Carlos H. Ávila Bello, Santo Franco Duarte, Julieta María Jaloma Cruz, Martina Martínez Martínez e Luis F. Zetina Martínez
Desde abril de 2004, uma equipe interdisciplinar constituída por professores e estudantes da Universidade Veracruzana (especialistas em agroecologia, trabalho social, biologia, desenho gráfico, agronomia e vida silvestre) iniciou um projeto de pesquisa sobre a diversidade biológica dos cafezais em áreas marginais. O projeto se desenvolveu na comunidade de Ocotal Chico, no município de Soteapan, Veracruz, dentro da área que compreende a Reserva da Biosfera dos Tuxtlas (Figura 1). A pesquisa foi desenvolvida em resposta à complexa problemática de marginalização da comunidade, onde interagem fatores ambientais, econômicos, políticos, sociais e culturais, exercendo pressão sobre os produtores e os recursos naturais.
A cafeicultura mexicana tem sido seriamente afetada pela permanente e contínua queda dos preços internacionais do café. A conseqüência é uma significativa perda do poder aquisitivo dos pequenos produtores, abandono parcial ou total de muitos cafezais ou em sua transformação em pastagens; migração constante para o norte do país e os Estados Unidos; e uma oportunidade para aqueles que financiam ou promovem os cultivos ilegais. No México, a província de Veracruz ocupa o segundo lugar na produção de café em termos de volume de produção e do número de produtores, ficando atrás apenas de Chiapas.
Em torno de 30% da área dedicada à produção de café em Veracruz estão localizados entre 300 e 800 metros acima do nível do mar. Essas áreas são consideradas marginais para a produção de café. Por isso, apresentam baixos rendimentos e baixa qualidade do produto. Essa é a situação em que vive a cafeicultura de Ocotal Chico. Ela carece de processos adequados de manejo produtivo, processamento e comercialização. Ocotal Chico tem um pouco mais de 900 habitantes, que pertencem ao grupo étnico popoluca (descendentes dos olmecas). A maior parte da sua população tem baixo nível educacional; os adultos chegam, em média, até o segundo ano do ensino básico, mas a maioria dos habitantes não sabe ler, nem escrever. A comunidade tem área de 1.354 hectares, dos quais 1.100 são ocupados por propriedades rurais, 220 são usados coletivamente e 24 para as moradias. Como em outras comunidades da região, os habitantes de Ocotal Chico se dedicam basicamente ao cultivo do milho e do café. O milho é usado para consumo próprio e o café, para a comercialização. Esse sistema vem sendo adotado desde a década de 1930, com o apoio técnico e econômico de diferentes instituições governamentais.
PESQUISA PARTICIPATIVA: MUDANÇA DA REALIDADE
O trabalho realizado em Ocotal Chico tem como objetivo promover a conscientização sobre os problemas sociais e a busca por transformações positivas, por meio de processos de fortalecimento e autogestão coletiva, a fim de alcançar uma melhor qualidade de vida e um uso mais sustentável dos recursos naturais. O projeto se fundamenta nos princípios da Agroecologia, na teoria de sistemas, na sustentabilidade e na pesquisa-ação participativa
(García B., 2000; Gliessman, 2003). Com essa concepção, realizou-se oficinas, nas quais os produtores interessados, homens e mulheres de diferentes idades, contribuíram com seus conhecimentos, reflexões e propostas.
Nesse processo, foi fundamental a intervenção do estudante popoluca Santo Franco Duarte como agente animador. Ele é nativo de Soteapan, possui o domínio da língua local e grande conhecimento da região, o que favoreceu uma maior confiança e participação por parte dos produtores.
A partir das oficinas e das diferentes técnicas grupais aplicadas, foi possível aprofundar alguns conhecimentos e práticas comunitárias, como, por exemplo, o calendário agrícola, as plantas úteis da horta caseira, da “milpa”, como também aquelas colhidas nos diferentes tipos de vegetação local; o funcionamento dos sistemas de produção (café e milho); e as formas de organização do grupo de produtores e os problemas que estes enfrentam para comercializar seu café (Figura 2).
NOVAS LINHAS DE PESQUISA
Do projeto original, surgiu a necessidade de estudar o uso dos recursos naturais de maneira integral, na busca pelo desenvolvimento sustentável da comunidade e pelo trabalho familiar e coletivo. A complexidade do sistema nos obrigou a traçar novas linhas de pesquisa relacionadas com:
a) o estudo dos cafezais, com a finalidade de entender seus funcionamentos, seus componentes e os pontos críticos no processo de produção;
b) o estudo da “milpa”, com o objetivo de conhecer o sistema de produção do milho, caracterizar as variedades cultivadas (preto, amarelo, branco e vermelho) e conhecer a diversidade biológica atual e seus usos (Figura 3);
c) pesquisa sobre o controle biológico de pragas, como a “cigarrinha” (Aeneolamia spp.) no cultivo de milho; e
d) pesquisa com os produtores colaboradores sobre o estabelecimento de dois sistemas agro- florestais em curvas de nível: um para o café e outro para o milho.
Além desses estudos, surgiram outros temas a serem pesquisados e que são de fundamental importância para a compreensão da problemática social, tais como as relações inter-pessoais na comunidade, a educação dos adultos e a percepção dos produtores com respeito aos recursos naturais.
RESULTADOS EM DIREÇÃO À SUSTENTABILIDADE
Alguns dos resultados das oficinas, das entrevistas e das visitas a campo nos permitiram conhecer melhor o sistema produtivo e a sua importância para a comunidade (Figura 4). Nesse processo foram propostos indicadores de sustentabilidade relacionados com os pontos críticos positivos e negativos do sistema. Os pontos críticos positivos mais importantes são a alta diversidade biológica que a região possui e a disponibilidade local de insumos. Os negativos incluem um baixo nível de organização (dos 154 produtores, somente 30 estão organizados e, mesmo assim, a falta de solidariedade entre eles é um denominador comum); grande presença de minifúndios (extensão reduzida das áreas); falta de manejo da broca do café (Hypothenemus hampei); pouco emprego de práticas de manejo como, por exemplo, as podas; renda insignificante proveniente do manejo de outras espécies que não o café; dependência do mercado internacional; e total ausência de processos de autogestão.
Alguns produtores demonstraram interesse pela conservação e diversificação dos seus sistemas de produção, como Barnabé Matías González e Hermenegildo Mateo González, que cederam parte de suas propriedades para estabelecer dois sistemas agroflorestais: o primeiro com café e o segundo com milho (Figura 5).
As inovações que foram discutidas e planejadas junto com esses produtores são as seguintes: no primeiro caso, traçar curvas de nível para o plantio de ervilha (Pisum sativum); no extrato arbóreo superior, o plantio de espécies nativas madeiráveis, como o cambará (Vochysia hondurensis) e o louro-freijó (Cordia alliodora), e no extrato arbóreo inferior, o plantio de árvores frutíferas enxertadas como o sapoti (Manilkara zapota) e a graviola (Annona muricata), assim como da laranja (Citrus sinensis) e da banana (Musa spp.). Já no espaço entre as curvas de nível, o cultivo de café (Coffea arabica var. Garnica) no extrato arbustivo e o amendoim forrageiro (Arachis pintoi) no extrato herbáceo, este último com a finalidade de proteger o solo da erosão e como fonte principal de nitrogênio. Também foi cultivada a palmeira camedórea (Chamaedorea sp.) no extrato herbáceo.
No segundo caso, nas curvas de nível, onde se semeou a ervilha, se planejou também cultivar abacaxi, introduzir as árvores frutíferas mencionadas anteriormente e cultivar o milho no espaço entre as curvas de nível.
EDUCAÇÃO PARA OS ADULTOS
Entre as estratégias para conseguir a transformação social e melhorar as condições de vida, estão a educação e o desenvolvimento humano. Por meio de entrevistas domiciliares, que tinha como finalidade conhecer os interesses e as necessidades de capacitação da população, foram identificados os desejos de estudar e de obter os documentos que comprovem a educação básica, o que aumentam suas oportunidades de trabalho. Paralelamente às atividades realizadas com os produtores em diferentes linhas pesquisa, os homens e mulheres interessados iniciaram aulas de alfabetização e de educação primária e secundária (Figura 6). A metodologia aplicada foi o “modelo educativo para a vida e o trabalho” do Instituto Nacional para Educação de Adultos (INEA). Esse modelo faz com que os adultos que participam do processo de alfabetização e educação “captem” conhecimentos por meio da reflexão das condições de vida em seu próprio contexto, buscando respostas aos desafios que aparecem e integrando ativamente essas respostas ao processo de mudança e de crescimento pessoal. O projeto de educação teve início com um grupo de 33 pessoas, das quais 26 são mulheres, que têm mostrado maior interesse e perseverança nos estudos. Ainda que o avanço seja lento e o grupo, flutuante – além de enfrentar também problemas logísticos –, o trabalho continuará enquanto existir o compromisso e a dedicação das pessoas por sua preparação e crescimento.
CONCLUSÕES
O projeto de pesquisa participativa tem favorecido o estabelecimento de uma relação horizontal com os habitantes da comunidade de Ocotal Chico, assim como de novas linhas de pesquisa encaminhadas a partir da conformação de uma equipe interdisciplinar.
A vinculação do projeto com um processo educativo local, identificado como uma necessidade da própria comunidade, permite que o alcance das iniciativas extrapole as questões produtivas passando a exercer papel positivo também sobre as relações sociais, a autoestima e o empoderamento local.
Por outro lado, a participação concreta dos agricultores tem sido reduzida até o momento, pois 70% da renda das famílias da comunidade provêm de programas assistencialistas do governo, o que gera uma certa passividade e dificulta bastante a organização de processos coletivos autogestionáveis.
É necessário mencionar, no entanto, que o projeto se encontra apenas em sua fase inicial. A relação entre seus participantes começa a se consolidar e os resultados dos experimentos já chamam a atenção de outros agricultores ainda não plenamente envolvidos.
A equipe de pesquisadores planeja realizar estudos mais detalhados sobre biodiversidade e práticas de fitoterapia e alimentação com base no uso das espécies cultivadas nos quintais. Um dos objetivos desses novos estudos é o de desenvolver ações capazes de mobilizar as mulheres da comunidade nos processos de inovação em curso.
Carlos H. Ávila Bello
[email protected]; [email protected]
Santo Franco Duarte
Julieta María Jaloma Cruz
Marina Martínez Martínez
Luis F. Zetina Martínez
professores da Universidade Veracruzana
Referências Bibliográficas
GARCÍA B., R.. Conceptos básicos para el estúdio de sistemas complejos. In: LEFF, E. (Coord.). Los problemas del conocimiento y la perspectiva ambiental del desarrollo. Segunda edición. Siglo Veintiuno. México, D. F., 2000. p. 381-409.
GLIESSMAN, S. R. Agroecología. Procesos ecológicos en agricultura sostenible. CATIE. Universidad Autónoma de Yucatán. GTZ. PROTROPICO. University of Southern California. Turrialba, Costa Rica, 2002. 359 pp.
SIEMMENS, A. H. Los paisajes. In: GUEVARA, S.; J. LAVORDE D. & G. SÁNCHEZ-RÍOS (Ed.). Los Tuxtlas. El paisaje de la sierra. Instituto de Ecología. Unión Europea. Xalpa, Veracruz, México, 2004. p. 41-59.
Baixe o artigo completo:
Revista V3N4 – Pesquisa participativa em cafezais de Veracruz, México: avanços na busca da sustentabilidade