Andrew Bartlett, Marut Jatiket*
UM ALUNO REAL
Chutima adora as sextas-feiras. Esse é o dia em que a escola Nong Tharam conduz as atividades ligadas à “educação do sistema ecológico”, que começaram três anos atrás nessa pequena escola rural (que reúne 59 estudantes no total) na província de Nakom Sawan, na Tailândia.
Em vez de ficarem sentados durante as aulas estudando os livros, Chutima e seus amigos da 5ª série se reúnem em um ponto de encontro todas as manhãs de sextas-feiras e começam o dia com jogos “de aquecimento”. Os estudantes se separam em pequenos grupos e visitam um campo de cultivo próximo da escola, onde, dependendo da estação do ano, observam de perto as plantações de arroz ou de legumes. Eles examinam a condição do solo, medem o crescimento das plantas, contam o número de insetos e colhem outros dados. Quando retornam ao ponto de encontro, eles compilam as informações, preparam desenhos e discutem suas descobertas. Chutima e seus amigos então tomam suas próprias decisões a respeito do que fazer com os cultivos.
À tarde, os estudantes de Nong Tharam realizam as atividades que foram combinadas entre eles: pode ser regar ou retirar as ervas invasoras dos campos cultivados, ou remover os insetos-pragas das folhas. Como os produtos são cultivados organicamente, Chutima jamais usa agrotóxico. Ela procura observar regularmente os insetos benignos para ter certeza de que eles estão controlando as pragas. E, no final da estação, ela colhe e come o que plantou.
O que Chutima mais gosta são seus próprios experimentos. Ela plantou couve chinesa em três potes com diferentes tipos de solo: areia, lama e argila. Ela rega os potes todos os dias, e o crescimento da planta é medi- do a cada dois dias. Até agora, a couve plantada na lama vem crescendo melhor, e Chutima percebeu que esse tipo de solo retém melhor a água.
Chutima também capturou borboletas e libélulas, as manteve em recipientes de plástico, observou seus ciclos de vida e usou a informação para produzir seus próprios livrinhos. Ela fez uma série de gráficos educativos, os quais usa com seus pais e irmãos menores. Os gráficos se baseiam em uma série de questões que foram criadas para estimular discussões e pensamentos críticos, uma técnica que Chutima aprendeu com sua professora.
Em 2003, aos 11 anos de idade, Chutima participou de uma mesa de discussão no Fórum Nacional de Manejo Integrado de Pragas em Escolas. Professores de toda Tailândia, altos representantes oficiais do Ministério da Educação e visitantes internacionais de oito países também participaram do Fórum. Chutima explicou o que ela ganhou com as sessões das sextas-feiras na escola de Nong Tharam: não só conhecimento sobre o ciclo de vida dos insetos, não só as técnicas necessárias para criar arroz e legumes, mas, principalmente, ela aprendeu como aprender.
EDUCAÇÃO REAL
A sigla REAL significa Rural Ecology and Agricultural Livelihoods (Ecologia Rural e Sustento das Famílias de Agricultores). A Educação REAL é um processo de ensino integrado no qual crianças de escolas exploram o que acontece em propriedades agrícolas locais, obtêm um entendimento sobre ecologia e desenvolvem um pensamento crítico a respeito do meio ambiente, da saúde e dos problemas sociais.
A Educação REAL hoje é um movimento internacional, mas começou com um professor em uma escola do interior da Tailândia. Em 1995, Manas Burapa decidiu organizar sessões práticas que ajudariam seus alunos a entenderem a ecologia dos campos de arroz. Ele estava preocupado com os efeitos nocivos dos agrotóxicos e procurou a orientação de uma ONG que agora é conhecida como Fundação de Educação Tailandesa. Manas e a equipe da Fundação adaptaram a abordagem “Escola de campo de agricultores”, um processo de aprendizagem que foi desenvolvido pela FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura para ensinar a agricultores adultos técnicas de manejo integrado de pragas (IPM).
O currículo que adveio dessa colaboração faz uso de observações de campo como ponto de partida para o aprendizado de uma grande variedade de tópicos. Por exemplo, a observação da relação entre os insetos-praga e os insetos benignos fornece uma base concreta para o estudo de processos ecológicos e oferece informação e inspiração para as aulas de ciências, matemática, artes e línguas. Além disso, o processo de tirar os alunos da sala de aula e levá-los aos campos de cultivo locais ajuda a quebrar barreiras que foram criadas entre a escola e a comunidade e incentiva as relações de aprendizagem entre as gerações.
O sucesso dessa abordagem de baixo custo no que se refere ao aprendizado integrado despertou o interesse de vários setores do governo tailandês. O Ministério da Educação financiou o desenvolvimento de uma “rede de eco-escolas” que envolve o uso da abordagem REAL em quatro províncias e também concedeu prêmios nacionais para diversos professores da Educação REAL. Enquanto isso, o Ministério da Saúde se interessou pelas atividades de “vigilância da saúde comunitária” organizadas pelos estudantes da REAL, que levaram a uma redução significativa de envenenamento por agrotóxicos. Governadores de províncias também estão aderindo: no início de 2004, o governador de Nakom Sawan começou a patrocinar a adoção da Educação REAL em diversas comunidades ribeirinhas do rio Chao Phraya como meio de reduzir a contaminação da água por agentes químicos agrícolas.
O interesse por parte de outros países asiáticos também está crescendo. O Ministério de Educação do Camboja e das Filipinas começaram seus próprios programas de Educação REAL, enquanto atividades-piloto têm sido realizadas em Bangladesh, Laos, Indonésia, Vietnã e Sri Lanka. Até recentemente, essas atividades recebiam nomes variados, entre eles “Aprendizado em campos de cultivo de arroz”, “Iniciativa de participação das crianças” e “Escolas de manejo integrado de pragas”. Nenhum desses nomes captou totalmente a essência da questão ou conseguiu representar a transformação que ocorre nas escolas que participam desses programas. Por essa razão, os participantes da Oficina Internacional, organizada pela Fundação de Educação Tailandesa em março de 2003, escolheram o nome de “Educação REAL ”para descrever a abordagem que estavam usando.
APRENDIZAGEM REAL DE COMPETÊNCIAS
Pelo menos metade das crianças na Tailândia cresce em áreas rurais. Os campos de cultivo ao redor de suas casas e escolas proporcionam a essas crianças um lugar ideal para o aprendizado de uma grande quantidade de assuntos:
- campos de cultivo de arroz e legumes são ótimos lugares para que os alunos vejam o desenrolar de processos biológicos e ecológicos. Ali eles podem observar plantas, solos, água, insetos e outras criaturas, como sapos e peixes, e como eles interagem uns com os outros;
- estudos científicos e experimentos (por exemplo, o estudo do ciclo de vida dos insetos, comparação de práticas de agricultura) podem ser conduzidos sem equipamentos caros, e assim melhoram as habilidades organizacionais e analíticas dos estudantes;
- as informações que os alunos obtêm no campo podem ser usadas como base para o aprendizado integrado, fazendo com que reúnam assuntos de diversas matérias, como ciências, matemática, artes e línguas;
- o estudo da agricultura local é um forte ponto de partida para a compreensão de problemas de saúde e ambientais, tais como o uso indevido de agrotóxicos, a poluição da água, a erosão do solo e a perda da biodiversidade;
- A agricultura ecológica coloca as escolas rurais em contato com a vida cotidiana das pessoas do local, criando uma ponte entre as questões que envolvem os professores, as crianças e seus pais.
A produção agrícola é a atividade mais importante na Tailândia, envolvendo mais pessoas do que qual- quer outra forma de emprego. No entanto, a vida rural muda rapidamente, e as famílias agricultoras devem ser capazes de responder às dificuldades e às oportunidades que vêm emergindo. A habilidade de colher informação, de analisar os problemas, de conduzir experimentos e de comunicar o que foi aprendido são competências que podem ter um efeito profundo sobre os meios de sustento de milhões de pessoas que vivem nas áreas rurais da Tailândia. Essas são as competências que a Educação REAL almeja desenvolver.
IMPACTO
Ban Pha Thon é uma pequena escola primária localizada na província de Chiangrai. A escola tem 207 alunos em oito séries, da pré-escola à 6ª série. A maior parte desses estudantes é filho de agricultores que cultivam arroz e legumes.
A escola começou as atividades da REAL em 1999, com o envolvimento de dois professores responsáveis pelas 5ª e 6ª séries. No início, essas ações baseavam-se nas práticas apreendidas com a produção de arroz e legumes. Depois, os professores integraram diversos outros assuntos e matérias e o currículo foi adotado por toda a escola. Agora, os alunos da escola Ban Pha Thon passam, às sexta-feiras, pelo menos uma hora no campo seguida por uma discussão na sala de aula. As informações colhidas também são usadas em outras sessões realizadas de segunda a quinta. Nesse sentido, essa iniciativa se adequou à reforma governamental do currículo nacional, que deu mais ênfase ao conteúdo local e às abordagens centradas nos alunos.
Essa reforma curricular proporcionou uma excelente abertura para a Edu- cação REAL. Em outros países, com políticas ambientais menos acolhedoras a esse tipo de iniciativa, o programa REAL começou fora do horário escolar.
A Educação REAL impõe maior responsabilidade sobre o professor. No início, era difícil para eles mudarem de um método de ensino tradicional, que utilizava livros didáticos, para uma forma de aprendizagem relacionada a um contexto prático. Ecologia agrícola também demanda mais preparo técnico dos docentes. A princípio, muitos professores acharam o conteúdo de matérias como manejo integrado de pragas para legumes um tanto complexo. Foi necessário um treinamento contínuo durante o ano para que eles se sentissem confiantes para adotar a nova abordagem pedagógica.
A professora Khun Pornpan Namrath é responsável pelas 5ª e 6ª séries na escola Ban Pha Thon e ela foi uma das primeiras a usar o currículo REAL. Ela costumava se considerar uma professora regular, mas as atividades da Educação REAL produziram uma mudança dramática em suas técnicas de ensino e atitudes. Ela recebeu o prêmio de professora modelo da Comissão Nacional de Educação, um prêmio de professores profissionais da Chiangrai Teacher College, e também foi convidada a dar aulas para estudantes universitários.
O maior motivo de orgulho para Khun Pornpan, no entanto, foi a transformação que ela viu ocorrer em sua comunidade desde que os alunos e seus pais se envolveram na Educação REAL. Ela explica que, como resultado das atividades de campo, os alunos mais novos desenvolvem rapidamente um forte interesse por aprender: Eles têm capacidade de fazer uma apresentação, de desenvolver um pensamento crítico e são mais criativos. Os pais percebem grande melhora na habilidade que seus filhos têm para realizar atividades de forma independente e responsável. Há também um benefício do ponto de vista nutricional, porque os estudantes podem comer os legumes que produzem, seja na cantina da escola ou levando para casa.
Os alunos mais velhos estão levando o processo de aprendizagem ainda mais longe, ao envolverem seus pais em pesquisas sobre saúde que enfocam o uso de agrotóxicos na comunidade. Como resultado, diversas famílias em Ban Pha Thon modificaram suas práticas agrícolas. Alguns agricultores deixaram de plantar certos cultivos comerciais para plantar árvores frutíferas, e muitos estão usando biofertilizantes para evitar os danos causados por agentes químicos tóxicos. Alguns estudantes têm desenvolvido e testado suas próprias fórmulas de biofertilizantes, que são vendidos no mercado local por 15 Baht o litro (aproximadamente US$ 0,37). Os lucros são revertidos para os alunos, algo que proporciona uma oportunidade de aprendizado a mais para eles. No “centro de pesquisa ”da escola, os estudantes também desenvolveram um novo tipo de sementeira de legumes, ao incorporar certas ervas e composto orgânico ao solo de forma a prevenir o surgimento de plantas invasoras e insetos-praga.
Durante os últimos cinco anos, 137 alunos se formaram depois de passarem pela experiência da Educação REAL. Khun Pornpan diz que escolas de segundo grau (atual ensino médio no Brasil) estão preferindo estudantes que venham de Ban Pha Thon ou de outras escolas que usam o currículo da Educação REAL porque eles são capazes de tomar iniciativas nas atividades de aprendizagem. Um desses alunos é Tasanee Sithimart, atualmente na 11ª série da escola secundária de Viengpapao. Eis o que ela tem a dizer sobre a Educação REAL:
Eu ganhei muito com a escola primária e, desde então, tenho utilizado o que aprendi. Na escola secundária, conduzi diversos experimentos e nunca tenho medo de pensar por mim mesma ou de fazer apresentações. Eu conquistei o respeito de outros alunos e professores por meu conhecimento e por várias atividades que foram muito bem-sucedidas. Tenho uma média alta em meus exames e provas. Agora estou trabalhando como membro do comitê estudantil envolvido com o planejamento escolar e com muitas outras atividades. Eu gostaria de me tornar uma pesquisadora, porque gosto de ciências e posso ajudar meus pais e outros agricultores a terem acesso a melhores variedades e ganhos. Dessa forma, podem obter lucro e não deverem mais a ninguém.
Para onde se encaminha a Educação REAL?
No ano 2004, havia aproximadamente 50 escolas na Tailândia adotando o currículo REAL. Alguns planejadores ou gerentes de projeto podem considerar esse um número baixo. Mas este processo não deve ser analisado pela lógica convencional de avaliação de projetos. Ao contrário, este é um movimento de expansão contínua que pertence aos tailandeses. Tanto o Ministério da Educação quanto a Fundação de Educação Tailandesa financiaram este movimento, mas a tomada de decisão é feita por diretores de escolas, professores, pais e pelos próprios alunos. Todos estão envolvidos no planejamento, na implementação e na contínua avaliação do currículo REAL, além de serem encarregados de comunicarem os resultados para outras pessoas.
Talvez haja 70 escolas de Educação REAL na Tailândia no próximo ano, ou talvez haja 700. Qualquer que seja o número, temos certeza de que existe uma tendência de crescimento. Talvez o currículo seja estendido e venha incluir novas atividades relacionadas à qualidade da água, ou à prática da silvicultura comunitária, ou ao controle da malária. Qualquer que seja o conteúdo, temos certeza de que continuará a evoluir como resultado do interesse e da criatividade das pessoas envolvidas. E, quem sabe, novos financiadores podem surgir por parte de uma instituição tailandesa ou por doação estrangeira. Mas, qualquer que seja a origem dos fundos, a Educação REAL continuará a pertencer e ser organizada pelas escolas e comunidades que estão assumindo a responsabilidade por seu próprio futuro.
Andrew Bartlett e Marut Jatiket
Fundação de Educação Tailandesa.
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Revista V2N1 – Crescendo no mundo REAL