Revista Mundo Jovem | julho de 2015
Rotular é preciso
Gabriel Bianconi Fernandes
Assessor Técnico da AS-PTA
Se os transgênicos são tão bons como alguns defendem, porque então esconder essa informação e acabar com a rotulagem desses produtos? Esse foi um dos argumentos levantados na Câmara dos Deputados durante sessão recente em que se aprovou projeto de lei que acaba com a obrigatoriedade do símbolo T no rótulo dos produtos derivados ou contendo mais de 1% de organismos geneticamente modificados (OGMs). O projeto de lei 4.148/2008 ainda precisa ser votado pelo Senado Federal para virar lei, sendo que os senadores podem tanto ratificar a visão da Câmara como derrubá-la, e assim assegurar de volta o direito dos consumidores de acesso à informação.
A identificação dos produtos transgênicos foi regulamentada no Brasil em 2003 e desde 2008 o deputado Luiz Carlo Heinze (PP/RS) tenta derrubá-la. Alinhado à bancada ruralista, o parlamentar recebeu para sua campanha doações de empresas de alimentos e do agronegócio, entre outras, passando pela Associação Nacional da Indústria de Armas e Armamentos [1]. Esse exemplo, que é um grande retrocesso na legislação e na realização de direitos básicos das pessoas, nos remete para o debate mais amplo da reforma política. Não há argumento razoável para defender a ocultação desse tipo de informação ao consumidor, ainda mais tratando-se de tema tão controverso como o da modificação genética dos alimentos. Há, por exemplo, pesquisas recentes indicando que o milho transgênico pode desencadear reações alérgicas [2]. Mas sendo assim, como então evitar a exposição a esses alimentos se a informação no rótulo pode ser sonegada?
A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos é contra a rotulagem [3]. Nos Estados Unidos, as empresas, tanto de alimentos como do agronegócio, fizeram campanha milionária para impedir que lá fosse criada legislação obrigando a rotulagem de produtos transgênicos [4]. E que comportamento se pode esperar dos parlamentares cujas campanhas foram financiadas por essas empresas?
Caso o Senado confirme a decisão da Câmara e de fato caia a rotulagem de produtos transgênicos, uma coisa que podemos estar certo é que seus efeitos extrapolarão as fronteiras nacionais. O Brasil é hoje o segundo maior país do mundo em área cultivada com sementes transgênicas. São cerca de 40 milhões de hectares, segundo as empresas do setor. Cerca de 90% da soja, 80% do milho e 60% do algodão produzidos no Brasil são cultivados com sementes transgênicas [5]. Ou seja, o país é hoje um dos principais mercados para as multinacionais que vendem as sementes transgênicas, que são todas patenteadas, e os agrotóxicos que são associados em seu cultivo. Além disso, a lei que regulamenta as pesquisas, uso e comercialização de OGMs no Brasil é extremamente permissiva, exigindo poucos testes sobre sua segurança. Muitos pesquisadores que já participaram do órgão responsável (CTNBio) afirmam que as liberações aqui tomadas não se basearam em informações que possam assegurar que esses produtos não trarão problema futuros, seja para a saúde, seja para o meio ambiente. Por outro lado, essas mesmas grandes empresas e os segmentos da Academia a elas vinculados defendem que o modelo brasileiro de regulação dos transgênicos é um exemplo para o mundo.
Novos transgênicos como o mosquito da dengue e o eucalipto foram liberados só no Brasil, que é assim apontado como vanguarda na área. Caso caia a rotulagem, a indústria poderá argumentar que se no Brasil, que tem o peso que tem no cenário dos transgênicos, a rotulagem foi dispensada depois de vigorar por mais de dez anos, porque seria então necessária em outras partes? Vemos então que tinha muito mais coisa em jogo na votação recente na Câmara do que “apenas” o contexto nacional. Essa pode ser uma pista para nos ajudar a entender porque mais de 300 deputados apoiaram a sonegação de informação aos consumidores, criando argumentos para defender o indefensável. Cabe agora que o Senado evite esse grande retrocesso, mas esse passo só será dado se os legisladores se sentirem pressionados pela população.
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[1] http://www.asclaras.org.br/@candidato.php?CACodigo=82840&cargo=6&ano=2010
[2] Andreassen, M. et al., (2014). Disponível em: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09540105.2014.988128?journalCode=cfai20
[3] ABIA. http://www.abia.org.br/vs/vs_conteudo.aspx?id=28
[4] http://pratoslimpos.org.br/?p=4580
[5] Área plantada com transgênicos no mundo cresceu 3,5% em 2014. Valor Econômico, 29/01/2015
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