Experiências bem-sucedidas em Agroecologia existem em todas as partes do mundo: é o que mostra a farta documentação feita durante mais de 30 anos pela Fundação Ileia e seus parceiros da Rede AgriCulturas. Frequentemente essas experiências produzem resultados significativos que contribuem de forma consistente para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). No entanto, elas só poderão sair do isolamento e alcançar escalas maiores quando houver um ambiente institucional propício para seu desenvolvimento.
Coen Reijntjes e Edith van Walsum
A identificação e a documentação de iniciativas em Agroecologia, assim como a disseminação das lições aprendidas, constituem uma fonte crucial de conhecimento e inspiração para o movimento agroecológico. Essa foi sempre a abordagem central do Ileia. Embora a fundação tenha fechado as portas em 2017, esse enfoque permanece vivo e agora ocupa – merecidamente – um espaço central no debate sobre disseminação da Agroecologia. Nesta breve reflexão, pretendemos reconstituir alguns elementos dessa trajetória passada, mas também olhar para o futuro.
Em 1984, vários profissionais holandeses atuantes no campo do desenvolvimento voltaram para casa com a mesma impressão, após suas primeiras experiências de trabalho na África: os agricultores com quem haviam trabalhado não se beneficiavam do enfoque da extensão rural e da pesquisa agrícola adotado para introduzir a agricultura moderna, orientada para o mercado e dependente de insumos externos, como fertilizantes químicos, agrotóxicos, sementes e raças comerciais, irrigação intensiva e outras tecnologias baseadas na ciência e em modelos universalizantes. Considerando as condições específicas de pequenos agricultores em áreas de agricultura dependente de chuva, esses insumos externos eram muito dispendiosos, muitas vezes não disponíveis, não adequados e cheios de riscos para a saúde e o meio ambiente. Essa observação levou-os à seguinte questão: os agricultores poderiam se beneficiar ao compartilharem suas ideias sobre práticas de agricultura ecológica ao redor do mundo? O grupo holandês criou então o Ileia, uma organização que visava compartilhar informações sobre o que se convencionou chamar de Agricultura Sustentável e de Baixo Uso de Insumos Externos (Leisa, na sigla em inglês). O seu boletim Ileia facilitou o intercâmbio das lições das experiências existentes e atualmente é publicado na forma da revista Farming Matters.
APRENDENDO COM AS PRÁTICAS DOS AGRICULTORES
No final da década de 1980, um grupo pioneiro de ativistas e estudiosos, incluindo os membros fundadores do Ileia, tomou como ponto de partida o Desenvolvimento Participativo de Tecnologia (PTD, na sigla em inglês): um processo de aprendizagem coletiva em que agricultores e cientistas combinam conhecimento tradicional e científico. O respeito pelas práticas, pelas sementes, pelas raças e pelos saberes tradicionais e locais dos agricultores os encoraja e fortalece o processo de experimentação de tecnologias e conceitos que atendam a suas condições, cultura e economia próprias. Profissionais do desenvolvimento e da extensão rural, bem como cientistas, podem apoiar esses processos com suas habilidades, conhecimentos e influência.
O trabalho inicial desse grupo incluiu a documentação sistemática das práticas dos agricultores que produziam em comunhão com a natureza para regenerar os recursos disponíveis localmente. Agricultores, pesquisadores e profissionais se reuniram para combinar seus conhecimentos e abordar conjuntamente questões ligadas ao manejo da água, do solo e das pragas, à conservação da agrobiodiversidade, às práticas agroflorestais, ao uso e conservação de sementes e raças tradicionais, etc. Em 1992, todos os conceitos novos e antigos explorados ao longo de décadas foram reunidos no livro Agricultura para o Futuro, que foi traduzido para sete idiomas (inclusive para o português, pela AS-PTA) e tornou-se uma referência importante no crescente acervo do conhecimento sobre a agricultura de base ecológica, que hoje é chamada de Agroecologia.
RUMO A UM AMBIENTE INSTITUCIONAL PROPÍCIO
O Ileia identificou organizações em diferentes partes do mundo que trabalhavam com perspectivas semelhantes em seus países e regiões. Ao articular essas organizações, a fundação abriu canais de comunicação para que o conhecimento sobre experiências práticas fluísse por todos os continentes. Inspiradas pela experiência da revista editada na Holanda (em inglês), algumas organizações começaram a desenvolver suas próprias revistas regionais em diferentes idiomas, formando a Rede AgriCulturas. As lições apreendidas por meio dessa documentação sistemática das experiências dos agricultores não só levaram à criação das revistas, mas também incidiram sobre as propostas de políticas apresentadas em fóruns internacionais, como a Rio + 20, simpósios da FAO sobre agricultura familiar e Agroecologia, a Convenção das Nações Unidas sobre Desertificação e outras de abrangência internacional e nacionais.
Experiências bem-sucedidas podem ser encontradas em todos os recantos do planeta. As práticas e iniciativas existentes são muitas vezes poderosas, envolvem muitas pessoas e produzem resultados consistentes que contribuem para alcançar os ODS. Compreender as razões por que determinadas práticas funcionam é um passo fundamental na disseminação da Agroecologia. Mas não é suficiente. Se o ambiente institucional não mudar, essas experiências permanecerão isoladas e em pequena escala. Marcos políticos e legislativos favoráveis de âmbito territorial, nacional e internacional, assim como uma base de apoio no seio da sociedade, são fundamentais para que as experiências em Agroecologia cresçam, se disseminem e ganhem escala.
Coen Reijntjes
([email protected]) foi editor da Fundação Ileia entre 1985 e 2003. Edith van Walsum
(em. [email protected]) foi diretora do Ileia entre 2007 e 2017.
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Agriculturas V14,N1 – Aprender com as experiências é crucial para impulsionar a Agroecologia