Greet Goverde-Lips, Janneke Bruil e Henk Renting
Iniciativas de comercialização baseadas em circuitos curtos entre agricultores e consumidores estão ganhando terreno na Holanda, um país com um sistema alimentar altamente industrializado. Em busca de alimentos ecológicos, saudáveis e frescos, os consumidores urbanos estão criando canais inovadores que apoiam os produtores de alimentos orgânicos.
Há cada vez mais cidadãos holandeses preocupados com os alimentos que consomem. Eles estão apreensivos com os efeitos dos aditivos que mantêm a comida fresca e apresentável por muito tempo e desaprovam a grande quantidade de embalagens, milhas alimentares e desperdício relacionados com a comida vendida nos supermercados. Estão à procura de comida fresca e saudável e querem contribuir com a economia local e a sustentabilidade dos produtores locais.
Os chamados circuitos curtos possibilitam relações mais diretas entre consumidores urbanos e produtores e apontam para novas perspectivas. Os consumidores obtêm alimentos frescos, sazonais e com preços acessíveis, geralmente produzidos de forma agroecológica, enquanto os produtores recebem remuneração mais justa. Vendas diretas eliminam várias etapas da cadeia alimentar holandesa, na qual o poder está concentrado nas mãos de poucos varejistas.
UMA SAÍDA
As vendas diretas representam uma alternativa para os agricultores que lutam para sobreviver frente ao sistema dominante. Os preços das rações animais, sementes e fertilizantes químicos estão aumentando, ao mesmo tempo em que grandes varejistas estão pressionando para baixar os preços pagos aos agricultores. Dessa forma, os produtores se tornam reféns do que se convencionou chamar de corrida ao fundo do poço e acabam recebendo uma pequena fração dos preços pagos pelos consumidores. Isso também os leva a ficar atrelados a uma engrenagem que exige o aumento de escala e a intensificação da produção, obrigando-os a pedir cada vez mais dinheiro emprestado do banco. Incapazes de lidar com tal contexto adverso, um terço dos produtores holandeses abandonou a agricultura entre 2000 e 2013.
Muitos produtores buscam maneiras de sair dessa armadilha. Mas, devido à tendência contínua de aumento de escala no setor agrícola holandês, é preciso contar com uma grande base de clientes para vender os produtos diretamente. Encontrar e manter a clientela requer uma grande quantidade de tempo e esforço. Como resultado, as muitas iniciativas emergentes que facilitam as vendas diretas dos agricultores para os residentes urbanos constituem uma grande transformação nas práticas dos agricultores. Elas representam um novo modelo de gestão agrícola no contexto holandês, que, para os padrões mundiais, é particularmente globalizado. A seguir, apresentamos duas dessas experiências.
GRUPOS DE CONSUMIDORES
Grupos ou coletivos de consumidores que compram alimentos diretamente de agricultores estão surgindo em todo o país. Em Amersfoort, uma jovem chamada Judith Vos criou um coletivo bem-sucedido (www.voedselkollektief.nl) que funciona via Internet: a cada sema- na, os agricultores participantes disponibilizam uma lista dos legumes, frutas e laticínios para que os clientes façam seus pedidos. Os consumidores voluntários buscam os produtos nas propriedades dos agricultores e os levam para uma garagem na cidade, definida como local onde é realizada a triagem dos produtos e onde os consumidores vão buscar seus pedidos. Todos os agricultores estão num raio de 25 km de distância da cidade, reduzindo assim as milhas alimentares. O coletivo começou com 25 pessoas em 2011, mas agora conta com 300 membros, sendo que todos devem contribuir de alguma forma para o bom funcionamento do grupo.
No entanto, não foi fácil organizar o coletivo. Tudo é feito por meio do trabalho voluntário dos membros que, diante do crescimento da iniciativa, passaram a reconsiderar se eles são capazes de suprir a demanda de trabalho. Segundo Judith: Quanto maior você for, mais precisa de coordenação. Para algumas pessoas, isso não é atraente, enquanto para outros é difícil manter o controle de iniciativas mais complexas. Outra questão é o tempo limitado que o local de coleta fica aberto para os consumidores buscarem seus pedidos, apenas um dia e meio por semana. Além disso, Judith declara: É importante ter em mente que o processo coletivo de tomada de decisão é um sistema inclusivo, mas pode ser muito lento!
O próximo passo é estabelecer um ponto de venda que ofereça produtos adicionais, como massas e pães, e abra pelo menos seis dias na semana. Conseguir suficientes clientes para cobrir o custo do aluguel da loja e a remuneração de funcionários é um desafio que exige maior profissionalização da organização. Essa loja nos permitirá atrair novos clientes que talvez considerem o sistema do coletivo inacessível. Mas manteremos o espírito coletivo, já que a loja também pertencerá e será gerida por uma cooperativa de cidadãos urbanos, afirma Judith. Existem algumas poucas dezenas de coletivos espalhados pelo país. Mas como criar um coletivo? Judith aconselha: Apenas comece. Defina o que você quer e como irá realizar o seu projeto. Você aprenderá fazendo. Ela também afirma que é importante lidar com as dificuldades à medida que elas surjam para que aquilo que não esteja funcionando bem seja resolvido.
MUITO MAIS QUE CLIENTES
Na fazenda Veld en Beek (www.veldenbeek.nl), próxima à cidade de Wageningen, as 35 vacas pertencem aos clientes da fazenda, que compraram uma cota de vacas. Na prática, os agricultores trabalham na fazenda e a mantêm funcionando, mas não são os donos do rebanho. Centenas de cidadãos financiaram a compra dos primeiros animais no início da iniciativa, em 1999.
Atualmente, mais de 1.800 membros compram semanalmente leite, iogurte, carne e vegetais por meio de um sistema de pedidos on-line e recolhem os produtos em enormes contêineres refrigerados por onde é possível circular. Esses contêineres estão distribuídos em cinco cidades das redondezas. Cada membro tem uma chave para o contêiner mais próximo. O sistema é baseado em produtos de qualidade, mas, sobre- tudo, na confiança: os membros confiam que os agricultores não vão debitar de suas contas bancárias mais do que os valores acertados, enquanto os agricultores confiam que os membros não vão pegar mais produtos do que o combinado.
Os membros também têm voz ativa nas tomadas de decisão envolvendo os métodos produtivos e futuros desenvolvimentos. Por exemplo, em função da preocupação dos membros, os agricultores se dedicam a aumentar o tempo que os bezerros passam com suas mães. Segundo Kees van Veluw, vice-presidente do conselho da associação: Sabemos que nossos membros apreciam o fato de as vacas pastarem ao ar livre (em vez de estarem confinadas em estábulos) tanto quanto possível. Eles também preferem que os bezerros fiquem com suas mães e que o leite seja produzido sem fertilizantes ou agrotóxicos. Além disso, os chifres das vacas são mantidos, e antibióticos são usados apenas em casos de emergências. Os membros sempre reforçam o quanto esses aspectos são importantes para eles. A fazenda é aberta ao público várias vezes ao ano, mas é também ali que ocorre um encontro anual dos membros, em que diversas questões são discuti- das. Portanto, as pessoas que compram e bebem esse leite orgânico local são muito mais que clientes.
O que garante o sucesso da fazenda Veld en Beek? Para Kees: Veld en Beek tem se beneficiado do novo movimento alimentar na Holanda. As pessoas estão buscando formas locais e transparentes de produção de alimentos e gostam de ter contato com um agricultor de vez em quando. Mas a trajetória da fazenda também foi marcada por desafios. Por exemplo, em meio às normas municipais, foi difícil encontrar espaço e autorização para instalar os contêineres. E, de acordo com Kees, o processo de aprendizado continua: Nós ainda estamos buscando o modelo organizacional que melhor se adapte aos agricultores, investidores e consumidores, os três principais grupos de interesse da fazenda.
CONSTRUINDO POLOS ALIMENTARES
Muitas iniciativas similares têm surgido nos últimos anos, constituindo importantes peças para a construção de um processo de transição para um sistema alimentar holandês mais local, sustentável e resiliente. No entanto, para ser realmente capaz de fazer a diferença e oferecer uma alternativa consistente ao sistema alimentar dominante, é preciso aumentar a escala e melhorar os mecanismos de coordenação. Essa afirmação é especialmente verdadeira na Holanda, onde o caráter centralizado e de larga escala do sistema alimentar torna impossível para os pequenos produtores ganharem espaço no mercado varejista convencional. Isso significa que as formas alternativas têm que operar num mercado com margens de preço muito pequenas e no qual os consumi- dores estão acostumados a fazer compras em mercados próximos e grandes centros comerciais onde podem encontrar tudo o que precisam num só lugar.
Para responder a esses desafios, diferentes iniciativas de circuitos curtos entre produtores e consumidores urbanos estão agora se conectando em escala regional, formando núcleos alimentares regionais com base em cidades. De um lado, esses núcleos conseguem atender o conjunto de demandas dos consumidores e, por outro, agregam produtos de produtores locais e ecológicos de áreas circunvizinhas. Um exemplo em Amsterdã é o chamado Nos Eten (Nossa Comida, em tradução livre), que reúne diversos atores, incluindo a federação ambiental da província, possibilitando a venda de produtos regionais de agricultores, que saem das fazendas diretamente para a mesa do cidadão. Mais iniciativas como essa estão surgindo em outros lugares da Holanda, algumas voltadas a fornecer produtos ecológicos locais a instituições públicas e privadas. Isso oferece uma perspectiva promissora para o que pode vir a ser uma nova fase no desenvolvimento e profissionalização de sistemas alimentares regionalizados na Holanda.
Essas conexões são um aspecto importante do emergente movimento alimentar na Holanda. Quando essas iniciativas ganham mais força, podem em conjunto representar um desafio maior ao sistema dominante.
Greet Goverde-Lips
Secretária da Plataforma Earth-Farmer-Consumer (Terra- -Agricultor-Consumidor, em tradução livre), que reúne organizações agricultoras e defende mais regulações e soberania alimentar na política holandesa e europeia.
www.aardeboerconsument.nl; [email protected]
Janneke Bruil
Responsável pelo Departamento de Advocacy do Ileia
[email protected]
Henk Renting
Fundação Ruaf
[email protected]
Baixe o artigo completo:
Revista V12N2 – Produtores e consumidores construindo novas práticas alimentares