aumento de escala foi fruto da experimentação local associada a processos de construção coletiva de conhecimentos agroecológicos.
Biswanath Sinha, Tushar Dash e Ashutosh Pal
A produção de arroz na Índia ocupa 44 milhões de hectares, representando 29% da superfície mundial sob cultivo de arroz e 20% da produção global de arroz. Embora a Revolução Verde tenha levado ao aumento do uso dos insumos na produção de arroz, esse aumento (associado a maiores custos produtivos) não foi revertido em maiores níveis produtivos. Além disso, gerou uma série de efeitos colaterais negativos sobre o meio ambiente e a saúde humana e animal. A medida que esses impactos negativos foram se tornando mais evidentes, intensificaram-se as buscas por alternativas de manejo que permitissem conciliar as reduções dos custos produtivos e ambientais com a elevação da produtividade de forma sustentável.
AUMENTO DE RENDIMENTOS COM O SISTEMA DE INTENSIFICAÇÃO DO ARROZ
O Sistema de Intensificação do Arroz (SIA) é um método agroecológico de cultivo de arroz que permite que os agricultores obtenham maiores rendimentos utilizando menos água, sementes, agrotóxicos e trabalho. O método foi desenvolvido em Madagascar nas décadas de 1980 e 1990 com o envolvimento de agricultores, pesquisadores e extensionistas. Entre as especificidades do sistema, estão o plantio mais espaçado de mudas mais jovens, a capina mecânica, a manutenção de um campo úmido e não inundado e o manejo orgânico da saúde do solo. Essas estratégias, contudo, contrariavam – e muito – tanto as práticas quanto as crenças convencionais do universo científico.
Diante dos resultados iniciais, muitos se convenceram de que o SIA tinha o potencial de ajudar milhões de famílias agricultoras que produzem em pequena escala e são marginalizadas pelas políticas oficiais de desenvolvimento agrícola a melhorar sua produção de arroz. No entanto, era necessário que os agricultores dominas- sem os princípios do SIA já que se trata de uma metodologia intensiva em conhecimentos. Essa característica coloca desafios à disseminação da prática e ressalta a importância do mecanismo de aprendizado baseado na metodologia de agricultor a agricultor.
AMPLIANDO A ESCALA DA UTILIZAÇÃO DO SIA
O SIA chegou à Índia no início dos anos 2000. Após alguns anos, uma análise comparativa de dados coletados por organizações parceiras de 5 mil agricultores constatou que o SIA proporcionou produtividades médias de 4,7 toneladas de grãos por hectare. Esse rendimento é 38,9% superior ao obtido pelo método convencional (3,4 t/ha) e 44,9% maior que a média nacional (3,2 t/ha). Isso significa que uma família de seis pessoas com um consumo diário de 2,5 kg de arroz e praticando o SIA em 0,2 hectare dispõe de estoques de arroz por 69 dias a mais do que uma família que adota o sistema de cultivo convencional. Além disso, a produtividade da palha no SIA (5,1 t/ha) é 38% maior que a do método convencional (3,7 t/ha).
À medida que os agricultores começaram a ver os resultados do SIA, a prática rapidamente se espalhou pela Índia. Em 2006, a Tata Trusts, organização que atua na promoção da Agroecologia, começou a promover o SIA junto a 11 mil famílias agricultoras de 14 distritos em dois estados indianos. Em 2012, já estava trabalhando com 150 mil famílias de 94 distritos em 11 estados.
De 2013 a 2017, o foco do programa foi a sua consolidação em cinco estados do leste e nordeste da Índia por meio de uma rede de organizações de base. Cerca de 240 mil famílias aumentaram a produtividade das culturas em 30%-50%, reduzindo o custo de produção em 30% e obtendo uma renda anual de aproximada- mente 20-30 mil rúpias por unidade familiar.
O sucesso na disseminação do SIA é resultado da experimentação e do monitoramento sistemáticos nos próprios estabelecimentos familiares. Portanto, é fruto dos processos de construção coletiva de conhecimento e da colaboração entre muitos atores.
EXPERIMENTAÇÃO E MONITORAMENTO CONDUZIDOS PELOS PRÓPRIOS AGRICULTORES
Para famílias agricultoras que produzem em regime de sequeiro e em pequena escala, o SIA coloca desafios no início de sua implantação. Até que sejam notados retornos significativos, elas resistem em reduzir o número de mudas plantadas, adotando um espaçamento maior, pois duvidam que isso lhes proporcionará melhores rendimentos. Um fator crucial para o sucesso na adoção do SIA é o monitoramento realizado pelos próprios agricultores durante todo o processo, desde o plantio até a colheita. Para lidar com as dúvidas e incertezas, o SIA é frequentemente experimentado em pequenas parcelas antes que seja adotado em todo o estabelecimento.
O uso de capinadeiras foi uma das principais novidades introduzidas na Índia. Capinadeiras e marcadores de baixo custo (indicando onde plantar as mudas) não só geraram maiores rendimentos das culturas, como também reduziram a carga de trabalho de quem realizava a capina, na maioria das vezes as mulheres. Um fator que contribuiu para o desenvolvimento e a disseminação das capinadeiras foi que organizações parceiras, empresas inovadoras e agricultores conseguiram melhorar a funcionalidade e diminuir o custo desses equipamentos por meio da experimentação conjunta. A disponibilidade dessa inovação foi um fator importante para disseminação do SAI no país. Os agricultores notaram que, graças às capinadeiras, a demanda de trabalho para a capina havia diminuído significativamente; portanto, decidiram expandir sua área sob o SIA.
CONSTRUÇÃO COLETIVA DE CONHECIMENTO SOBRE O SIA
Como a adoção do SIA depende do domínio de saberes específicos localmente contextualizados e não da simples reprodução de receitas técnicas universais, o compartilhamento de conhecimentos entre agricultores (as) torna-se um aspecto crucial do processo de disseminação do método. Redes de organizações de base criaram ambientes favoráveis à construção coletiva de conhecimentos, contribuindo para a mudança nas práticas de cultivo. Para facilitar o intercâmbio de conhecimentos entre agricultores, extensionistas e pesquisadores, a Tata Trusts criou o E-grupo SIA Índia. Todos os parceiros da Tata Trusts, incluindo reconhecidos extensionistas e destacados pesquisadores, foram convidados a participar desse fórum cibernético. O E-grupo tornou-se uma arena respeitada e amplamente utilizada para a troca de ideias e experiências no movimento SIA indiano.
COLABORAÇÃO E APOIO INSTITUCIONAL
O SIA se disseminou de maneira significativa na Índia graças ao envolvimento de ONGs dinamizadoras de redes em nível estadual e da relação estabelecida entre as organizações da sociedade civil e o governo. Essas ONGs desempenharam o importante papel de articular organizações de base e de criar amplas alianças entre organizações da sociedade civil. A possibilidade de incidir sobre as políticas em vários níveis também tem sido fundamental para que o SIA fosse acolhido para além das fronteiras da sociedade civil.
CAMINHO A SEGUIR
Esta experiência indiana ensina que a disseminação do SIA para outras regiões e para outros cultivos exigirá uma mudança nas concepções técnicas de manejo agrícola tanto de agricultores quanto de extensionistas, pesquisadores e gestores públicos. Seja como for, as relações de colaboração entre os governos e as organizações da sociedade civil mostraram-se condições indispensáveis para esse aumento de escala.
Biswanath Sinha
([email protected]) é o chefe regional da Tata Trusts em Mumbai.
Tushar Dash
([email protected]) é coordenador geral da Fundação Livolink em Bhubaneshwar
Ashutosh Pal
([email protected]) é coordena- dor geral da Fundação Livolink em Bhubaneswar
Uma versão anterior deste artigo foi publicada na edição indiana da Revista Leisa em março de 2015.
Baixe o artigo completo:
Agriculturas V14,N1 – A disseminação do Sistema de Intensificação do Arroz na Índia