Felipe Jalfim, Pablo Sidersky, Espedito Rufino, Fabio Santiago e Ricardo Blackburn
Projeto Dom Helder Camara (PDHC) nasceu como uma resposta governamental à demanda de movimentos sindicais e sociais, ONGs e Igrejas por ações permanentes para o desenvolvimento da agricultura familiar na região semiárida nordestina. Ao assumir como objetivo principal gerar e difundir referências que possam orientar políticas públicas de combate à pobreza e apoio ao desenvolvimento rural sustentável no Semiárido, o PDHC adotou o paradigma da Agroecologia como norteador de suas ações.
A partir dessa opção, a abordagem teórico-metodológica do projeto buscou romper com a noção de transferência de tecnologias, adotando um enfoque de geração participativa de conhecimentos. Também experimentou novos processos nas relações entre Estado e sociedade civil. O postulado assumido pelo PDHC é de que a geração de conhecimento não é uma exclusividade da ciência convencional. Nesse sentido, as famílias agricultoras, sozinhas ou em interação com pesquisadores e/ou extensionistas, também têm um papel fundamental no avanço dos conhecimentos necessários para a prática de uma agricultura sustentável. Afinal, observa-se que a experimentação é uma atividade cotidiana na vida dos agricultores familiares que, de maneira constante, confrontam problemas que afetam seus cultivos e criações de animais, imaginam as suas prováveis causas, implementam ações para atacar essas causas e refletem sobre os efeitos dos resultados de suas ações (HOCDÉ, 1997; SUMBERG; OKALI, 1997). Nesse contexto, a hipótese é que a interação entre famílias agricultoras, assessoria técnica e pesquisa seja uma estratégia eficaz para gerar conhecimentos pertinentes, que fortaleçam a sustentabilidade dos agroecossistemas da região.
A estratégia tem como meta a promoção de gestões familiares e comunitárias de agroecossistemas com vistas à coevolução das dimensões ambiental e socioeconômica. Considerou-se que a evolução dos agroecossistemas no sentido da sustentabilidade depende também de uma dinâmica de formação e desenvolvimento de capacidades e institucionalidades locais e territoriais. Isso significa que para enfrentar o desafio de fortalecer tipos de manejo de agroecossistemas na perspectiva da convivência com o Semiárido é fundamental, entre outros aspectos, que as famílias exerçam um papel qualificado no controle e no acesso às políticas públicas, na organização sociopolítica e na construção de relações com os mercados.
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO JUNTO ÀS FAMÍLIAS
O arranjo institucional
Para dar concretude aos conceitos, estratégias e premissas mencionados, a assessoria técnica às famílias foi organizada a partir de um arranjo de abrangência territorial, que buscou estruturar um sistema coerente de planejamento, execução e avaliação das ações a partir da integração das equipes técnicas com as famílias. O foco dessa integração foi a troca de conhecimentos que contemplassem as necessidades apresentadas pelas famílias. Esse arranjo foi estratégico para que houvesse articulações entre as famílias, suas organizações representativas e movi- mentos sociais em uma busca permanente por acesso a políticas públicas e projetos que fortalecessem as ações em curso, desde o âmbito comunitário até o territorial.
Cabe ressaltar que o sistema de assessoria do projeto contou com dois tipos de aporte. Em um dos territórios, além das equipes locais de assessoria técnica das ONGs que atuavam diretamente com as comunidades e assentamentos, buscou-se articular outros conhecimentos por meio da contratação de consultores especialistas para tratar temas relevantes demandados pelas famílias, principalmente quando as equipes locais de assessoria técnica não contavam com essa expertise. Os técnicos especialistas atuavam em suas áreas de conhecimento de forma integrada, em uma abordagem de troca de saberes com as famílias e os técnicos das equipes locais. Contou-se também com a assessoria de ONGs referenciais em relações de gênero e geração, assegurando tratamento apropriado dessas temáticas por meio do acompanhamento das ações e da capacitação das famílias, especialistas e equipes locais de assessoria.
Para complementar esse arranjo no campo da organização social, o PDHC incentivou e apoiou os agricultores familiares na formação de equipes de mobilizado- res sociais. Estes ficaram vinculados aos movimentos sociais e sindicais, assumindo vários papéis, como o controle social dos serviços prestados pelas equipes locais, o fortalecimento das organizações comunitárias no seu funcionamento cotidiano e a difusão de informação e apoio às famílias no acesso às políticas públicas. Ademais, para atender a crescente demanda de geração de novos conhecimentos, o PDHC estabeleceu importantes parcerias com diversas universidades e unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Nordeste.
METODOLOGIAS PARTICIPATIVAS CHAVE
A partir do enfoque agroecológico, a assessoria técnica às famílias de comunidades e assentamentos no âmbito do PDHC pautou-se em metodologias que favorecem a aprendizagem evolutiva e a geração participativa de conhecimentos necessários para promover mudanças nos campos organizacional, tecnológico e produtivo. Desse modo, os processos de aprendizagem foram construídos em torno de uma reflexão crítica sobre a realidade das famílias em suas tarefas diárias. Essa estratégia confere uma maior coerência ao trabalho junto às famílias, com o estabelecimento de metas bem definidas de médio e longo prazos, evitando assim eventos de formação sem continuidade e que não estejam no contexto de uma ação maior. Dessa forma, em vez de realizar um evento isolado sobre os benefícios da horta de base agroecológica para a alimentação e a geração de renda familiar e esperar que a comunidade se mobilize e adote a proposta discutida, a assessoria técnica optou por uma ação mais integrada com o seguinte itinerário metodológico: reuniões de sensibilização, visitas de intercâmbio, oficina para socialização da visita e, no caso de haver real interesse na adoção da proposta, o planejamento e a implantação da horta por meio de uma experimentação participativa.
Dessa maneira, na metodologia adotada, o elemento central foi a utilização de um itinerário que permitisse o fortalecimento da capacidade dos agricultores de identificar problemas, formular hipóteses, realizar testes e analisar os resultados encontrados em seus experimentos. É esse roteiro que cria condições propícias para uma geração participativa de conhecimento que alimente e estimule a iniciativa das famílias agricultoras. O enfoque metodológico aqui mencionado foi implementado através de vários instrumentos descritos brevemente a seguir.
O SISTEMA DE PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO
Para o PDHC, as atividades de assessoria técnica devem ser planejadas, desenhadas, implementadas e avaliadas de forma participativa, junto com os principais interessados/beneficiários. Essa abordagem busca inverter a lógica de Ater convencional, fazendo com que a assessoria deixe de ser movida pela oferta de inovações e passe a ser mais orientada pela demanda vinda da realidade das famílias agricultoras. Quando se inicia um trabalho em uma comunidade ou assentamento, o primeiro passo é a realização de um Diagnóstico Rápido e Participativo (DRP). A partir dele, deve-se construir um plano de trabalho para o primeiro ano. Nos anos subsequentes, renova-se o processo de planejamento, com a elaboração de novos planos de trabalho, que passam a fazer parte dos contratos entre o PDHC e as parceiras de Ater (SIDERSKY; JALFIM; RUFINO, 2010). Esse processo promoveu uma dinâmica educativa recíproca, com base no diálogo, na transparência, na proximidade e no compromisso entre as famílias camponesas envolvidas, a assessoria técnica, as organizações não governamentais, os movimentos sociais e sindicais e os diferentes setores governamentais.
GRUPOS DE INTERESSE
Embora a agricultura familiar se caracterize pela pluriatividade, é comum que um ou mais tipos de atividade produtiva ganhem destaque nas estratégias econômicas das famílias. É nesse contexto que a formação e/ou fortalecimento de grupos de interesse em torno dessa atividade principal mostrou ser uma metodologia importante para reforçar a organização dos agricultores familiares nos âmbitos de comunidade/assentamento, município e território, de modo que os problemas e oportunidades comuns sejam trata- dos de forma articulada. O segredo da motivação pela articulação reside justa- mente na afinidade temática. O grupo de interesse tem uma natureza informal, funcionando como um espaço de articulação, onde se definem estratégias e se realiza o planejamento de ações concretas para a condução de uma atividade produtiva importante para todos os participantes. Isto possibilita, por exemplo, que um grupo de interesse de criadores de caprinos de um território tenha mais agilidade e eficácia na forma como se relaciona com o mercado.
INTERCÂMBIOS ENTRE AGRICULTORES FAMILIARES
Para melhorar o desempenho da lavoura ou da criação, resolver um problema ou desenvolver novas atividades produtivas, frequentemente é preciso contar com ideias, informações e conhecimentos novos. Nesse sentido, a visita de intercâmbio tem se mostrado um instrumento bastante útil. Trata-se de organizar o deslocamento de um grupo de agricultores para visitar um agricultor ou outro grupo (comunidade, assentamento, associação, etc.). Assim, nesse tipo de evento, a principal fonte de informação, ideias, conhecimentos, etc. para o grupo demandante são os pares (INCRA, 2010). O intercâmbio é, portanto, uma valiosa ferramenta que permite, de maneira interativa e espontânea, comparar experiências e em muitos casos superar obstáculos que comprometem sua evolução, contribuindo para enriquecer as atividades educativas e promover a mudança de paradigmas no processo de desenvolvimento de áreas de assentamento e comunidades de agricultura familiar.
Sempre que possível, os intercâmbios entre agricultores devem priorizar visitas a experiências já consolidadas. Isso significa levar em conta práticas e métodos que já passaram por processos de seleção e adaptação às condições locais. Um fator decisivo para o êxito da metodologia é que as apresentações sejam feitas pelos próprios agricultores familiares que, na sua rotina diária, utilizam ou praticam a experiência que vai ser abordada. Entre 2002 e 2009, o PDHC organizou mais de 180 visitas de intercâmbio, envolvendo 3.800 agricultores de diversas comunidades (FIDA, 2010), números que mostram o peso dessa estratégia nos processos de aprendizagem.
EXPERIMENTAÇÃO E PROJETOS DE PESQUISA PARTICIPATIVA
Para o PDHC, a experimentação e a pesquisa participativa se constituíram em ferramentas muito importantes, permitindo que as famílias envolvidas se tornem agentes multiplicadores permanentes de conhecimentos. De fato, a experimentação coletiva pode ser um excelente recurso para organizar a ação de Ater, ao propiciar o desenvolvimento participativo de soluções para problemáticas levantadas. A experiência do projeto mostra que a participação ativa de agricultores e agricultoras favorece um processo mais seguro de ajuste de propostas técnicas e organizacionais às condições locais. O sentido da experimentação como ferramenta de assessoria é, em última instância, o de gerar informação para ajudar na avaliação das novidades, alimentando o processo de reflexão crítica que estimula o aprendizado e que, como vimos, deve caracterizar todo o processo de assessoria (PINON, 1994). A prática de pesquisa participativa conduz não só ao uso de tecnologias melhora- das, mas também ao fortalecimento institucional e ao aumento da capacidade da comunidade para solucionar seus próprios problemas e desenvolver sua autonomia e autoestima. Isso ocorre porque, ao experimentarem e refletirem sobre seus problemas, as famílias agricultoras camponesas buscam soluções e valorizam formas organizadas e solidárias de trabalho, desenvolvendo suas capacidades para além dos aspectos técnicos.
Para estimular essa geração participativa de conhecimento, o PDHC financiou instrumentos denominados
Unidades Demonstrativas (UDs), que permitiram às famílias incorporarem no- vos conhecimentos, novas práticas e inovações aos seus saberes. Ao todo, entre 2004 e 2009, foram implantadas 372 UDs, com a participação de 3.653 famílias.
FUNDO DE INVESTIMENTO SOCIAL E PRODUTIVO (FISP)
O objetivo original da criação do Fisp era efetuar investimentos não reembolsáveis visando à melhoria das condições de vida das famílias por meio do financiamento de iniciativas produtivas e sociais conduzidas por associações comunitárias.
No entanto, os primeiros diagnósticos realizados no âmbito do PDHC nos assentamentos de reforma agrária demonstraram um alto índice de inadimplência no crédito rural, especialmente no Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf). Diante desse quadro, o projeto percebeu que o propósito do fundo teria que ir muito além do objetivo inicial. Os esforços se voltaram então para torná-lo um forte instrumento de capacitação das famílias e das equipes de assessoria técnica em processos participativos de elaboração e gestão de projetos produtivos e sociais (Fisp, Pronaf, entre outros), bem como em estratégias para alavancar outras fontes de financiamento que não as habituais de crédito.
Para tanto, foi realizada a capacitação permanente de técnicos, mobilizadores sociais e representantes das comunidades e assentamentos, com a perspectiva de criar uma nova cultura de elaboração de projetos produtivos e sociais, cuja premissa básica é fazer com que as pessoas aprendam a formular ideias, trocar saberes, participar e permitir que outros também participem (BUNCH, 1995). Constatou-se que essa metodologia amadureceu a reflexão sobre aspectos indispensáveis para o projeto, como a sua gestão, mas também ampliou a autoestima das famílias, bem como o seu domínio e motivação em relação ao projeto (PDHC, 2006).
Nesse sentido, além de contribuir diretamente com seus recursos para a melhoria das condições de vida de 11.727 famílias (entre 2002 e 2009) nas dimensões social, cultural, econômica e ambiental, o Fisp foi um instrumento fundamental para o acesso qualificado às diversas políticas públicas voltadas para a agricultura familiar no Brasil.
A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS NA PRÁTICA: O EXEMPLO DOS CONSÓRCIOS AGROECOLÓGICOS
Para se ter uma melhor ideia de como o arranjo institucional e os instrumentos metodológicos se combinaram para gerar conhecimentos e práticas agroecológicas, apresentamos um exemplo em que pesquisadores, extensionistas e agricultores, cada um com diferentes aportes de conhecimento, atuaram de forma integrada e horizontal.
A PRODUÇÃO DE ALGODÃO E ALIMENTOS EM CONSÓRCIOS AGROECOLÓGICOS
O roçado de sequeiro é um elemento muito importante nos sistemas produtivos familiares da região semiárida nordestina. Ele produz alimento (milho e feijão) e forragem para o rebanho. Até pouco tempo atrás, o algodão integrava esse roçado e era uma fonte de renda de primeira ordem para as famílias. Porém, a partir da década de 1970, entrou em crise por motivos econômicos (preço). Nos anos 1980, a chegada da praga do bicudo foi a gota d’água, e o algodão praticamente desapareceu dos roçados familiares.
Houve diversas tentativas de revitalização da cultura do algodão no Nordeste com técnicas convencionais (principal- mente a aplicação de agrotóxicos para o controle do bicudo), mas elas foram pouco eficazes. Algumas entidades decidiram então desenvolver uma proposta agroecológica para a produção de algodão. Esse trabalho nasceu no Ceará no início da década de 1990 e mais tarde foi se expandindo para outros estados da região.
Em 2008, o PDHC procurou o Esplar e a Embrapa Algodão para firmar uma parceria com o objetivo de abordar o tema do algodão agroecológico nos territórios de abrangência do Projeto. Essa iniciativa começou a ser levada a campo nos territórios de atuação do PDHC no início de 2009, quando aproximadamente 130 famílias de cinco territórios plantaram os roçados consorciados de algodão agroecológico. Em 2010, houve uma expansão considerável da iniciativa: 500 famílias dos mesmos cinco territórios passaram a adotar a proposta do consórcio do algodão agroecológico. Em 2013, esse número praticamente dobrou, chegando a cerca de mil famílias.
A PROPOSTA TÉCNICA
Do ponto de vista técnico, o consórcio agroecológico in- corpora diversos conhecimentos gerados pelos centros de pesquisa sobre o tema da convivência com o bicudo, tais como o ajuste da data do plantio, a catação dos botões florais e a destruição dos restos culturais do ciclo anterior. Mas a proposta é, de fato, mais ampla e completa. Para começar, propõe a volta do consórcio propriamente dito, uma vez que a prática corrente em muitas comunidades do Semiárido é a do plantio solteiro, seja do algodão ou de outras culturas. Além disso, a proposta do consórcio recomenda outras práticas, como a fertilização orgânica, conservação e recuperação dos recursos naturais, principalmente o solo e a biodiversidade local. Em síntese, o consórcio agroecológico propõe uma reflexão mais geral sobre o roçado de sequeiro da agricultura familiar no Semiárido nordestino, buscando fazer com que se torne mais intensivo, em contraposição a práticas culturais como o roçado de toco em áreas brocadas e queimadas.
A FORMAÇÃO POR MEIO DA EXPERIMENTAÇÃO E DA PRÁTICA
O PDHC, a Embrapa Algodão, o Esplar e representantes das famílias envolvidas na implementação da proposta dos consórcios agroecológicos desenvolveram em conjunto um processo de formação baseado na experimentação e na prática participativa. A formação acompanha todas as etapas do consórcio (do preparo da terra até a comercialização) de maneira essencialmente prática. As soluções para a superação de entraves na implementação das práticas de manejo do consórcio, a exemplo do plantio em curva de nível, são apoiadas técnica e metodologicamente pelo PDHC e pelas parceiras de assessoria técnica. A parte da formação que aborda a estratégia de manejo dos consórcios ocorre no campo, em uma área de consórcio tomada como referência no território. Cabe ao assessor de formação da Embrapa Algodão ou do Esplar a facilitação da formação territorial, que conta também com o suporte de agricultores mais experientes e técnicos da assessoria local e com a supervisão do PDHC. Essas atividades de formação estão divididas em seis módulos e tratam de temas focados nas demandas reais de cada período do processo, desde a implantação dos consórcios até a comercialização.
Já nos primeiros anos, os agricultores demonstraram ter um domínio considerável das práticas de plantio e manejo dos consórcios. O controle ecológico da principal praga do algodão, o bicudo, é um bom indicador de avanço na retomada dessa cultura. Outro indicador importante é a produtividade média dos consórcios, que em 2011 alcançou 1.058 quilos (de grãos mais o algodão em rama – pluma e caroço) por hectare.
ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ACESSO AOS MERCADOS
Desde o início, o trabalho teve como um de seus objetivos centrais o fortalecimento dos grupos locais, sobretudo por meio da participação das famílias agricultoras nos espaços de gestão colegiada. Procura-se organizar essa participação em dois níveis: o local (grupo de interesse/ associação da comunidade ou do assentamento) e o territorial. Para tanto, em 2011 foi criado, em cada território, um Grupo de Gestão Territorial (GGT), que é composto por dois representantes de cada um dos grupos locais e conta com assessoria de técnicos das entidades de Ater, mobilizadores sociais, técnicos da Embrapa Algodão, do Esplar e do PDHC. Assim, temas de interesse territorial, como o descaroçamento, a logística de armazenamento, a certificação orgânica e a comercialização, passaram a fazer parte das responsabilidades do GGT.
Em 2012, a prioridade do projeto foi o fortalecimento desses GGTs. Buscando aprimorar a gestão coletiva territorial, diversos eventos de formação foram promovidos não mais pelo Esplar ou pela Embrapa Algodão, como em anos anteriores, mas por organizações sociais dos agricultores e pelas entidades de assessoria técnica. Essas organizações também são responsáveis pelo processo de descaroçamento do algodão (separação da pluma do caroço), que permite uma agregação de valor interessante.
As empresas compradoras do algodão passaram a exigir um selo de certificação. Esse requisito tem se tornado um desafio a mais para a organização das famílias envolvidas com a produção de algodão. Até 2011, os produtores de algodão agroecológico nordestinos utilizaram a certificação por auditoria. Nas áreas atendidas pelo PDHC, a entidade certificadora era a Associação de Certificação Instituto Biodinâmico (IBD Certificações). Entretanto, já a partir de 2010, foi implantado o Sistema de Controle Interno (SCI), que coleta dados para verificação pelo próprio grupo. Esses registros eram depois auditados pela entidade certificadora externa, no caso, o IBD, mas só esse item (a existência do SCI) já significou uma redução do custo na certificação.
Porém, no esquema de certificação por auditoria com SCI, a emissão do selo continua sendo feita pela empresa certificadora. Avaliou-se então que seria interessante avançar mais para ampliar a autonomia dos agricultores e reduzir os custos. Para tanto, ficou decidido que seria implantado um Sistema Participativo de Garantia (SPG).
Em 2013 o conjunto de famílias que participam dos consórcios está com seus SPGs em fase de credenciamento no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que, por sua vez, tem participado ativamente na reta final de ajustes e amadurecimento antes da auditoria de credenciamento. No Brasil, existem atualmente quatro Organismos Participativos de Avaliação de Conformidade (Opac) credenciados. Somando-se os 10 das áreas dos consórcios que estão em fase de credenciamento, esse número passará para 14 Opacs.
PRINCIPAIS APRENDIZADOS
O enfoque agroecológico adotado pelo Projeto Dom Helder Camara, centrado na geração participativa de conhecimentos sobre o manejo de agroecossistemas na perspectiva da convivência com o Semiárido e, ao mesmo tempo, experimentando novos modelos de relação entre Estado e sociedade civil, proporcionou uma rica experiência junto à agricultura familiar da região e nos permite res- saltar alguns aprendizados.
Em primeiro lugar, constatou-se que a efetiva participação das famílias agricultoras em todas as etapas do projeto, junto com outros atores governamentais e não governamentais, especialmente nos processos de planejamento, execução, monitoramento e avaliação, é condição fundamental para que as mesmas se apropriem das ações de maneira mais democrática e transparente. Essa participação leva às famílias uma nova cultura educativa de elaboração, gestão e controle social sobre as políticas públicas de desenvolvimento territorial.
Observou-se também que a concepção e a prática de um serviço de assessoria técnica baseado na Agroecologia, destacando metodologias participativas e um arranjo territorial integrado, constituem uma forma eficaz de geração de conhecimento, empoderamento das famílias e troca de sabe- res entre técnicos e famílias agricultoras e entre estas e suas organizações representativas.
Por fim, é possível concluir que a implementação de um processo territorial de desenvolvimento rural, caracterizado por valorizar o conhecimento local e fomento à capacidade de experimentação dos agricultores familiares, não significa um afastamento do conhecimento científico e das instituições de pesquisa. Ao contrário, no caso do PDHC, verificaram-se resultados mais significativos, em termos de impactos socioeconômicos e ambientais para as famílias, onde ocorreu maior sinergia entre agricultores familiares, extensionistas e pesquisadores. Nessa perspectiva, pode-se dizer que o Projeto Dom Helder Camara respondeu de maneira positiva às oportunidades de colaboração com famílias agricultoras e organizações de pesquisa e extensão.
Felipe Jalfim
Coordenador de Planejamento do PDHC
[email protected]
Pablo Sidersky
Consultor do Fida e assessor da Coordenação Nacional do Programa de Ates (Incra)
[email protected]
Espedito Rufino
Diretor do PDHC
[email protected]
Fabio Santiago
Coordenador Técnico do PDHC
[email protected]
Ricardo Blackburn
Consultor do PDHC
[email protected]
Referências Bibliográficas:
BUNCH, R. Duas espigas de milho: uma proposta de desenvolvimento agrícola participativo. Rio de Janeiro: AS-PTA; Rio Branco: Pesacre, 1995. 220 p.
FIDA. O Projeto de Desenvolvimento Sustentável para Assentamentos de Reforma Agrária no Semiárido do Nordeste – O Projeto Dom Helder Câmara. Avaliação da 1ª Fase. FIDA, 2010. 74p. Disponível em: < http://www. projetodomhelder.gov.br/site/images/PDHC/Avaliacao_FIDA/PDHC_Project_Evaluation_final_portugues.pdf > Acesso em: 30 set. 2013.
HOCDÉ, H. Locos pero no insensatos. San José, Costa Rica: Programa Regional de Reforzamiento a la Investigación Agronómica sobre los Granos en América Central (Priag), Instituto Interamericano de Cooperación Agrícola (IICA), 1997. 29 p.
INCRA. Referenciais metodológicos para o Programa de ATES. Brasília, DF: INCRA/MDA, 2010. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/portal/arquivos/projetos_pro- gramas/port_01_dd_ates.pdf>. Acesso em: 30 set. 2013.
PDHC. Manual para elaboração de projetos FISP. Recife: Fida; Projeto Dom Helder Camara; MDA, 2006.
PINON, J. Situación y perspectivas de la experimentación campesina con grupos de productores en Centro América. Montpellier: Cirad-SAR, 1994. 25 p.
SIDERSKY, P.; JALFIM, F.; RUFINO, E. A estratégia de assessoria técnica do Projeto Dom Helder Camara. 2. ed. Recife: Projeto Dom Helder Camara, 2010.
SUMBERG, J.; OKALI, C. Farmers’ Experiments: Creating Local Knowledge. Boulder; London: Lynne Reinner Publishers, 1997.
Baixe o artigo completo:
Revista V10N3 – Geração do conhecimento agroecológico a partir da interação entre atores: a experiência do Projeto Dom Helder Camara