A Lei de Biossegurança foi feita conforme os interesses das empresas que querem uma liberação facilitada dos transgênicos no Brasil, sem as medidas de precaução necessárias para garantir a saúde dos consumidores e a proteção do meio ambiente. Esta lei entregou a decisão da liberação comercial de transgênicos a uma comissão técnica, a CTNBio, em franca violação das atribuições constitucionais dos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente. Apesar disso, se esta comissão fosse composta por técnicos isentos e preparados para lidar com os múltiplos aspectos da biossegurança, ela ainda poderia atender aos interesses maiores do país. Infelizmente, não é isso que está ocorrendo no processo de composição da CTNBio.
O decreto que regulamentou a lei entregou a uma comissão vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia o poder de indicar uma lista de 36 cientistas para o ministro escolher os 12 que comporão o corpo científico da CTNBio. No total, a comissão terá 27 membros. O decreto indica que a SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – e a ABC – Academia Brasileira de Ciências – devem participar desta comissão junto com “outros”, a critério do próprio MCT. O decreto permitia, portanto, que o MCT tivesse amplo controle sobre a composição da comissão, além de ter controle sobre a escolha final dos cientistas que deverão compor a CTNBio. A SBPC informou que indicou 5 nomes para participar da comissão de seleção dos candidatos, mas não se sabe quem indicou os outros 7 nomes, se a ABC ou o próprio MCT. O fato é que desta comissão de seleção participam 6 ex-membros das CTNBios do governo FHC ou do governo Lula. Além destes, notoriamente favoráveis à liberação facilitada dos transgênicos, participa da comissão um membro do CIB, Conselho de Informações sobre Biotecnologia, entidade criada pelas empresas da área. Não se sabe a posição dos outros 5 membros da comissão, mas a maioria pró-transgênicos já está assegurada.
Diz o MCT que a comissão recebeu 140 currículos de “candidatos” à CTNBio, mas não se sabe como estas candidaturas foram feitas. Não há qualquer transparência neste processo e muitos cientistas com posições independentes ficaram sem saber que o processo de candidatura estava aberto. Como estes 140 souberam que podiam mandar currículos?
As especialidades dos membros da comissão de seleção são indicadoras da forma como o MCT pretende compor a CTNBio. A maioria é de pesquisadores que estão desenvolvendo transgênicos e, ao que se sabe, nenhum está vinculado ao tema específico da biossegurança. Entre os médicos, por exemplo, não há nenhum especialista em toxicologia ou alergias, riscos notórios provocados pelo consumo dos transgênicos. Entre os candidatos haverá especialistas nestas áreas? Não será uma surpresa se o MCT escolher 12 cientistas especializados no desenvolvimento de transgênicos e nenhum especializado em biossegurança. Para completar o jogo de cartas marcadas, o secretário de Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do MCT, a quem caberá um papel central na escolha dos membros da CTNBio, é um ex-presidente desta comissão, envolvido na polêmica liberação da soja transgênica no governo FHC, e que tem patentes de técnicas de construção de transgênicos registradas em seu nome.
Os representantes da sociedade civil, pelo decreto de regulamentação da lei de biossegurança, devem ser escolhidos pelos ministérios da Agricultura, Meio Ambiente, Saúde, Trabalho, Justiça e Desenvolvimento Agrário com base em listas tríplices oferecidas por entidades não governamentais. O decreto não diz quais devem ser estas entidades e cada ministério está escolhendo o método de consulta à sociedade. O MMA e o MDA pediram ao Fórum Brasileiro de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais (FBOMS) que coordenasse as indicações. Já o ministério da Saúde parece ter adotado um procedimento totalmente irregular, indicando sem qualquer consulta a entidades da sociedade civil pessoas que não são vinculadas a nenhuma organização civil. Contrariando o comportamento dos representantes deste ministério nas negociações da lei e do decreto de regulamentação, ao que se sabe, os escolhidos foram dois ex-membros das CTNBios anteriores que não defendiam posições de precaução em relação à saúde.
O lobby para garantir uma ampla maioria favorável a uma liberação facilitada dos transgênicos na nova CTNBio tornou-se frenético devido a uma das poucas decisões do governo que guardou um mínimo de seriedade com respeito a este tema. No decreto de regulamentação da lei de biossegurança ficou decidido, após muitos conflitos, que as liberações comerciais de transgênicos exigiriam maioria de dois terços da CTNBio. O lobby quer garantir esta maioria a priori, manobrando para assegurar a escolha de 12 cientistas comprometidos com pesquisas de desenvolvimento de transgênicos. Estes doze, junto com os representantes dos ministérios de Ciência e Tecnologia, Agricultura, Relações Exteriores e Indústria, que têm sido veementes defensores das posições do lobby e o representante da sociedade civil escolhido pelo ministério da Agricultura fariam quase a maioria exigida, dependendo apenas da posição do Ministério da Defesa, cuja postura tem sido oscilante, para chegar aos 18 votos. Com o Ministério da Saúde passando para o lado do lobby estariam garantidos dois votos a mais e assegurada a liberação facilitada e irresponsável dos transgênicos.
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Publicado originalmente em: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=2328