Suzi Huff Theodoro e Edinei de Almeida
Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo, mas participa com apenas 2% da produção mundial, configurando-se, portanto, como um grande importador de insumos agrícolas. Em 2007, as importações dos insumos para a formulação NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) representaram 74% do suprimento de fertilizantes consumidos. Em 2008/2009, em função da crise internacional, houve uma retração desse consumo. A partir de 2010, a economia, especialmente nos países emergentes, começou a apresentar sinais de recuperação, e a importação dos insumos necessários à composição das diversas formulações de fertilizantes voltou a crescer. Segundo estimativas do governo brasileiro, a demanda passará de 12,198 milhões de toneladas em 2012 para 14,732 milhões em 2017. O governo tenta atenuar essa dependência ao disponibilizar incentivos fiscais e econômicos para que o setor industrial nacional amplie a oferta de insumos por meio da implantação de novas fá- bricas. Além disso, atualmente tramita no Congresso Nacional a Medida Pro- visória (MP) 572, de 2012, que visa o fortalecimento do setor de fertilizantes no Brasil.
A partir desses dados, conclui-se que, apesar dos crescentes resultados econômicos da agricultura brasileira, especialmente na última década, a continuidade desse desempenho pode ser comprometida em função da elevada dependência externa, tanto de fornecedores de matérias-primas que compõem os fertilizantes, quanto das misturadoras das formulações, setor que vem sendo dominado por poucas empresas nacionais e internacionais.
Importante lembrar que a forma de acesso e uso dos fertilizantes no Brasil faz parte de uma estratégia implantada nas décadas de 1970/80, quando o país incorporou de fato os padrões produtivos e pressupostos científicos da Revolução Verde, que vinham se afirmando desde a década de 1960. A partir de então, o setor agrícola brasileiro passou a contar com políticas de incentivos e crédito abundante, de modo a facilitar a ampla aquisição de insumos e tecnologias. O desenvolvimento de variedades e híbridos para o plantio em diversos ambientes (agro- ecossistemas) mediante o emprego in- tensivo de fertilizantes minerais de alta solubilidade foi a estratégia que viabilizou tecnicamente o avanço da fronteira agrícola em biomas cujas condições naturais colocavam até então obstáculos às grandes monoculturas.
Atualmente, o setor produtivo surfa na crista da onda. Porém, é necessário questionar: como manter esse patamar de produção, considerando a dependência externa do principal insumo de sustentação do modelo? E, ainda: o modelo produtivo deverá ser mantido ou deve-se buscar outras formas de produção, com um viés mais sustentável ambientalmente e autônomo do ponto de vista tecnológico?
Essas questões são estratégicas para o futuro da agricultura brasileira.
Uma das respostas possíveis seria o uso de novas rotas para a inovação tecnológica. O emprego da tecnologia da rochagem – que consiste em moer determinados tipos de rochas para obter macro e micronutrientes que irão alterar os índices de fertilidade dos solos – pode ser uma delas. Afinal, o Brasil é um país de grande geodiversidade, o que significa que existem fontes que podem suprir adequadamente a demanda por potássio, fósforo, cálcio, magnésio e vários micronutrientes.
DA ESCASSEZ À ABUNDÂNCIA
A utilização de pós de rocha (também conhecidos como farinhas de rocha, remineralizadores ou agrominerais) é destinada sobretudo a rejuvenescer ou remineralizar solos empobrecidos ou degrada- dos pelo uso inadequado. Mas essa técnica ou prática de fertilização também pode ser entendida como uma espécie de banco de nutrientes de baixa dissolução, ao qual as plantas recorrem à medida que seu desenvolvimento o exija (THEODORO, et al., 2010). Pode-se dizer, portanto, que esse insumo (disponível em quase todo o território brasileiro) é um fertilizante inteligente, pois fornece somente a quantidade de nutrientes que as plantas necessitam.
Outra vantagem do emprego da rochagem é que não há o risco de contaminação do solo e da água pelo excesso de oferta, tal como ocorre com as aplicações das formulações NPK, nas quais o nitrogênio e o potássio não absorvidos pelas plantas acabam sendo lixiviados para os corpos hídricos. Já o fósforo dessas formulações fica retido nas argilas ricas em alumínio e ferro, tão comuns nos solos tropicais. O nitrogênio é também liberado na forma de óxido nitroso, contribuindo para a formação do efeito estufa. Além disso, é importante apontar que o uso dos agrominerais amplia a oferta de uma enorme gama de micronutrientes (quase a tabela periódica inteira, já que os minerais formadores das rochas possuem grande diversidade geoquímica), com repercussões positivas para a qualidade nutricional dos alimentos.
Apesar desse conjunto de vantagens, grandes obstáculos precisarão ser ultrapassados para que essa opção tecnológica seja amplamente disseminada na agricultura brasileira. As oposições se iniciam mesmo em grupos com preocupações ambientalistas que argumentam que o fortalecimento da atividade mineral trará enormes impactos. No entanto, vale lembrar que o Brasil já conta com uma enorme quantidade de minerações e pedreiras presentes em várias regiões, onde se explora os mais diversos tipos de minérios. Sabe-se também que o processo de exploração mineral gera um volume considerável de sub- produtos (ou produtos secundários) que são descartados. Tais materiais podem ter um uso mais nobre se forem aproveitados na atividade agrícola, o que ainda é mais facilitado porque, na maioria dos casos, já se encontram moídos.
Além disso, a busca por uma destinação apropriada para esses materiais pode apoiar a configuração de um novo arranjo que favorecerá a integração de dois setores estratégicos para o desenvolvimento nacional. De subprodutos problemáticos da atividade mineral, os pós de rocha podem se converter em solução para um crítico desafio da agricultura. Contudo, para que evoluções nessa direção ocorram, é essencial monitorar o beneficiamento dos minérios para que os mesmos não sejam contaminados por substâncias perigosas.
As oposições seguem por meio dos céticos e adeptos ao modelo agrícola convencional que argumentam que os pós de rocha não oferecem a quantidade de nutrientes necessária para o desenvolvimento das plantas nos tempos demandados pelo atual padrão agrícola, uma vez que a solubilidade dos minerais que compõem as rochas é mais lenta que a dos fertilizantes químicos, elaborados justamente para uma rápida disponibilização de nutrientes às plantas cultivadas. No entanto, essa aparente fragilidade é, ao nosso juízo, a maior vantagem da tecnologia da rochagem, já que as plantas, ao longo de seu processo de desenvolvimento, assimilam somente o que necessitam, enquanto o restante dos agrominerais permanece nos solos em interações com ácidos orgânicos, enzimas e microrganismos. Essas interações enriquecem o sistema, aumentando a diversidade de nutrientes para as plantas nas próximas safras, em função da solubilidade mais lenta e da forma de disponibilização, que se dá por meio da alteração dos minerais ricos em macro e micronutrientes fundamentais para as diversas espécies agrícolas. Além disso, deve ser mencionado que a diversidade de nutrientes desses materiais, ao ampliar a oferta de macro e micronutrientes para as culturas, conduz à produção de alimentos de maior qualidade nutricional. O desdobramento imediato dessa característica é o aumento da segurança alimentar e nutricional da população.
A vantagem da solubilização gradual dos nutrientes presentes nos pós de rocha torna-se ainda maior quando a rochagem está associada à utilização de variedades tradicionais ou crioulas. Essas variedades foram cultivadas por gerações em sistemas com baixo uso de insumos externos, sobretudo os de síntese química. Ao selecionar e adaptar as variedades às condições ambientais de cada local, os agricultores estimulavam o desenvolvimento de genótipos aptos a desenvolver maior enraizamento e interações positivas com a microbiota associada, como fungos micorrízicos, rizóbios e as bactérias endofíticas fixadoras de nitrogênio e produtoras de ácidos orgânicos. Tais características da técnica da rochagem, bem como os processos decorrentes dessas associações, garantem o fornecimento de nutrientes para as culturas agrícolas sob um outro modelo de manejo da fertilidade dos agroecossistemas.
Nesse sentido, é importante que se supere a ideia de que a rochagem constitui uma apologia ao uso de materiais menos nobres para uma agricultura tecnologicamente menos avançada. Ao contrário, a utilização de pós de determinados tipos de rochas poderá se converter na grande saída para a agricultura brasileira, uma vez que estudos e experimentos têm recorrentemente confirmado que os remineralizadores, especialmente das rochas mais jovens, atendem às demandas nutricionais de uma ampla variedade de culturas agrícolas.
EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS
Desde o início da década de 1970, Leonardos et al. (1976) já sugeriam o uso de rochas para remineralizar os solos agrícolas. Um experimento conduzi- do pelos autores na Fazenda Água Limpa, da Universidade de Brasília (UnB), com as culturas de Eucaliptus pellita e Pinus caribeia, mostra os resultados de testes de produtividade em que, ao longo de 13 anos, foram empregadas três diferentes formas de fertilização (pó de basalto, NPK e pó de basalto com NPK) em solos de cerrado. A produtividade foi medida pelo diâmetro e pela altura das árvores. A permanência dos efeitos do pó de basalto, em termos de assimilação, mostrou-se mais efetiva ao longo do tempo. Já a curva representada pela mistura de pó de rocha com NPK mostra uma produtividade constantemente crescente. Para os autores, o NPK funcionou como uma espécie de arranque das plantas, enquanto que o crescimento posterior deve ter sido sustentado pelos nutrientes derivados do pó de rocha.
Nos últimos 15 anos, houve um aumento significativo das evidências confirmando a potencialidade dos remineralizadores para alavancar o desempenho de várias culturas agrícolas. Tais evidências vêm sendo produzidas por meio de experimentos que testam pós de diversos tipos de rochas, tanto no Brasil quanto em outros países tropicais, mostrando os avanços no entendimento dos processos de disponibilidade- liberação-incorporação dos nutrientes no sistema solo-planta. Essas pesquisas também abordam como em muitos casos os agrominerais são utilizados conjuntamente com compostos orgânicos ou adubação verde. A Figura 1 apresenta algumas das rochas que já foram objeto de experimentos agrícolas a campo e em laboratório em várias partes do Brasil.
Na Bahia, em experimentos conduzi- dos a campo junto a agricultores quilombolas, foi utilizada uma rocha metabásica hidrotermalizada, às vezes associando-a a rocha fosfática e composto orgânico. No Rio Grande do Sul e no Paraná, uma série de pesquisas vem aplicando basaltos e xistos em vários tipos de culturas agrícolas (milho, feijão, soja, hortaliças, mandioca, etc.). No Pará, foram realizados testes com filitos, margas e sedimentos retidos no reservatório de Tucuruí, na implantação de um sistema agroflorestal (SAF). Em Minas Gerais, os testes a campo em assentamentos utilizaram kamafugitos em pelo menos cinco culturas (milho, feijão, mandioca, cana-de-açúcar e arroz). No Distrito Federal, os experimentos atuais vêm tentando sistematizar esses resultados obtidos em várias partes do país, já que empregam cinco tipos de rocha (metabásica hidrotermalizada, kamafugitos, basaltos e micaxistos).
A dosagem de pó de rocha utilizada nesses experimentos variou de acordo com a oferta de nutrientes presentes nos diferentes solos. De modo geral, a indicação mais recorrente é aplicar em média entre quatro e cinco toneladas de rocha moída por hectare. Essa dosagem de material pode ser adicionada ao solo em uma única aplicação ou dividida nos períodos precedentes ao plantio durante quatro ou cinco anos. Além disso, tem se comparado o desempenho dos remineralizadores com o de outros tipos de insumos, tais como NPK, em diferentes dosagens, adubação verde ou orgânica ou a mistura destas com pós de rocha de diversas origens.
Esses resultados poderão contribuir para fortalecer a recente iniciativa do governo federal ao instituir a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). Essa política visa a promoção da soberania e da segurança alimentar e nutricional, assim como o uso sustentável dos recursos naturais, a conservação dos ecossistemas naturais e a recomposição dos ecossistemas modificados, com a adoção de métodos e práticas que reduzam a dependência de insumos externos e o estabelecimento de sistemas de produção justos e sustentáveis. Também está voltada para mudar o modelo dominante de distribuição e consumo de alimentos, por meio da valorização da agrobiodiversidade e dos produtos locais, da ampliação da participação da agricultura familiar na produção de base agroecológica e da redução das desigualdades de gênero. Sob vários aspectos, pode-se afirmar que o uso da tecnologia da rochagem é condizente com os pressupostos da PNAPO.
Diante de todos esses benefícios, cabe questionar por que a rochagem não é difundida nos países dependentes de importação das matérias-primas utilizadas nas formulações dos fertilizantes químicos. Pode-se dizer que existem cinco principais limitações para fazer dessa técnica uma saída para a crise dos fertilizantes (THEODORO et al, 2009). São elas: (i) ausência de política pública de incentivo ao uso de materiais alternativos, dirigida especialmente a agricultores que desejem mudar a forma de produção, adotando princípios agroecológicos; (ii) inexistência de linhas de crédito com a finalidade específica de financiar a aquisição de pós de rocha; (iii) falta de normatização e regulamentação para a venda e o uso dos remineralizadores, cuja comercialização ainda enfrenta restrições, uma vez que não há critérios e garantias mínimas para caracterizar tais materiais, o que leva a uma competição desigual com outros produtos, comprometendo, assim, suas potencialidades; (iv) elevado custo do transporte do material, em função do preço dos combustíveis e das distâncias, o que pode inibir seu uso, sendo, portanto, fundamental encontrar em cada região rochas com potencial para uso agrícola; (v) preconceito de técnicos e agricultores que desconhecem ou não acreditam nos efeitos e nos resultados dessa prática que, além de ser extremamente fácil de manejar, é econômica e ambientalmente vantajosa, bem como é adequada às necessidades e às particularidades da agricultura tropical, em especial do segmento formado pela agricultura familiar.
Por fim, apesar das restrições de ordem normativa e política, os resultados positivos encontrados nas pesquisas evidenciam alternativas concretas para países e agricultores que busquem a autossuficiência na produção agrícola e a redução da dependência dos fertilizantes convencionais. A ampliação e a difusão da tecnologia da rochagem certamente fortalecerá a busca por padrões de produção mais sus- tentáveis, em acordo com os pressupostos agroecológicos. A escolha está disponível. Resta saber qual caminho o Brasil toma- rá frente à crise socioambiental e à escassez de matérias-primas: se a dependência de um mercado internacional instável e com poucas empresas controlando o mercado nacional ou um modelo mais sustentável do ponto de vista ambiental, econômico e produtivo.
Suzi Huff Theodoro
pesquisadora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB)
[email protected]
Edinei de Almeida
engenheiro agrônomo
[email protected]
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Revista V10N1 – Agrominerais e a construção da soberania em insumos agrícolas no Brasil