O presidente Lula liberou para comercialização no Brasil a soja contaminada por transgênicos sem ouvir a sociedade civil, que domina este assunto muito mais do que o próprio governo e é capaz de formular alternativas à trágica herança transgênica deixada pelo governo FHC.
Mesmo tendo sido alertado para o problema em dezembro de 2002 pela Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos, só recentemente o governo acordou para essa situação calamitosa.
Além de atrasado, ainda por cima preferiu ser orientado pelo Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, um dos principais representantes do lobby pró-transgênicos, que fala em contaminação de 8% da safra nacional (cerca de 4 milhões de toneladas), mas nunca revela a origem dos seus dados.
Devido à fonte que Lula escolheu para tratar a crise transgênica, os números da contaminação foram superestimados e as soluções desconsideram todas as vantagens comparativas que o Brasil alcançou por ser reconhecido mundialmente como livre de organismos geneticamente modificados (OGMs).
O governo desconsidera que, nas nossas exportações, é crescente o peso da soja, do milho (ainda relativamente reduzido, mas com altas taxas de crescimento) e das carnes de frango e de suínos exportados para a Europa, a China e o Japão, porque os consumidores desses países rejeitam os OGMs e levam os seus importadores a não comprarem transgênicos.
Lula nem levou em conta que o avanço das exportações brasileiras ocorreu nos últimos seis anos, período em cresceu nos EUA o cultivo de transgênicos, e quando as exportações
americanas de soja (em sua grande maioria transgênica) para a Europa caíram de 9,2 milhões para 6,8 milhões de toneladas até o ano 2000. Nesse mesmo período, as exportações brasileiras duplicaram de 3,1 milhões 6,3 milhões.
Nem o agrobusiness brasileiro entendeu a mensagem do mercado e pressionou pela liberação dos transgênicos. Exceção feita aos produtores do Paraná, os representantes do agromercado brasileiro (como o Ministro Rodrigues) fecham os olhos para os prêmios dos produtos não contaminados, que ficam em média nos 5%, mas que chegam a alcançar 10% do preço. Isso para não falar na vantagem maior: a garantia de preferência sobre os produtos americanos e argentinos.
Qual contaminação?
Podemos continuar a desfrutar da posição mercadológica privilegiada que conseguimos porque não há contaminação generalizada da soja brasileira. As sementes de soja transgênica contrabandeadas da Argentina e do Paraguai foram desenvolvidas pela Monsanto para regiões especificas.
Elas se adaptam apenas a regiões assemelhadas, isto é, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, estados que se encontram na faixa da fronteira com o Paraguai.
A produção de soja em Santa Catarina é pequena. No Mato Grosso do Sul, a legislação estadual proíbe os transgênicos mas o controle frouxo do governo de Zeca do PT deixou a
contaminação (circunscrita à faixa de fronteira e passível de ser isolada) alcançar 15% da safra (570 mil toneladas).
O Paraná, que detém o mais rigoroso sistema de controle anti-OGM no Brasil, é o Estado que mais tem a perder com a liberação. Seu governo já anunciou que fechará as fronteiras
aos organismos modificados e a federação paranaense da agricultura (Faep) lembra que pode ser afetado até o forte crescimento das exportações de carnes de frango e de suínos para a União Européia e China.
O descontrole foi generalizado no Rio Grande do Sul, onde há grande dificuldade de separar na armazenagem a soja convencional da contaminada. Por esta razão, consideramos que quase toda a safra gaúcha (oito milhões de toneladas) esteja contaminada. Assim, o total contaminado no Brasil alcançaria 9 milhões de toneladas.
Os caminhos da exportação
Chegou-se a afirmar que se esse montante fosse exportado faltaria soja para o mercado
interno. Esse argumento é pura falácia, se lembrarmos do propagandeado aumento da produção nacional de quase 19% na safra 2002/2003, comparados à safra anterior. O Brasil
precisa de 19 milhões para abastecer as indústrias de transformação no País e pode exportar mais de 31 milhões de toneladas de equivalente grão (incluídas ai a soja contaminada).
Por enquanto, há mercado internacional para a soja OGM. O mercado europeu vem restringindo suas compras devido à reação dos consumidores, mas a maior restrição só ocorrerá a partir de janeiro de 2004, com a exigência de rotulagem das rações animais com transgênicos.
A China só vai ampliar as suas restrições a OGMs a partir de setembro mas, até lá comprará 16 milhões de toneladas no mercado internacional e já fez chegar ao Brasil a informação de que pode comprar mais 6 milhões de toneladas de soja brasileira potencialmente transgênicas.
Para se livrar da soja OGM, o Brasil deveria, portanto, negociar governo a governo e oferecer algum deságio no preço para escoar os volumes contaminados do RS e MS.
Eles podem ser vendidos através do Porto do Rio Grande que, segundo a Conab, pode exportar dois milhões de toneladas por mês, o que permitiria escoar toda a safra contaminada entre maio e setembro. O RS não perderia ICMS se as indústrias gaúcha esmagarem parte da safra a ser exportada. O controle da venda ao exterior é fácil, porque apenas três operadoras concentram 80% de toda a exportação, Bunge y Born, Cargill e ADM.
Por fim, uma multa pequena contra os agricultores que cometeram a ilegalidade de plantar transgênicos não penalizaria a cadeia agroalimentar da soja, cobriria os gastos extras do setor de transformação e do governo com a fiscalização e, mais importante, sinalizaria a determinação de o governo coibir o plantio ilegal na próxima safra.
Desvantagens dos transgênicos
As estatísticas indicam que a produtividade da soja no RS foi a mais baixa entre todos os
estados, ao passo que o consumo de herbicidas naquele estado cresceu desde 1999 (quando se iniciou o plantio ilegal de soja transgênica) quase 50%, enquanto em quase todos os
estados produtores (exceção Goiás) houve redução do uso de herbicidas (47,6% a menos no Paraná e 53,4% a menos no Mato Grosso).
A redução do custo de produção na soja transgênica não tem nada a ver com as apregoadas vantagens desta tecnologia, mas com a redução do preço do herbicida Roundup em quase 70%, o que configura verdadeiro dumping da Monsanto para facilitar a adoção da soja transgênica. Os agricultores ilegais também não estão pagando o custo real da semente, pois não lhes é cobrada a “taxa tecnológica” da Monsanto embutida no preço das sementes nos EUA.
Outra balela é suposta vantagem nos custos de produção e na produtividade. No caso da soja, já é admitido pelo próprio Departamento de Agricultura do governo americano que a semente transgênica produz de 5 a 10% menos que a de uma variedade convencional equivalente.
A questão dos custos já foi mais controversa, mas também a mesma fonte admite hoje que a soja transgênica não usa menos herbicida que a convencional após uns poucos anos de cultivo. Pesquisas independentes de universidades americanas comparando os custos da soja transgênica produzida em Iowa, nos EUA, e no Mato Grosso, no Brasil, são reveladoras dessa falsa vantagem.
Utilizando apenas os componentes de custo que são afetados por esta tecnologia (sementes, herbicidas, trabalho e maquinaria), a diferença de custo por unidade de área cultivada a favor da soja do Mato Grosso é de 17,4%. enquanto a diferença por unidade de produto obtido é de 28,6%.
Estes dados dos EUA contradizem a generalizada afirmação de agricultores do Rio Grande do Sul, de que o cultivo (que é ilegal) de soja transgênica representa uma economia de 20% nos custos de produção.
Mesmo esta vantagem desaparece com os anos de uso da tecnologia, pois o aumento da resistência das ervas daninhas obriga os produtores a utilizar mais herbicidas em mais
aplicações, tal como comprova a experiência americana.
É isso que queremos para o Brasil? O governo Lula vai dar um tiro no pé liberando os transgênicos.
*Economista, consultor da FAO e coordenador da rede Por Um Brasil Livre de Transgênicos