No início deste mês, um evento virtual lançou o segundo livro sobre o LUME, que está sendo disseminado com apoio de organizações internacionais
Um dos dilemas dos tempos atuais é que não dá para ler o mundo a partir de um pensamento focado em dividi-lo em partes para aprofundar o olhar, sem levar em consideração as relações entre essas partes. O mundo em que vivemos é complexo e contraditório, regido pelas leis da simultaneidade e interdependência e não pela lógica da causa e efeito, da simples linearidade dos acontecimentos.
Esse dilema é sentido em várias áreas da vida e, na agricultura, não seria diferente. Os estudiosos da agricultura familiar agroecológica e as instituições que a pesquisam e fomentam têm se deparado com o limite claro do pensamento cartesiano e da economia neoclássica, que invisibiliza dimensões importantes das economias não monetárias, essenciais para reprodução socioecológica da agricultura familiar. E, assim, não levando-as em conta nas tomadas de decisões, na construção de políticas públicas e de estratégias capazes de fazer frente às grandes crises que a nossa civilização enfrenta, como a climática e a pandemia, completamente relacionadas, inclusive.
Até porque não dá para entender a complexidade dos agroecossistemas familiares e suas relações com os territórios se formos guiados exclusivamente pela lógica dos mercados, onde tudo é revertido em mercadoria, em oportunidade de negócio. Ou seja: é preciso ampliar o olhar para que ele abarque também o trabalho não monetizado, o do cuidado, as relações de trocas, as relações de poder entre homens e mulheres e as juventudes rurais, as relações que democratizam o conhecimento e empoderam agricultores e agricultoras… Só assim se consegue enxergar e interagir com os sistemas agrícolas familiares de forma mais potente e acurada.
Essa ideia foi o pano de fundo para a realização de um evento virtual que se soma a um movimento mundial em busca de leituras mais complexas da realidade na qual estamos inseridos e, por isso, somos parte. Promovido pela ASA e AS-PTA, com apoio do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o evento lançou o livro “Lume: Método de Análises Econômico-Ecológicas de Agroecossistemas”, a segunda publicação sobre o inovador método LUME, desenvolvido a partir da prática das organizações da sociedade civil, capitaneada pela AS-PTA. O método se inspira e é fonte de inspiração para experiências similares que pipocam em outras partes do mundo.
Realizado pela internet, na noite da última quarta-feira (6), o evento reuniu cerca de 100 pessoas de vários países da América Latina. Os/as participantes representam, em sua grande maioria, organizações da sociedade civil e de instituições de fomento da agroecologia que atuam no continente.
Representantes de redes da sociedade civil organizada que atuam nos Semiáridos da América Latina, do poder público e de organismos de fomento à agricultura familiar agroecológica, como o FIDA e a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) fizeram comentários na segunda parte do evento. Pela ASA, Glória Batista; pela Plataforma Semiáridos da América Latina, Gabriel Seghezzo; pelo governo do Rio Grande do Norte, Alexandre Lima; pelo FIDA, Claus Reiner; e pela FAO, Emma Siliprandi. Saiba mais aqui.
O que é o LUME? “O nome LUME carrega a ideia de jogar luzes em parcelas da realidade muito importantes e que são invisibilizadas pelas abordagens convencionais”, conta Luciano Silveira, também da equipe da AS-PTA, envolvido diretamente com o desenvolvimento deste método. Ele acrescenta: “O método se construiu a partir da crítica à racionalidade econômica que analisa hoje o desenvolvimento e que oculta dimensões essenciais do processo de desenvolvimento.”
“O LUME busca superar as visões cartesianas, mecanicistas, procurando ver a economia sem reduzi-la à circulação de mercadorias. Economia não é igual a mercado. Estamos dominados pela lógica dos mercados e se nós quisermos entender como programas e políticas públicos impactam na vida material, sobretudo, das populações mais empobrecidas, temos que, sobretudo, ampliar as nossas perspectivas econômicas”, agrega Paulo Petersen, também da AS-PTA e co-criador do LUME.
O LUME tem vários indicadores de ordem qualitativa e quantitativa. Há indicadores de autonomia, integração social, responsividade, aumento de renda, equidade de gênero/protagonismo das mulheres e equidade intergeracional/protagonismo da juventude. Juntos, eles revelam várias camadas relacionadas com as dimensões econômica, ecológica e social dos agroecossistemas familiares e também dos territórios agroecológicos.
Uma das principais chaves do LUME é a escuta dos protagonistas dos processos de transição agroecológica: as famílias agricultoras e as lideranças das organizações representativas. “O fato de partir das visões e sentimentos das pessoas que, em geral, não são escutadas é a chave para que as luzes sejam projetadas na realidade”, revela Paulo Petersen, que sempre destaca esta característica do LUME como o seu grande diferencial. “Pela voz dos agricultores e agricultoras, sujeitos de direito nas políticas públicas, percebemos as mudanças que acontecem em suas vidas.”
Um método em amplo processo de aplicação – Para ver através das lentes do LUME é preciso aprender a usar essa ferramenta de análise sistêmica. E a AS-PTA tem trabalhado em várias frentes com processos de capacitação técnica para que mais organizações e pessoas utilizem o método. Duas frentes destas envolvem, de forma complementar, a equipe da instituição na Paraíba.
“Pela primeira vez, toda a equipe da AS-PTA na Paraíba se envolveu num processo de sistematização e aprendizagem. Esse processo está sendo muito rico porque ele permite, de um lado, a gente avaliar os impactos das inovações frente as mudanças climáticas e, por outro lado, nos aperfeiçoarmos tecnicamente na execução dos nossos trabalhos”, assegura Adriana Galvão, da equipe técnica da AS-PTA, que acompanha diretamente as ações de comunicação e o trabalho organizativo com as mulheres agricultoras junto ao Polo da Borborema.
Nos últimos meses, a equipe técnica da organização desenvolvedora do LUME teve a oportunidade de aplicar o método em sete agroecossistemas, um em cada comunidade onde o projeto Borborema Agroecológica atua. A iniciativa faz parte do programa internacional INNOVA-AF, financiado pelo FIDA e executado pelo (Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). O INNOVA-AF busca reforçar as capacidades das famílias camponesas, por meio da gestão participativa do conhecimento e disseminação de boas práticas para a adaptação às mudanças climáticas.
Além desta oportunidade de aplicação do LUME, toda a equipe da AS-PTA se envolveu também no estudo dele por meio do projeto Gestão de Conhecimento e Redes Territoriais do Semiárido Brasileiro, promovido pela AKSAAM, com financiamento do FIDA, e envolvimento da Rede ATER Nordeste, da qual a AS-PTA faz parte.
Clique aqui para conhecer o livro:
LUME: Método de Análise Econômico-Ecológica de Agroecossistemas – em português
LUME: Método para el análisis económico-ecológico de los agroecosistemas – em espanhol