É assegurado o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos, conforme determina o artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal. Como contrapartida lógica deste direito há o dever de o Poder Público responder ao administrado. Como ensinam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior:
“O direito de petição pode ser exercitado ‘em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder’. Nesse sentido, pode assumir uma índole individual ou coletiva. Ao aduzir a ‘defesa de direitos’, o texto constitucional não fez restrições. Antes, empregou locução genérica, que certamente acoberta a tutela de todas as espécies de direitos, quer de índole individual, quer coletiva.
(…)
Destarte, não é demasiado afirmar que o direito de petição também serve de instrumento de participação individual na vida política do Estado, pois por meio dele podem-se exercitar prerrogativas próprias de cidadania.” (“Curso de Direito Constitucional”, p. 164)
O direito de petição, que abrange o direito ao pedido de esclarecimentos, é, portanto, uma forma não jurisdicional de exigir do Poder Público o cumprimento dos princípios maiores da administração pública, previstos no artigo 37 da Carta Magna, especialmente a legalidade, a publicidade e a eficiência. O STF (Supremo Tribunal Federal), inclusive, já reafirmou a natureza e a importância do direito de petição como indica a ementa abaixo:
Direito de petição e ação direta: O direito de petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como importante prerrogativa de caráter democrático. Trata-se de instrumento jurídico-constitucional posto a disposição de qualquer interessado – mesmo daqueles destituídos de personalidade jurídica -, com a explicita finalidade de viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos tanto de natureza pessoal quanto de significação coletiva.
(ADI-MC 1247/PA, Relator Min. Celso de Mello, j. em 17/08/1995)
Se valendo do seu direito de petição, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a AS-PTA (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa) e a Terra de Direitos solicitaram esclarecimentos à CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança). Os questionamentos de caráter técnico-científico, fundamentados em literatura científica especificada, foram elaborados pela AS-PTA e apresentados à Comissão, na audiência pública realizada em 20 de março de 2007. Posteriormente, também foram feitos pedidos formais, aos quais não houve qualquer resposta.
As questões formuladas pela AS-PTA durante a audiência pública, que se pretende ver respondidas, são da maior relevância, tendo em vista que a CTNBio é encarregada de decidir sobre a liberação comercial de espécies transgênicas que serão plantadas no meio ambiente e consumidas pela população.
Assim, diante de questões fundamentadas em referências científicas questionando a metodologia utilizada para a tomada de decisão e ainda apontando especificamente riscos associados à espécie que acabam de ser aprovadas (o milho Liberty Link e também o milho Guardian , entre outros), é dever da Comissão fornecer as respostas à sociedade. A CTNBio se furtou ao seu dever desrespeitando o direito de petição garantido pela Constituição Federal de 1988.
A CTNBio, órgão integrante do Ministério da Ciência e Tecnologia, é instância colegiada multidisciplinar que tem como uma de suas relevantes atribuições proceder à avaliação dos pedidos de liberação comercial de organismos geneticamente modificados no Brasil. É órgão público, portanto, submetendo-se ao regime jurídico de Direito Público e a atuação de seu presidente, representante da Comissão, caracteriza-se como atuação de autoridade pública. Assim, a omissão do Presidente da CTNBio configura-se como ato de autoridade, podendo ser questionado via mandado de segurança.
A omissão da CTNBio representa manifesto desprezo ao direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos, fazendo nascer o direito líquido e certo à impetração do mandado de segurança nos moldes do prescrito pelo artigo 5º, inciso LXIX da Constituição Federal. Nesse sentido é o entendimento de José Afonso da Silva, quanto à lesão ao direito de petição:
“A Constituição não prevê sanção à falta de resposta e pronunciamento da autoridade, mas parece-nos certo que ela pode ser constrangida a isso por via do mandado de segurança, quer quando se nega expressamente a pronunciar-se quer quando se omite; (…)”.(“Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 444)
Os Tribunais Regionais Federais também têm entendimento tranqüilo de que o direito de petição é direito líquido e certo que pode ser resguardado via mandado de segurança.
Especificamente quanto ao meio ambiente, a Constituição Federal, em seu artigo 225, caput, estabelece que a defesa e a preservação do meio ambiente é dever do Estado e de toda a coletividade. Para que a coletividade possa desempenhar fielmente este seu dever, deve lhe ser dada a oportunidade de discutir, de apresentar seus argumentos e de ter seus questionamentos esclarecidos nos processos de tomada de decisão que, em maior ou menor grau, possam causar prejuízos para o meio ambiente.
Assim, em se tratando da proteção e defesa do meio ambiente e da saúde, a prestação de esclarecimentos à sociedade é dever inconteste da administração, especialmente diante de solicitação formal.
Por essas razões as organizações da sociedade civil mencionadas impetraram Mandado de Segurança nº 2007.34.00.015679-0, que tramita perante a 7ª Vara Federal do Distrito Federal sob os cuidados do Juiz Federal José Márcio da Silveira e Silva. O Ministério Público Federal já se pronunciou favoravelmente ao pedido das entidades e espera-se que o Judiciário também reconheça e concretize o direito constitucional de petição.
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Publicado em: Última Instância – Revista Jurídica
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