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POR UM BRASIL LIVRE DE TRANSGÊNICOS
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Número 217 – 16 de julho de 2004
Car@s Amig@s,
No campo da regulamentação do uso de transgênicos na agricultura e na alimentação, o Reino Unido tem dado um bom exemplo, aplicando o Princípio da Precaução, ouvindo a sociedade, consultando cientistas independentes e colocando a segurança do país acima dos interesses comerciais das empresas do setor. Aqui no Brasil, o fim da moratória européia aos produtos transgênicos tem sido bastante usado pelos setores pró-transgênicos para justificar a necessidade de uma lei que facilite a adoção desses produtos (leia-se: que dispense as avaliações prévias de riscos à saúde e ao meio ambiente). Apesar disso, desde a declaração da União Européia sobre o fim da moratória (em março deste ano) até agora, nenhum novo produto transgênico passou a ser cultivado por lá. No caso do Reino Unido, a autorização provisória concedida para o cultivo do milho transgênico da Bayer em março foi precedida por uma série de consultas e estudos*. No decorrer dos últimos anos, enquanto o Reino Unido conduzia pesquisas sobre cultivos e alimentos transgênicos, o órgão consultor inglês para a conservação ambiental e proteção da vida silvestre demonstrara preocupações em relação aos impactos que as plantas resistentes a herbicida poderiam ter sobre a biodiversidade. Em atenção à manifestação do órgão, o governo autorizou a realização de um ensaio de três anos envolvendo pesquisas de campo com variedades transgênicas. Nesse meio tempo, a Comissão de Agricultura e Biotecnologia, outro órgão assessor do governo, sugeriu que fosse promovida uma rodada independente de debates públicos sobre biotecnologia. A proposta também foi acatada. Além disso, o Departamento de Agricultura, Meio Ambiente e Assuntos Rurais (Defra, na sigla em inglês), junto com as administrações da Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, se propôs a custear um debate público, um estudo sobre custo/benefício realizado pela Unidade Estratégica do Primeiro Ministro, e contratou ainda um coletivo de pesquisadores independentes para uma revisão da produção científica ligada a alimentos e cultivos transgênicos. No final de 2003 vieram os resultados. O debate público revelou uma baixa aceitação dos transgênicos na sociedade. Em termos de custo/benefício, avaliou-se que os agricultores do Reino Unido teriam apenas vantagens marginais com a adoção das sementes geneticamente modificadas. E a revisão da literatura científica concluiu que os métodos para a produção de transgênicos não são homogêneos, e que, portanto, as liberações para uso comercial devem ser estudadas caso a caso. Os estudos de campo foram montados em 60 parcelas semeadas com beterraba, canola e
milho transgênicos, sempre em comparação com seus equivalentes convencionais. As pesquisas foram publicadas em uma revista científica da Royal’s Society, após a revisão de especialistas da área. Os resultados das pesquisas de campo ainda foram avaliados pelo Comitê Assessor para Liberações no Ambiente. As duas sabatinas concluíram que o cultivo de canola e beterraba transgênicas diminuiria significativamente a presença de plantas espontâneas, reduzindo, conseqüentemente, a oferta de néctar a insetos e outros animais polinizadores e a oferta de sementes de plantas espontâneas a pássaros, o que produziria impacto negativo sobre a biodiversidade. Os ensaios com milho mostraram que a presença de plantas espontâneas nas parcelas com a variedade transgênica foi maior que na convencional, sugerindo que não haveria impacto negativo sobre a biodiversidade. Logo os ensaios com milho transgênico foram questionados devido ao fato de as parcelas não-transgênicas terem sido cultivadas com o uso do herbicida atrazina, cujo uso está sendo banido no Reino Unido. No caso em questão, ficou claro que o resultado do experimento não tinha validade científica, uma vez que o milho transgênico foi comparado a um tipo de manejo convencional que, de tão impactante, decidiu-se banir da agricultura. E nenhuma comparação foi feita entre o milho transgênico e variedades de milho convencional tratadas com agrotóxicos permitidos. De posse dessas informações, passou-se então à decisão política. As diretrizes adotadas pelo governo para a introdução de transgênicos na agricultura passaram a incorporar a realização de estudos caso a caso, a rotulagem obrigatória dos alimentos transgênicos, a adoção de medidas para a co-existência de cultivos transgênicos e não-transgênicos e formas de se compensar agricultores convencionais ou orgânicos cujas lavouras tenham sido contaminadas por transgênicos. Seguindo esses parâmetros, Margaret Beckett, Secretária do Defra, vetou a liberação comercial de canola e beterraba transgênicas e concedeu uma autorização provisória para o uso comercial do milho transgênico da Bayer. A Secretária ainda registrou sua preocupação com a possibilidade de uma espécie transgênica contaminar parentes silvestres, mesmo sabendo que esse não é o caso do milho no Reino Unido. A Bayer não questionou os resultados técnicos das avaliações e desistiu de lançar seu milho transgênico no Reino Unido. Segundo a imprensa inglesa, a Bayer não quis se arriscar uma vez que as regras aprovadas previam, ainda que de forma vaga, que a empresa deveria assumir a responsabilidade por danos em caso de contaminação de lavouras não transgênicas de terceiros — o que é totalmente impossível de ser evitado. Mas a empresa preferiu justificar sua desistência simplesmente alegando que o licenciamento de produtos transgênicos no Reino Unido traz incertezas e não apresenta prazos bem definidos. O licenciamento de transgênicos no Reino Unido ainda será aperfeiçoado, e o governo estuda, com a participação da sociedade e do meio científico, a implantação de critérios para a co-existência de cultivos. Todo este relato mostra uma história bastante diferente da que vivemos no Brasil, onde a
Monsanto se recusa a realizar os estudos de impacto à saúde humana e ao meio ambiente e o plantio de sementes contrabandeadas no Sul força um clima de fato consumado — setores pró-transgênicos argumentam que “agora tem que liberar, pois não há mais volta!”. A rotulagem de alimentos, essencial para que os consumidores exerçam seu direito de escolha, corre o risco de entrar na lista das “leis que não pegaram”, muito conhecida por aqui. Para completar o circo, lobistas trajando jalecos brancos afirmam, em nome da ciência, que não há riscos, e que caso os transgênicos não sejam adotados rapidamente, o país perderá muitos investimentos e ficará para trás na corrida tecnológica. O Brasil acha ou não importante que a realização de estudos de biossegurança seja condição necessária à liberação comercial de transgênicos? É essa a questão. Se não existissem evidências de riscos, não só ambientais e para a saúde, mas também sociais e econômicos, por que a União Européia, o Reino Unido e vários outros países estariam investindo tanto na elaboração de normas para detalhadas avaliações científicas e de critérios para co-existência de lavouras? Serão todos obscurantistas e opositores do avanço da ciência? * informações extraídas de Efforts to advance UK GM plant approvals come a cropper, de Philip B.C. Jones. Disponível no http://www.isb.vt.edu/news/2004/May04.pdf , acessado em 14 de julho de 2004.
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Neste número:
1. Paraná economiza com soja não-transgênica
2. Algodão não-transgênico favorece a exportação
3. Cerveja transgênica chega à Europa
4. Dupont acusada de esconder informações
5. Cultivo orgânico ajuda a regular genes do tomate
6. Teste da soja Sistemas agroecológicos mostram que transgênicos não são a solução para agricultura
Refazendo a vida com o plantio agroflorestal
Dica sobre fontes de informação
Livro: Tecnologia Atômica: a nova frente das multinacionais. Grupo ETC. Eventos Encontro do Conselho Deliberativo do GTA — Grupo de Trabalho Amazônico. De 20 a 23 de julho.
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1. Paraná economiza com soja não-transgênica Depois de proibir a exportação de soja transgênica pelo porto de Paranaguá, o governo do Paraná lançou campanha publicitária em que ataca a multinacional Monsanto. Na campanha, o governo Roberto Requião (PMDB) informa que os produtores paranaenses economizaram US$ 60 milhões ao deixar de plantar a soja modificada pela multinacional. Outdoors espalhados por 200 dos 339 municípios paranaenses anunciaram que esse é o valor que o Brasil deixou de pagar à Monsanto em royalties com a decisão do governo paranaense de proibir a exportação de transgênicos pelo porto paranaense. Ontem, o assessor de imprensa de Roberto Requião, Benedito Pires, e o secretário de Comunicação Social do Paraná, Airton Pisetti, negaram que a campanha publicitária seja uma “provocação”à multinacional, com quem o governador paranaense trava uma batalha pessoal. “O paranaense, depois de toda a polêmica da proibição do plantio, comercialização, transporte e exportação de transgênicos pelo Paraná, precisa ser informado das razões pelas quais o governo Requião tomou a medida. A campanha é de informação, não de provocação”, disse Pires. Airton Pissetti lembrou que o Rio Grande do Sul vai ter que pagar royalties à multinacional, e que o Paraná mostra que não exportar soja transgênica é uma forma de poupar divisas para o país. (…) Folha de São Paulo, 13/07/2004.
2. Algodão não-transgênico favorece exportação Empresários brasileiros iniciaram a primeira exportação de caroços de algodão a granel, para a Europa, que será utilizado como ração animal. O primeiro navio com 5,4 mil toneladas chegou na semana passada na Espanha e o segundo já está sendo carregado (…). Sérgio Porto, diretor da Multitrading International, empresa responsável pelos negócios, informou que no caso do caroço de algodão o Brasil tem preço competitivo, um dos fatores fundamentais para que o negócio fosse viabilizado, mas o fato de o produto não ser transgênico foi decisivo. “Para os europeus, esta é uma questão básica para utilização em ração”, diz Porto. (…) Gazeta mercantil, 16/07/2004.
3. Cerveja transgênica chega à Europa Um consórcio das principais indústrias de biotecnologia está tentando ganhar o consumidor europeu com um novo produto: cerveja geneticamente modificada. As empresas investiram no desenvolvimento da bebida em conjunto com uma cervejaria da Suécia. Além da tradicional cevada, a nova cerveja possui milho transgênico. (…) O milho usado na cerveja transgenica Kenth Persson foi aprovado em 1998, antes da moratória Européia para os produtos geneticamente modificados, e é cultivado na Alemanha. Também participam do projeto a Bayer CropScience, DuPont, Plant Science Sweden, Svaloef Weibull e Syngenta. As empresas não revelam quanto estão investindo e como estão participando, mas Mattias Zetterstrand, porta-voz da Monsanto em Estocolmo, ressaltou que não há compra de participação na cervejaria. O Greenpeace perseguiu caminhões da Kenth na Suécia e na Dinamarca, além de cervejarias e bares que ofereciam a marca quando ela foi lançada. A ONG ainda pressiona grandes redes de varejo a não aceitarem o produto. Atualmente a cerveja é vendida na rede estatal sueca de bebidas, a Systembolaget, e não tem havido protestos. Mas a comercialização ainda é limitada. Dow Jones, 12/07/2004.
4. Dupont acusada de esconder informações A Dupont, segunda maior fabricante de químicos nos Estados Unidos, omite informações sobre os riscos à saúde humana provocados por um ingrediente do teflon desde 1980, diz a Agência Americana de Proteção Ambienta (EPA, na sigla em inglês). Resquícios do ácido perfluoroctanóico ou C8, usados em utensílios culinários que levam teflon, foram encontrados nos reservatórios de água perto da fábrica da Dupont no oeste da Virgínia e em uma funcionária grávida, disse a EPA. A empresa violou a Ação de Controle de Substâncias Tóxicas entre junho de 1981 e março de 2001 por omitir os riscos associados ao C8. (…) Tom Skinner, diretor da EPA, disse que a agência irá aplicar multas de milhões de dólares. A Dupont pode ser punida com multas de $25.000 por dia pelas violações anteriores a 30 de janeiro de 1997, e de $27.500 por dia pelas violações após essa data. A Dupont disse que o C8 não causava nenhum efeito adverso à saúde humana e a Administração de Alimentos e Drogas dos Estados Unidos aprovou o uso do produto. Segundo a EPA, desde de 1981, amostras de sangue de pelo menos uma funcionária grávida revelaram que o C8 foi transferido para o feto. (…) O C8 pode permanecer em humanos por até 4 anos (…). Pequenas quantidades do químico foram achadas na maior parte do abastecimento hídrico público americano. www.plantark.org/dailynewsstory.cfm/newsid/25933/story.htm
5. Cultivo orgânico ajuda a regular genes do tomate Um estudo feito por cientistas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos acaba de revelar que alguns processos gênicos do tomate são melhor regulados nas plantas que cresceram a partir de técnicas orgânicas de agricultura. Segundo a agência Fapesp, foram detectados dez genes que funcionam melhor a partir de substâncias naturais. O trabalho, publicado na edição de 6 de julho da Proceedings of Sciences (PNAS), mostra um modelo que explica como os compostos protéicos do tomate utilizam e mobilizam no campo, com mais eficiência, as moléculas de carbono e nitrogênio presentes nos adubos naturais. E, como conseqüência desses processos biomoleculares, aqueles tomates se tornam mais resistentes e têm mais tempo de vida. Comércio Indústria & Serviços, 08/07/2004.
6. Teste da Soja Suplementos nutricionais à base de soja não elevam a densidade dos ossos nem melhoram a capacidade do cérebro ou os níveis de colesterol, revela um estudo realizado com mulheres acima de 60 anos e publicado no The Journal of the American Medical Association. Trabalhos anteriores mostraram que a soja ameniza sintomas da menopausa, como ondas de calor. Revista Época, 12/07/2004.
Errata: ao contrário da nota do Correio do Povo de 08/07/2004, divulgada no Boletim 216, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados não aprovou o pedido de realização de plebiscito sobre transgênicos. A votação do projeto foi adiada.
Sistemas agroecológicos mostram que transgênicos não são a solução para agricultura
Refazendo a vida com o plantio agroflorestal Em 1998, em uma palestra proferida pelo Centro Sabiá, ONG pernambucana, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Triunfo-PE, Dona Maria de Lourdes conheceu uma forma diferente de trabalhar a terra: a agricultura agroflorestal. Certa de que queria experimentar esse novo método, D. Lourdes, com a assessoria do Centro Sabiá e o apoio da Associação ADESSU Baixa Verde, decidiu implantar uma experiência em seu único pedaço de terra. O solo da área fora retirado para a terraplanagem da rodovia PE-365, que passa a 500m de sua residência. Conquistar o apoio da família também foi um desafio, uma vez que ninguém acreditava na nova proposta. A terra muito fraca, a pouca disponibilidade hídrica, as dificuldades em adquirir recursos genéticos, os animais soltos e a aridez da região onde se localiza o Sítio, eram outros grandes desafios. Em agosto de 1999, D. Lourdes associou-se à ADESSU Baixa Verde com o intuito de aprender mais sobre agroflorestação. Através de um fundo rotativo de cisternas da Associação, em 2000 conseguiu sua cisterna de placas para armazenar água de chuva. Aos poucos os filhos e o esposo de D. Lourdes foram percebendo como a área que antes não tinha nada, agora se parecia com um roçado diversificado. Era a vida que começava a se refazer no Sítio Carrapato, através da força, coragem e vontade e das mãos de D. Lourdes. Com o passar dos anos a agrofloresta começou a despertar o interesse de muita gente. Agricultores, pesquisadores e técnicos de Pernambuco, de outros estados do Nordeste, de outras regiões do Brasil e de outros países visitaram a experiência. Já bastante reconhecida por seu trabalho, a agricultora conquistou a confiança da família e das demais pessoas da comunidade. Hoje ela fala sobre a agrofloresta nos programas de rádio do Centro Sabiá e da ADESSU Baixa Verde, em intercâmbios, palestras e em encontros dos quais participa. Os resultados apontados por D. Lourdes são a melhoria da renda familiar, maior diversidade de plantas forrageiras para seus animais, mudança nas atitudes e hábitos da família e uma sensibilização, embora ainda limitada, da comunidade para os impactos das queimadas e a importância do plantio de espécies nativas. Com essa significativa mudança em sua vida, D. Lourdes sentiu a necessidade de ler e escrever, para poder aprender mais e escrever aquilo que via e entendia, assim, aos 58 anos, sem muita crença e incentivo por parte da família, matriculou-se em uma turma de Educação de Jovens e Adultos onde estudou por seis meses e hoje sabe ler e escrever e, sobretudo, entende o que lê e escreve. Dona Lourdes atribui toda essa mudança que aconteceu nos últimos seis anos de suas vida e de sua família à reconstrução da vida no Sítio Carrapato, através da agricultura agroflorestal. Dica sobre fontes de informação Tecnologia Atômica: a nova frente das multinacionais. Que implicações a tecnologia atômica trás ao cotidiano da luta de classes? O futuro da humanidade será refém de alguns grupos que detêm o capital? Para quem e onde terá impacto? Quem deve se importar com ela? Estas são algumas questões que discutidas nesta obra pelo Grupo ETC, que apóia o desenvolvimento socialmente responsável de tecnologias úteis para os pobres e marginalizados, além de monitorar a propriedade e o controle de tecnologias e a consolidação do poder corporativo.
Preço: 8,00 — 192 páginas
http://www.expressaopopular.com.br
Eventos Desenvolvimento Sustentável Local é o tema do Conselho do Grupo de Trabalho Amazônico — Rede GTA — 2004 Encontro dos 18 coletivos regionais da Rede GTA deste ano acontece de 20 a 23 de julho em São Luiz – MA. O eixo do encontro será conjuntura sociopolítica nacional e o debate sobre suas implicações para o meio ambiente e para as comunidades locais, tradicionais e indígenas da Amazônia. Contatos: [email protected] ; tel. (61) 346 7048 ou www.gta.org.br
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Campanha Por um Brasil Livre de Transgênicos Este Boletim é produzido pela AS-PTA – Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa [Tel.: (21) 2253-8317 / E-mail: [email protected]]
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