Entrevista com Antonio Lattuca
(por Teresa Gianella-Estrems e Teobaldo Pínzas)
Antonio Lattuca é o diretor do programa de agricultura urbana na cidade de rosário, a 300 km a noroeste de Buenos Aires. O programa começou como uma resposta à crise econômica argentina de 2002, sendo construído a partir de iniciativas existentes que promoviam hortas entre as famílias e com as escolas. Atualmente é considerada como uma das experiências de agricultura urbana de maior sucesso na América do Sul. Ao articular grupos de consumidores, institutos de educação, políticas públicas e o movimento de gastronomia, a iniciativa tem sido inspiradora do emergente movimento de institucionalização de políticas para essa área em vários países da região.
QUAL FOI A PRINCIPAL MOTIVAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DO PROGRAMA DE AGRICULTURA URBANA EM ROSÁRIO?
No final da década de 1990, havia um movimento emergente voltado para o desenvolvimento territorial. Ao observar os benefícios das hortas, o município se interessou em promover o desenvolvimento local e estabelecer uma política municipal inclusiva de agricultura urbana.
Com base em experiências de programas anteriores, que tinham como foco a Agroecologia em bairros pobres, definimos uma série de metas que iriam contribuir para que as famílias urbanas vulneráveis alcançassem a soberania alimentar. Queríamos melhorar as paisagens do bairro por meio da produção de alimentos orgânicos saudáveis e da criação de mercados que conectassem diretamente os agricultores e consumidores. Também buscamos identificar o potencial das pessoas desempregadas e garantir os direitos de posse à terra. Consideramos que um programa de agricultura urbana seria a forma mais adequada para atingir esses objetivos.
POR QUE VOCÊS OPTARAM PELO ENFOQUE DA AGROECOLOGIA?
Queremos promover a produção agrícola sustentável como um meio de fomentar a transformação social e gerar condições para se viver bem. A Agroecologia tem a vantagem de usar tecnologias acessíveis, reduzindo a dependência a insumos externos. Os agricultores aprendem a produzir seus próprios insumos e gerir todo o processo de produção por conta própria.
QUAL É A ABRANGÊNCIA DO PROGRAMA?
Atualmente, 1.500 agricultores produzem alimentos para o consumo de suas próprias famílias e outros 250 também vendem seus excedentes. E há vários tipos de agricultura urbana na cidade de Rosário. Alguns estão situados nos quintais das próprias famílias, em escolas ou parques públicos, bem como em 24 hectares de terras sem uso. Essa terra, que é propriedade do governo nacional, do município ou da empresa ferroviária, está dividida em parcelas de 600 a 2.000 m, sendo que é assegurada a posse às famílias interessadas.
ONDE E PARA QUEM OS PRODUTOS SÃO VENDIDOS?
Os agricultores urbanos de Rosário produzem os únicos vegetais e frutas agroecológicos amplamente disponíveis na cidade. Esse alimento pode ser comprado das próprias unidades agrícolas, nos mercados livres de agrotóxicos dos agricultores, através de sistemas de entrega de cestas ou quando se janta fora, já que alguns também vendem os seus produtos para restaurantes.
O mercado para os produtos do programa está se expandindo rapidamente e tem se transformado, passando de um nicho para um mercado de massa. Muitos esforços têm sido feitos para garantir que a parcela mais vulnerável da população possa produzir ou que tenha condições de adquirir frutas e legumes de qualidade. Por exemplo, famílias de um mesmo bairro podem se juntar e formar clubes de trocas.
COMO O PROGRAMA CONSEGUIU ESTABELECER RELAÇÕES MAIS DIRETAS ENTRE PRODUTORES E CONSUMIDORES?
Durante seus 13 anos, o programa construiu uma relação de confiança entre o Estado, os agricultores urbanos e os consumidores. A Red de Huerteros (rede de horticultores) de Rosário tem sido muito ativa nesse aspecto. Já a Rede Vida Verde, de consumidores, organiza visitas a unidades produtoras e garante a compra dos legumes antes da colheita, sendo que muitos membros participam assiduamente de almoços saudáveis mensais, uma ideia que partiu dos agricultores.
TRATA-SE DE UMA EXPERIÊNCIA UNICAMENTE URBANA OU HÁ PRODUTORES RURAIS ENVOLVIDOS?
Estamos envolvidos ativamente no Fórum Nacional de Agricultura Familiar, que ajudou a criar a Secretaria Nacional de Agricultura Familiar em julho de 2014. A experiência positiva em Rosário foi um dos motivos que fizeram com que os agricultores urbanos de pequena escala fossem reconhecidos por essa nova instituição. Isso é importante, uma vez que lhes permite serem registrados no Cadastro Nacional de Agricultores Familiares, o que lhes confere o direito a benefícios em termos fiscais e previdenciários.
Nós trabalhamos com agricultores da região periurbana de Rosário, mas também com aqueles das áreas rurais e com várias associações e técnicos de Agroecologia. Através do Centro de Estudos de Produções Agroecológicas de Rosário (Cepar), também estamos ligados a redes de agricultores orgânicos na Argentina e ao Movimento Agroecológico Latino-Americano (Maela). Nos últimos anos, tem ganhado força um movimento a favor da criação de zonas livres de agrotóxicos no entorno das cidades na região das terras altas, onde Rosário está localizada, e o nosso programa tem se destacado como um ponto focal.
Entre os participantes, aqueles com um histórico de produção agrícola rural têm conseguido partilhar e promover seus conhecimentos agroecológicos, especialmente os relacionados à melhoria dos solos e ao manejo de pragas.
DE QUE FORMA AS MULHERES E OS JOVENS ESTÃO ENVOLVIDOS?
Através de oficinas e outras atividades, nós conscientizamos a população sobre a necessidade de mudar as relações assimétricas de poder entre homens e mulheres. As mulheres estão à frente da rede e representam 65% de todos os envolvidos. Elas participam de todas as atividades, envolvendo as hortas, o processamento e a gestão, além de assumirem um papel de liderança na comercialização nos mercados locais.
Acreditamos que os agricultores horticultores devem estar no nível mais alto da hierarquia social, porque sem comida, não há nada. No entanto, a nossa sociedade ainda não valo- riza devidamente o trabalho dos agricultores. Nós fazemos um esforço para melhorar a imagem dos agricultores e horticultores, apresentando-os como guardiões do meio ambiente. Essa valorização ajuda a tornar a agricultura urbana mais atraente para os nossos jovens.
Os jovens participam cada vez mais ativamente do programa. Hoje, cerca de 140 estão se capacitando para se tornar agricultores urbanos. Alguns são membros de cooperativas que oferecem serviços de hortas ecológicas. Outro grupo de jovens oferece cursos sobre hortas de vegetais e há também aqueles que dão aulas para as crianças da escola no centro da cidade. Esse último trabalho é particularmente importante porque incentiva a interação entre os jovens dos bairros mais pobres e os das áreas mais ricas do centro da cidade.
E COMO SÃO REALIZADAS AS ATIVIDADES DE CAPACITAÇÃO E VÍNCULOS COM AS ESCOLAS E AS UNIVERSIDADES?
Formação e capacitação de longo prazo estão no cerne do nosso trabalho. A aprendizagem começa no campo e é complementada com oficinas, encontros, intercâmbios, excursões, seminários e congressos. Nós valorizamos toda a sabedoria e os conhecimentos associados às práticas agrícolas.
Criamos uma escola móvel que tem como foco as práticas ecológicas de produção agrícola. Dezoito pessoas já receberam seus certificados e ainda este ano um segundo grupo será formado. O certificado abre oportunidades para que elas trabalhem como especialistas em agricultura ecológica.
O programa foi incorporado em 40 escolas que têm hortas para promover a alimentação saudável e o cuidado com o meio ambiente. Também conduzimos muitas atividades em diferentes faculdades da Universidade de Rosário, incluindo as Faculdades de Ciências Agrárias, Arquitetura, Medicina e Engenharia Civil.
COMO VOCÊS COMPARTILHAM SUA EXPERIÊNCIA?
Nossa experiência pioneira inspirou outras iniciativas de agricultura urbana em toda a Argentina, em Morón, Mar del Plata, Rio Cuarto, Corrientes, Tucumán e Santiago de Estero. E nós também inspiramos outras cidades latino-americanas que estão agora implementando iniciativas similares, incluindo Lima, no Peru, Belo Horizonte e Guarulhos, no Brasil, e Bogotá, na Colômbia.
Gestores públicos, técnicos e profissionais de outras cidades já nos visitaram para aprender e adaptar as nossas experiências a suas realidades. Muitos vêm durante a Semana de Agricultura Urbana chamada RAICES (Raízes: Redes, Alimentos, Inclusão, Cultura, Ecologia, Solidariedade) que organizamos há 12 anos. Nossos agricultores e membros da equipe também participam ativamente de outros eventos.
O QUE TORNA O PROGRAMA TÃO RELEVANTE?
Embora trabalhemos essencialmente com agricultura urbana, nosso programa é fortemente focado em questões sociais, tais como desenvolvimento territorial, Agroecologia, inclusão social e proteção ambiental. O programa tem construído pontes entre o rural e o urbano, entre os setores público e privado e entre os agricultores, os consumidores e a sociedade civil como um todo. E, em particular, nós temos ajudado a transformar a imagem dos agricultores, tornando-a positiva. Agora, os agricultores estão sendo reconhecidos em Rosário como guardiões da terra e das nossas paisagens. E, talvez, o mais importante, a juventude, os agricultores do futuro, foram contagiados pela Agroecologia, enxergando-a como uma ocupação inovadora.
Para mais informações, acesse:
www.agriurbanarosario.com.ar ou
twitter.com/AgriUrbanaRosar
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Revista V12N2 – Agroecologia urbana uma ferramenta de transformação social