O problema da contaminação transgênica
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio está por votar a primeira liberação comercial de um cultivo transgênico desde a sua instalação em dezembro passado. A CTNBio anterior, oriunda do governo FHC, tinha uma maioria esmagadora a favor de liberações facilitadas de transgênicos.
Seus membros aprovaram a primeira liberação comercial de um transgênico no Brasil, a soja RR, da multinacional Monsanto, resistente ao herbicida Roundup, da mesma empresa. A Justiça e a forte reação da sociedade civil impediram a liberação deste cultivo de 1998 até que o presidente Lula, em sucessivas Medidas Provisórias, legalizasse a soja transgênica plantada ilegalmente, sobretudo no Rio Grande do Sul.
Hoje, na nova CTNBio, um pequeno núcleo de membros da Comissão vem enfrentando todo tipo de pressões e agressões dos setores pró-transgênicos justamente por cobrarem um debate sério e científico em suas decisões.
Esta resistência da seriedade e do interesse público contra o lobby dos transgênicos já foi suficiente para que a Monsanto se posicionasse em jornais pedindo modificações na lei para facilitar a aprovação dos seus produtos.
Além disso, temos lido quase que diariamente em grandes jornais editoriais e artigos pressionando o presidente da República para intervir na CTNBio para “agilizá-la”.
Que mais querem para “agilizar” a Comissão? Ela já violou os princípios da biossegurança votando a liberação de pesquisas com liberação de transgênicos no meio ambiente antes de deliberar sobre regras de contenção de riscos.
Agora está discutindo a liberação de um milho transgênico da multinacional Bayer conhecido como LibertyLink, resistente ao herbicida Liberty da mesma empresa, sem ter discutido as regras para avaliação dos riscos para a saúde dos consumidores ou para o meio ambiente.
Os pareceristas estão avaliando estes riscos baseados só na informação fornecida pela empresa solicitante e segundo seus próprios conceitos, cada um com critérios diferentes. Como é possível levar a sério esta Comissão?
O milho transgênico é um perigo ainda maior do que a soja RR da Monsanto. Já vimos o que ocorreu no Rio Grande do Sul com a soja transgênica.
Ela contaminou tanto cultivos convencionais como orgânicos. Agricultores que nunca plantaram soja RR foram obrigados a pagar royalties para a Monsanto como se tivessem comprado sementes da empresa. Ao risco de pagar multas além dos royalties os agricultores foram sendo constrangidos a adotar as sementes transgênicas. Hoje, muitos não conseguem comprar sementes não-transgênicas.
Ao contrário da soja, no caso do milho o risco é muito maior porque esta planta cruza com muita facilidade. Devido a este risco de forte contaminação que levaria à desaparição de centenas de variedades crioulas e de parentes silvestres do milho é que o México proibiu o cultivo do milho transgênico no país, embora tenha permitido outros cultivos transgênicos.
A contaminação da produção de milho crioulo ou convencional no Brasil levaria todos os agricultores a terem que pagar royalties para a Bayer, já que o seu pedido de liberação envolve direitos inclusive sobre o milho “derivado de cruzamentos de linhagens e populações não transgênicas de milho com linhagens portadoras do evento T25 (ou seja o milho transgênico da Bayer)”.
O cultivo clandestino de milho transgênico já é uma ameaça grave para a agricultura brasileira e para a biossegurança do País. Ele vem ocorrendo por contrabando de sementes sem que as autoridades do Ministério da Agricultura tomem providências. Trata-se da mesma tática de deixar contaminar para depois liberar, a exemplo da soja e do algodão. A gravidade da situação atual no caso do milho não pode ser minimizada.
O mais grave é que a argumentação apresentada pela Bayer à CTNBio, além de frágil e incompleta, sequer tem sustentação científica para várias de suas afirmações.
Por outro lado, inúmeros artigos publicados em revistas científicas de todo o mundo vêm apontando para os muitos riscos e para a mais que precária base científica das afirmações das empresas.
O mínimo que a CTNBio deveria fazer seria uma revisão a sério desta literatura, pois não apenas ela contesta a segurança de produtos que irão para a mesa de todos os brasileiros como aponta para o fato de que os estudos das empresas não passam pelo crivo crítico de outros cientistas independentes, como acontece para publicação de artigos em revistas científicas.
É preciso cobrar do Conselho Nacional de Biossegurança, composto por 11 Ministros de Estado e que tem poderes acima da CTNBio, que se reúna para impedir uma liberação comercial de milho transgênico por seus riscos para a economia e soberania nacionais mesmo que a CTNBio conceda a liberação comercial ao milho da Bayer ou de qualquer outra empresa.
Se prevalecer a irresponsabilidade no trato da biossegurança, as outras liberações seguirão o mesmo padrão. Se prevalecer a estratégia de permitir cultivos ilegais, será estabelecida a regra de que vale tudo para garantir os interesses das empresas.
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Jean Marc von der Weid é economista e coordenador de políticas públicas da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA). Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”
Publicado em http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=42949