Integrantes do GT Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia das cinco regiões do país se reuniram na Escola Nacional Florestan Fernandes, Guararema, SP, para trocar experiências e atualizar estratégias comuns de ação em rede em defesa do direito ao livre uso da agrossociobiodiversidade pelos povos.
Os debates foram dos acordos e tratados internacionais que incidem sobre o acesso e uso da biodiversidade às práticas locais de guardiões e guardiãs da biodiversidade, passando pelas políticas públicas nacionais que tratam do tema.
Da Costa Rica, por meio de participação online, representantes do Colectivo Semillas apresentaram uma reflexão crítica sobre a experiência do país como parte do Protocolo de Nagoya da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU (CDB). O Protocolo trata do acesso a recursos genéticos e da repartição justa e equitativa dos benefícios advindos de sua utilização. Na experiência do país, a repartição tem ocorrido numa taxa de 1 para 1.000. Ou seja, de cada mil casos de acesso a recursos genéticos, em especial de espécies de plantas e de microrganismos, apenas 1 deles resulta em algum tipo de retorno para as comunidades detentoras dos conhecimentos associados. Isso acontece, em grande medida, segundo avaliação do Colectivo, porque o processo de repartição fica muito a cargo das empresas em diálogo com o Estado, sem envolvimento efetivo das comunidades. Esse tipo de situação leva as organizações a se questionarem se a apropriação cultural da biodiversidade é aceitável em troca de compensação.
O encontro contou ainda com participação remota de uma liderança camponesa de Oaxaca, México, que também analisou os efeitos de Nagoya, em especial suas brechas quando o objetivo é proteger o conhecimento tradicional de apropriação privada. O caso relatado tratou de uma variedade nativa de milho crioulo que produz uma mucilagem em suas raízes aéreas com propriedades microbianas, além de associação com microrganismos que promovem fixação biológica de nitrogênio. A descoberta científica das propriedades selecionadas há séculos pelas comunidades locais despertou a cobiça de empresas estadunidenses que ambicionam patentear esse processo sem o consentimento livre, prévio e informado da comunidade.
Para além dos aspectos éticos da prática científica, o caso põe em questão a eficácia do Protocolo de Nagoya tendo em vista que o acesso inadvertido dado por uma comunidade afeta os direitos das demais comunidades do mesmo povo, igualmente detentoras do mesmo conhecimento. Ou seja, mais um caso de biopirataria a despeito dos normativos internacionais.
No Brasil, o tema foi regulamentado pela Lei no 13.123, de 2015, que tem o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN como seu espaço de gestão. A mesma lei criou o Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB), posteriormente regulamentado pelo Decreto n° 8.772/2016. Na avaliação do GT, a repartição não deve ser apenas financeira, mas também promotora de uma ação de reparação e de justiça social.
Essas exposições ajudaram as/os representantes do GT a avaliar as respostas da Agroecologia diante do avanço dos processos de financeirização da Natureza, seja pela mercadorização da biodiversidade (genes e moléculas), seja pela mercadorização das soluções para a crise climática (mercado de carbono e pagamento por serviços ambientais).
Um dos aspectos levantados na discussão referiu-se ao risco de dissipação de energia social pela participação em múltiplos espaços de governança, como conselhos e comissões. Nesse sentido, um dos desafios colocados para o GT é atuar no fortalecimento dos sujeitos nos territórios para participação e incidência mais efetiva nas decisões sobre políticas públicas. Esse passo tem como elemento central a conscientização das populações sobre a importância e o valor de seus conhecimentos e o fato de que estes são cada vez mais cobiçados pelo Capital.
Essa cobiça avança de mão dada com novos desenvolvimentos tecnológicos, tais como o sequenciamento digital de informações genéticas (DSI, na sigla em inglês). Por meio de grandes plataformas de dados, as informações genéticas da biodiversidade são agora virtualizadas e globalmente compartilhadas. Isso amplia suas possibilidades de acesso por empresas e afins e tornam ainda mais remotas as possibilidades de repartição justa e equitativa de benefícios, como previsto em Nagoya, na CDB e na legislação nacional. Uma guardiã de sementes do Paraná traduziu bem esse processo ao cravar que “Vai ficar só a genética, sem a semente”.
A mobilização das comunidades em torno ao direito ao livre uso da agrobiodiversidade deve passar pelo direito de dizer não ao acesso a seus conhecimentos associados à biodiversidade. Os protocolos de consulta são instrumentos jurídicos importantes nesse sentido e devem ser mais explorados pelo campo agroecológico. Ao lado dele estão os protocolos comunitários bioculturais, que servem não para sistematizar e entregar o conhecimento, mas sim para fomentar processos de auto-organização em torno a direitos e ao fortalecimento de sua gestão coletiva nos territórios.
Ao promover esse espaço, o GT Biodiversidade aprofundou uma análise coletiva sobre temas atuais e ampliou e diversificou sua rede de organizações participantes. Avançou também no desenho de estratégias que vão da ação local às arenas internacionais onde os direitos camponeses estão em questão. Essa mobilização segue rumo ao V Encontro Nacional de Agroecologia, a ser realizado em 2026 na cidade paranaense de Foz do Iguaçu.