Stephen Taranto e Stefano Padulosi
O turismo comunitário se caracteriza pela criação de empreendimentos de pequeno porte que são desenvolvidos e geridos por uma comunidade local. Essas iniciativas têm como objetivo garantir que boa parte dos benefícios econômicos gerados pelo turismo seja apropriada pelas comunidades locais, em vez de absorvida pelas agências de viagem. Já o agroturismo é uma modalidade que tem como foco a produção e o consumo de gêneros agrícolas produzidos localmente. Exemplos desse modelo de turismo são encontrados em diversos lugares e podem compreender desde a visita a vinícolas na Itália até temporadas em fazendas de comunidades agricultoras nos Andes, onde se pode aprender um pouco sobre quais são os cultivos locais e como são usados.
O agroturismo é um setor em crescimento da economia boliviana. Um rápido levantamento revelou que mais de 30 iniciativas estão tentando seguir essa tendência, prestando um serviço que atrai os visitantes e beneficia as comunidades locais. Em alguns casos, essas atividades estão sendo adotadas na esperança de que concedam maior visibilidade aos sistemas agrícolas andinos e a sua notável agrobiodiversidade, que consiste em diversas espécies vegetais e animais e que é mantida pelas famílias agricultoras. Por meio de estratégias participativas de diversificação e de relação com os mercados de alimentos e de turismo doméstico e internacional, essas iniciativas visam explorar os cultivos nativos para gerar renda.
AGROTURISMO NAS MARGENS DO LAGO TITICACA
Uma parceria entre a Bioversity International, uma instituição de pesquisa sem fins lucrativos que conduz diversos projetos voltados para a criação de alternativas comerciais para as culturas cultivadas na região central dos Andes e a empresa La Paz a Pé (tradução livre de La Paz on Foot) e outras organizações (ver Quadro na pág. 21) foi formada para avaliar e descrever o atual estado de conservação da agrobiodiversidade local e buscar formas de elevar a renda das famílias de uma comunidade do Lago Titicaca por meio do agroturismo. Nosso trabalho começou em Santiago de Okola, uma comunidade situada na margem sudeste do lago, a quase 4 mil metros acima do nível do mar. Santiago de Okola é um vilarejo típico das margens do lago onde vivem cerca de 60 famílias. O lugar tem um grande potencial turístico, pois está apenas a 1,5 hora de barco da Ilha do Sol, o destino turístico mais importante do Lago Titicaca, e somente a 2,5 horas de carro da cidade de La Paz. A comunidade mantém muitas práticas agrícolas tradicionais; os agricultores cultivam batatas e outras culturas andinas, como oca (Oxalis tuberosa ) e quinoa (Chenopodium quinoa). Por essas razões, assim como por suas paisagens exuberantes, a vista do Lago Titicaca e suas lindas praias, a comunidade de origem aimara há muito tempo vem sendo reconhecida como uma destinação turística dos bolivianos.
Em junho de 2006, um grupo de moradores da comunidade criou a Associação Turística de Santiago de Okola. Eles procuraram a La Paz a Pé, que já vinha trazendo turistas para visitar a comunidade. Os membros da associação queriam trocar ideias e discutir formas de melhorar os serviços que a comunidade já vinha prestando e aumentar suas rendas. Praticamente ao mesmo tempo, a Fundação de Promoção e Pesquisa de Produtos Andinos (Proinpa, sigla em espanhol) contatou a La Paz a Pé e pediu que participasse do programa Espécies Negligenciadas e Subutilizadas, financiado pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura (FIDA). Para tanto, a Proinpa solicitou que a empresa ajudasse a identificar um local apropriado para a implementação de um projeto piloto.
Como resultado desse processo, a comunidade Santiago de Okola foi selecionada, por seus atrativos paisagísticos, pela proximidade com outros destinos turísticos e, sobretudo, pelo interesse e comprometimento demonstrados pela população local. A pesquisa por trás do trabalho buscava comprovar que é possível obter benefícios agregados (aumento de renda, conservação do germoplasma, preservação cultural) a partir da agrobiodiversidade local por meio do agroturismo, especialmente quando a infraestrutura e as capacidades humanas são aprimoradas. Desde então, o projeto tem conduzido uma série de atividades, entre elas, a facilitação de visitas de intercâmbio a outros empreendimentos turísticos comunitários na Bolívia e no Equador. Todos os participantes tiveram a oportunidade de ver como outras comunidades têm desenvolvido e gerido suas iniciativas turísticas. Eles também puderam perceber o impacto que o turismo pode ter sobre a renda, o cotidiano e as relações das pessoas na comunidade. Nesse sentido, as visitas têm sido muito ricas, uma vez que têm ajudado os agricultores a aprenderem sobre a gestão de uma iniciativa de turismo, ao invés de apenas sonhar em assumir uma empreitada como essa.
Doze famílias estão participando ativamente do projeto e já disponibilizam quartos com até quatro camas. Cerca de 90 turistas da Europa e dos Estados Unidos visitaram a comunidade em 2008, sendo esperado um número muitas vezes maior para 2009. Os visitantes se hospedaram na casa das próprias famílias, passando algum tempo e compartilhando refeições com os anfitriões. Em geral, o turista participa de um passeio de três horas pela comunidade, que inclui visitas a jardins e hortas caseiras, a parcelas de plantio, à escola da comunidade para depois saborear um almoço tradicional com alimentos produzidos localmente. A Proinpa tem incentivado o desenvolvimento de hortas que sirvam para mostrar a rica agrobiodiversidade da região do Lago Titicaca.
ALGUNS DESAFIOS PERMANECEM NA COMUNIDADE…
Embora a comunidade de Santiago de Okola esteja entusiasmada com seu projeto, ainda há muitos desafios a serem superados. O aprendizado das famílias participantes vem sendo significativo. Por outro lado, o tempo dedicado às atividades agrícolas e domésticas dificultam uma maior dedicação à nova atividade. A falta de previsão e de regularidade da chegada dos turistas também não favorece o investimento de tempo e recursos na melhoria das condições de hospedagem e outros serviços. Além disso, a migração periódica ou permanente revela que as áreas urbanas continuam a atrair muitas pessoas dessas comunidades.
No entanto, o interesse demonstrado pelas famílias participantes é grande, e os técnicos do projeto têm trabalhado junto a todos os membros da comunidade para tornar o projeto sustentável. Prova disso é que estão convidando mais famílias para participar. As famílias também estão investindo recursos pessoais em pequenas melhorias, tais como coletar o lixo em toda a comunidade, pintar quartos e comprar louça e utensílios para uso dos turistas.
Há muitos planos para o futuro. A ideia é criar um museu agrícola comunitário e organizar oficinas para a preparação de pratos exóticos e mais atraentes feitos com cultivos locais. Também começaremos a elaborar os estatutos e regimentos internos das empresas da comunidade e desenvolver uma página na internet (www.santiagodeokola.com), que em breve irá ao ar. Com o apoio da ONG União e Cooperação para o Desenvolvimento dos Povos (Ucodep, sigla em inglês), representantes da iniciativa de agroturismo Runa Tupari, de Cotacachi, no Equador, visitarão Santiago de Okola. Há também uma concentração de esforços para reintroduzir diversas variedades de culturas nativas, tais como cañihua (Chenopodium pallidicaule), bem como novas variedades de batata e quinoa. A expectativa é que essa estratégia diversifique a dieta alimentar dos agricultores e contribua para conservar as tradições agrícolas regionais.
A IMPORTÂNCIA DE ESTRATÉGIAS DE DIVULGAÇÃO
Uma nova e importante parceria na conservação da herança agrícola de comunidades como Santiago de Okola tem sido a cadeia de restaurantes Alexander Coffee. Seus cafés são muito populares entre turistas e bolivianos. Em 2008, com o apoio da Ucodep, da Proinpa e da La Paz a Pé, a Alexander Coffee promoveu uma série de campanhas de conscientização sobre o valor nutricional, cultural e econômico dos três grãos andinos (quinoa, cañihua e amaranto). Esses grãos têm alto valor nutritivo, mas sua produção mal consegue competir com a da farinha, do milho ou de outros produtos associados. Muitas vezes as pessoas não comem os grãos andinos porque são estigmatizados como sendo comida de pobre, um estereótipo difícil de superar. Durante o período de três meses da campanha, foram realizadas diversas atividades. Foram elaborados quatro pratos exóticos utilizando esses grãos (bolinhos de amaranto e salada com quinoa, por exemplo), bem como foram colocados folhetos em mesas e balcões de restaurantes com informações sobre a história, a cultura e o valor nutritivo de cada grão.
Os resultados obtidos entre os consumidores bolivianos têm sido animadores, mostrando o potencial para o aumento do consumo desses grãos. Sabe-se, porém, que os turistas estrangeiros que frequentaram algum estabelecimento da Alexander Coffee e que tenham aprovado o sabor dos grãos andinos podem ter dificuldade em encontrá-los em seus países de origem, por falta de disponibilidade. A ideia, entretanto, é ao menos sensibilizá-los quanto à riqueza da agricultura da região andina, um aspecto geralmente negligenciado por empresas de turismo que operam na região.
A experiência demonstrou que a colaboração entre a iniciativa privada e ONGs possibilita o alcance de um grande número de pessoas com informações importantes que aumentam a conscientização sobre o consumo de cultivos nativos.
Também confirmou que a promoção da agrobiodiversidade local pode ter bons resultados se forem adotadas abordagens inovadoras, práticas, culturalmente sensíveis e atrativas. Além disso, acreditamos na importância do envolvimento das novas gerações, que devem perceber o trabalho com os cultivos e alimentos locais como uma oportunidade de redescobrir suas próprias raízes e tradições de uma forma aprazível.
As parcerias estabelecidas durante o projeto dependem essencialmente da vontade dos agricultores e comunidades locais em continuar utilizando espécies e variedades nativas negligenciadas e subutilizadas. Em Santiago de Okola, os enfoques inovadores centrados na diversificação das economias agrícolas parecem estar funcionando, ainda que em pequena escala. Os coordenadores do projeto estão buscando mais apoios para poder dar continuidade e, se tudo der certo, replicar os resultados positivos verificados até agora. O interesse e comprometimento dos agricultores são fundamentais para o processo e, à medida que forem obtendo sucesso, temos certeza de que esse empenho continuará a crescer, assim como vem ocorrendo com seus cultivos.
Stephen Taranto e Stefano Padulosi
La Paz on Foot, Bolívia
[email protected] – http://www.lapazonfoot.com
Referências Bibliográficas:
MCKENZIE-MOHR, D.; SMITH, W. Fostering sustainable development: an introduction to community-based social marketing. Canadá: New Society Publishers, 1999.
SWISSCONTACT. Deep inside Bolivia: guide to community ecotourism. Bolívia: Conservation International, Fundação Praia, Swisscontact, PPD/PNUD, 2008.
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Revista V6N3 – Saboreando os resultados de uma iniciativa coletiva