Emanuel Mendonça Sobrinho
O Projeto Juventude e Participação Social (PJPS) teve início em março de 2004, nas microrregiões do Sisal e Vale do Jacuípe, semi-árido baiano, com o objetivo de incentivar e apoiar um processo de organização e participação social da juventude e visando a elaboração e defesa de políticas públicas setoriais.
Embora algumas entidades locais (sindicatos de trabalhadores rurais (STRs), associações comunitárias, igrejas) desenvolvessem atividades para os jovens – palestras, seminários, encontros etc –, não havia uma concepção de trabalho voltada para a formação da identidade política juvenil. Foi por essa razão que o Movimento de Organização Comunitária (MOC), em parceria com outras entidades regionais e de apoio (Unicef, Disop-Brasil, Agência de Desenvolvimento Solidário/ADS-CUT, Pólos Sindicais do Sisal e Jacuípe, Centro de Apoio aos Interesses Comunitários e Cooperjovens), resolveu apostar numa dimensão inovadora.
ÁREA DE ABRANGÊNCIA E DESAFIOS APRESENTADOS
A área de abrangência do PJPS envolve 22 municípios, com predominância de economia agrícola, pouca oportunidade de geração de emprego local e os principais índices de pobreza indicando um alto nível de desigualdade social e concentração de renda e da terra.
Os principais desafios relacionados à juventude rural da região dizem respeito:
- à falta de experiência de organização social para se auto-representar politicamente;
- à falta de conhecimento da realidade e de inserção nos processos sociais em curso nas duas microrregiões – a partir das entidades representativas da sociedade civil (STRs, associações comunitárias, cooperativas, movimento de mulheres, grupos etc.) – e nos espaços institucionalizados (conselhos gestores municipais e Conselho Regional de Desenvolvimento, Codes), espaços estes de discussão e definição das políticas setoriais;
- à falta de acesso a processos educativos – formais e não-formais – que promovessem a construção de percepções críticas a respeito da realidade do semi-árido e seus limites, e potencialidades econômica, social, política, cultural e ambiental; e
- ao desconhecimento – sobretudo por parte dos próprios jovens – de alternativas e experiências geradoras de trabalho e renda, com e para a juventude, no contexto da agricultura familiar semi-árida.
Foi esse cenário regional, entre outros aspectos, que determinou a opção institucional do MOC de desenvolver um trabalho com jovens com idade média entre 16 a 29 anos, residentes na zona rural. Cerca de 30% deles já têm o ensino médio completo, enquanto a maioria ainda o está cursando. Esses jovens são filhos de agricultores familiares, de baixa renda, que possuem pequenas unidades produtivas (em média 12 tarefas, ou seja, 5 hectares) e, em sua maioria, sem acesso à assistência técnica e crédito rural, bem como sem oportunidades de qualificação técnica.
ORGANIZAÇÃO E CONCEPÇÃO DO PROJETO
Cerca de 550 jovens organizados participam do projeto através de 22 coletivos municipais de jovens que estabelecem parcerias com as entidades da sociedade civil local, sobretudo com os STRs. Há, ainda, um coletivo regional, composto de representações juvenis municipais, que funciona como espaço para planejamento, avaliação e monitoramento das ações, estimula a troca de saberes e intercâmbio de experiências e encaminha processos políticos articulados.
A proposta político-pedagógica que vem sendo implementada está voltada para o empoderamento político dos jovens para a convivência com o semi-árido, visando sobretudo a geração de trabalho e renda a partir do fortalecimento da agricultura familiar. Para tanto, foram realizadas diversas ações estratégicas, entre as quais o estabelecimento de conselhos gestores e programas de apoio à juventude; encontros mensais municipais, sub-regionais e interestaduais para troca de experiências; planejamento e avaliação das ações juvenis; oficinas de capacitação temática na área da auto-gestão e convivência com o semi-árido; além de visitas a experiências de trabalho com jovens.
OS DESDOBRAMENTOS
No transcurso da experiência, é possível identificar uma maior percepção e atuação da juventude quanto aos limites e às potencialidades da agricultura familiar. Concretamente, estão em curso algumas iniciativas incipientes de hortas comunitárias com princípios agroecológicos, desenvolvidas pelos coletivos de jovens, por meio de parcerias com entidades locais (STRs, igrejas e associações comunitárias), assim como a elaboração de projetos para captação de recursos para o desenvolvimento de atividades como os criatórios de cabras e de abelhas. Em outra dimensão, os jovens vêm ocupando espaços político-institucionais – conselhos municipais de desenvolvimento rural sustentável (CMDRs) e o Conselho Regional de Desenvolvimento – de discussão e negociação de políticas voltadas para a criação e valorização de oportunidades geradoras de trabalho e renda na agricultura familiar, em particular para a juventude rural.
A realização, durante o período eleitoral, de debates públicos com candidatos a prefeito e a vereador para definir compromissos nos planos de governo com o segmento juvenil do campo e a participação social de jovens nas iniciativas locais e regionais dos movimentos sociais são conquistas relevantes da organização e atuação dos coletivos de jovens.
A negociação e a implementação de projetos juvenis voltados para o fortalecimento da participação dos jovens na agricultura familiar semi-árida são outros aspectos a serem ressaltados. Junto aos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Trabalho e Emprego, tem-se um plano de trabalho das regiões Sisal e Vale do Jacuípe para qualificação e inserção profissional de 330 jovens, por meio do Consórcio Nacional da Juventude Rural. Em parceria com a Fundação Banco do Brasil e o Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, os coletivos de jovens serão qualificados para estruturar e gerenciar um fundo rotativo de caprinos, em que serão identificados e capacitados 220 jovens rurais para atuarem na área de caprino-ovinocultura.
Outra atuação estratégica dos coletivos municipais de jovens aponta para o trabalho junto às secretarias e departamentos de jovens dos STRs e Pólos Sindicais do Sisal e Jacuípe, com vistas ao fortalecimento da participação juvenil também no movimento sindical, bem como na identificação e mobilização para o acesso ao crédito rural nas linhas do Pronaf Jovem, visando à implementação de projetos produtivos comunitários.
A experiência do PJPS vem desafiando a juventude rural, o MOC e entidades parceiras a refletirem sobre os caminhos e alternativas para geração de trabalho e renda para jovens na agricultura familiar, no contexto do semi-árido. Assim, é imprescindível ter como princípio estratégico a qualificação de jovens voltada para a formação e o fortalecimento de espaços de organização social, em uma dimensão de autonomia e identidade política juvenil, na atuação e no acesso às políticas públicas setoriais.
Emanuel Mendonça Sobrinho
técnico do Programa de Juventude do MOC.
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Revista V2N1 – Juventude e fortalecimento da agricultura familiar no semi-árido da Bahia