Alan Freihof Tygel, Cléber Folgado, Francileia Paula de Castro, Ivi Tavares A. Castillero, Leonardo Melgarejo, Lo Wai Yee Winnie, Marciano Toledo da Silva, Natália Almeida Souza, Nívia Regina da Silva, Paulo Cesar Aguiar Júnior e Rafaela Dornelas
Em abril de 2015, a campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela vida completa quatro anos. O movimento vem se consolidando como uma convergência entre diversos atores que, há muito mais tempo, travam uma difícil e desigual batalha contra os agrotóxicos e o modelo industrial de agricultura implementado no brasil – o agronegócio. Para se ter uma ideia dessa desigualdade, basta olhar as cifras: a indústria de agrotóxicos declarou ter lucrado em 2014 o equivalente a r$36,4 bilhões, suficientes para mobilizar amplos setores do Legislativo, judiciário e Executivo em defesa da expansão do agronegócio e seus monocultivos. Aos movimentos que constroem a campanha, não resta alternativa senão organizar-se para resistir ao agronegócio e construir outro modelo de agricultura – a Agroecologia.
A CAMPANHA
Na virada dos anos 2000, assistimos à explosão do agronegócio no Brasil, marcada pelo aumento na produção das commodities agrícolas, sobretudo a soja, e a adoção em larga escala de sementes transgênicas e agrotóxicos. Em 2008, o país assumiu a liderança mundial no ranking de consumo de agrotóxicos, de acordo com dados divulgados pelas próprias indústrias. No entanto, a desejada jogada de marketing saiu pela culatra, e o título conferiu uma maior visibilidade ao tema. Diante disso, a Via Campesina impulsionou organizações e movimentos que já atuavam sobre a temática, realizando um seminário nacional em setembro de 2010, na Escola Nacional Florestan Fernandes, em São Paulo.
Nesse seminário, que contou com a participação de mais de 70 pessoas de cerca de 30 organizações nacionais, definiu-se uma série de propostas para a qualificação da luta contra os agrotóxicos e pela produção de alimentos saudáveis. Também estabeleceu-se como estratégico o lança- mento de uma campanha nacional contra os agrotóxicos no dia 7 de abril de 2011, quando se comemora o Dia Mundial da Saúde. A figura publicada na página seguinte apresenta uma linha do tempo da Campanha, destacando suas principais ações.
Hoje, a Campanha pode ser definida como uma articulação da sociedade civil que tem como objetivo denunciar os efeitos dos agrotóxicos e do agronegócio para a população e anunciar alternativas de modelo de organização da produção de alimentos saudáveis baseadas na Agroecologia.
FOCOS DE LUTA
A Campanha tem como missão atuar em defesa da vida e da natureza e lutar pela garantia da produção de alimentos saudáveis para a população. Nesse contexto, a luta contra os agrotóxicos torna-se indissociável da luta contra os transgênicos, já que ambos fazem parte do mesmo pacote tecnológico imposto pelo agronegócio. Diante da enorme complexidade do assunto –e compreendendo a emergência de certas medi- das concretas –, foram definidos cinco focos de luta:
Proibição no brasil do uso de agrotóxicos banidos em outros países do mundo. Em 2008, 14 ingredientes ativos de agrotóxicos usados no Brasil foram selecionados para ser reavaliados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), muitos deles já proibidos em diversos países. Até agora, apenas quatro foram banidos e, mesmo assim, com um tempo de carência para que seus estoques fossem vendi- dos. Alguns dos efeitos crônicos observados pelo uso desses agrotóxicos são: alterações cromossômicas, malformações congênitas, infertilidade masculina, câncer, neurotoxicidade, interferentes endócrinos e doenças hepáticas, respiratórias, renais e dermatológicas.
Fim da isenção fiscal aos agrotóxicos. Nesse ponto, encontramos uma das explicações para o baixo preço dos ali- mentos convencionais. No Brasil, um conjunto de normas reduz drasticamente a cobrança de impostos sobre agrotóxicos. Como exemplo, podemos citar o Convênio de nº 100/97, celebrado durante Reunião Extraordinária do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reduz em 60% a base de cálculo do ICMS nas saídas interestaduais dos agrotóxicos.
Fim da pulverização aérea. Essa prática é especialmente danosa pela sua capacidade de contaminação de grandes extensões para além das áreas destinadas. Diversos estudos mostram a baixa eficácia desse tipo de aplicação, já que apenas uma pequena parcela do veneno atinge o alvo. O restante contamina o solo, os rios e as comunidades do entorno. Episódios como a intoxicação de mais de cem estudantes após um banho de agrotóxicos em Rio Verde, Goiás, em 2013, revelam a urgência do fim da pulverização aérea desses produtos.
Em defesa da água sem agrotóxicos. Nos últimos anos, as instituições de regulação no Brasil têm aumentado os níveis aceitáveis de agrotóxicos na água. Ainda assim, um número ínfimo de municípios de fato controla a poluição por agrotóxicos de suas águas. Diversos estudos mostram a contaminação dos aquíferos Guarani e Jandira que abastecem grande parte da população brasileira.
Conquista de territórios livres de agrotóxicos e transgênicos. O direito de decidir livremente sobre o que produzir, como trabalhar e como se alimentar se mostra inviabilizado pelo avanço das lavouras transgênicas. Por isso, a Campanha defende a possibilidade de declaração de áreas livres de agrotóxicos e transgênicos, para garantir o desenvolvimento de uma agricultura de base agroecológica.
ORGANIZAÇÃO
A Campanha se estrutura em comitês com a participação de indivíduos e organizações da sociedade civil. Os comitês são responsáveis pela luta cotidiana nos territórios, municípios e estados, reunindo a militância engajada em cada local. As citadas organizações, locais ou nacionais, consistem em movimentos sociais do campo e da cidade, centrais sindicais e sindicatos rurais e urbanos, movimentos estudantis, organizações não governamentais ligadas à agroecologia e a questões ambientais, entidades públicas de ensino e pesquisa comprometidas com a saúde coletiva, além de mandatos parlamentares que apoiam a luta contra os venenos. Essas organizações articulam a base social da Campanha e, de acordo com a conjuntura local, podem integrar os comitês nas regiões em que atuam.
AÇÕES REALIZADAS, RELAÇÕES COM O ESTADO E PRINCIPAIS AVANÇOS
O foco em ações de divulgação junto à sociedade gerou uma grande quantidade de materiais, incluindo cartazes, panfletos, cartilhas e material audiovisual. Dentre eles, destacam-se os filmes O Veneno Está na Mesa 1 e 2, produzidos em parceria com o diretor Silvio Tendler, que constituíram as mais efetivas peças de diálogo sobre o tema com a sociedade já realizadas. A exibição dos filmes em escolas, assentamentos, igrejas, universidades e associações foi assumida como tarefa por todos e todas as envolvidas na Campanha, com grandes resultados.
Além das atividades de comunicação, a Campanha tomou parte em algumas ações de massa nos últimos anos. Entre elas, podemos citar a ocupação do espaço da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) durante a Rio+20 (junho de 2012), a ocupação da fábrica da Monsanto em Petrolina (outubro de 2013), a marcha-denúncia contra o mosquito transgênico durante o III Encontro Nacional de Agroecologia (maio de 2014) e o abaixo-assinado pelo banimento dos agrotóxicos banidos no exterior (2012).
Outro fator que conferiu representatividade à Campanha foi a adesão de entidades respeitadas, tanto da sociedade civil quanto ligadas ao Estado. No campo da saúde, destacamos a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Esta última coordenou a elaboração do Dossiê sobre Impactos dos Agrotóxicos na Saúde, que pôs fim a qualquer dúvida científica sobre os efeitos dos venenos agrícolas.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) recentemente expôs uma lista de motivos pelos quais participa da Campanha e realizou duas mesas de controvérsias –uma sobre agrotóxicos, outra sobre transgênicos, produzindo subsídios importantes sobre o tema.
Na relação com o Estado, destacamos também a participação no Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, bem como nos seus Fóruns Estaduais. Com- posto por membros dos Ministérios Públicos do Trabalho, Federal e Estaduais, além de representações de órgãos públicos e de organizações da sociedade civil, o Fórum trabalha na esfera jurídica com demandas e denúncias articuladas pela Campanha.
Finalmente, em uma ação direta de construção de políticas públicas, a Campanha participou da elaboração do Plano Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (Pronara). Criado no âmbito da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), o Pronara articula propostas do governo e da sociedade civil com o objetivo de pressionar entes públicos a cumprir com suas atribuições em defesa da saúde e promover uma agricultura saudável. O texto completo possui 35 principais iniciativas, divididas em seis dimensões: registro; controle, monitoramento e responsabilização de toda a cadeia produtiva; medidas econômicas e financeiras; desenvolvimento de alternativas; informação, participação e controle social; e formação e capacitação.
REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA E DESAFIOS
Em 2015, o grande desafio será fazer frente às novas estratégias do agronegócio, sobretudo após o fortalecimento da bancada ruralista nas eleições de 2014. Sabemos, por exemplo, que voltarão à pauta propostas como a Lei de Defensivos, que elimina a palavra agrotóxico e sugere a criação de uma comissão técnica semelhante à de biossegurança (a CTNBio) para agilizar a aprovação de novas substâncias. Da mesma maneira, a investida das indústrias para a aprovação de transgênicos tolerantes ao herbicida 2,4-D (componente do agente laranja, usado na Guerra do Vietnã), além de novas espécies, como o eucalipto, e até mosquitos transgênicos entrarão novamente na agenda da CTNBio. Também serão colocadas em pauta novas tecnologias, como os sisgênicos, as plantas biofortifica das e a nanotecnologia aplicada à agroquímica, à agricultura e à alimentação, cujos riscos para a saúde e o ambiente sequer estão dimensionados.
Entre os embates, tornou-se emblemático o episódio da liberação de um produto neurotóxico, que já havia sido proibido, para combater o surto da lagarta Helicoverpa, causado pelo próprio milho transgênico (Bt). Na ocasião, o agronegócio conseguiu que a Anvisa, em menos de uma semana, alterasse uma lei e seu decreto para que o benzoato de emamectina voltasse a ser usado. Fica evidente, portanto, que, quando há dinheiro suficiente envolvido e interesses políticos convergentes entre o agronegócio e o governo, é muito difícil resistir.
Nesse contexto, um dos focos de ação nos próximos períodos deve ser o esclarecimento e a instrumentalização da sociedade para a participação na implementação do Planapo e do Pronara, freando tentativas de desvio em seus rumos. É preciso também contestar os mitos midiáticos de que o agro- negócio sustenta a economia nacional e que contribui para acabar com a fome.
É natural, num processo permanente, diverso e amplo, como o que se pretende a Campanha, que muitos novos desafios se configurem. Em um período marcado pelo avanço do capital, pela opressão sobre a agricultura camponesa e por severas derrotas no campo legislativo, as linhas de atuação da Campanha se tornam ainda mais ambiciosas. O profundo comprometimento de entidades e comitês é crucial nesse momento, sob o risco de mais retrocessos na atual conjuntura.
Os desafios a enfrentar extrapolam o entendimento mais restrito do que representa a Campanha. No entanto, os resultados construídos até aqui garantem musculatura para que novos horizontes de atuação possam ser galgados, articulando crescentes setores da sociedade em defesa da Agroecologia.
Seguiremos convocando os comitês, as organizações e todas as pessoas, no Brasil e no mundo, a renovarem a sua luta contra os agrotóxicos e pela vida. Os muitos caminhos narrados aqui foram resultado do esforço coletivo de muitas trabalhadoras e trabalhadores que, espalhados pelo país, constroem e dão sentido às práticas e propostas almejadas pela Campanha.
A todos eles dedicamos este relato e os muitos outros anúncios de vitórias contra o capital que estão por vir.
Alan Freihof Tygel, Cléber Folgado, Francileia Paula De Castro, Ivi Tavares A. Castillero, Leonardo Melgarejo, Lo Wai Yee Winnie, Marciano Toledo Da Silva, Natália Almeida Souza, Nívia Regina Da Silva, Paulo Cesar Aguiar Júnior E Rafaela Dornelas
Militantes da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
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Revista V11N4 – Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida: construção da resistência brasileira ao avanço do capital no campo