Francisco Dueñas Hurtado, Marta Álvarez Gil, Dagmara Plana Ramos, Carlos Moya López, Humberto Ríos Labrada
A comunidade El Tejar – La Jocuma está localizada na região norte do município de La Palma, da província de Pinar del Río, na zona oeste de Cuba. O acesso a suas propriedades é relativamente difícil devido aos caminhos estreitos que existem na subida da Sierra de Los Órganos. A comunidade, constituída por 49 famílias, é tipicamente rural e se caracteriza por apresentar uma agricultura baseada no uso mínimo de insumos químicos e em sistemas tradicionais de preparação das terras e manejo dos cultivos.
Embora o tomate seja cultivado por algumas pessoas, os habitantes não têm tradição na produção e consumo de hortaliças: sua dieta está baseada em arroz, feijão, raízes comestíveis e, em certas ocasiões, na carne de porco ou de boi. Soma-se a isso a erosão cultural que tem ocorrido nos últimos anos e, como elemento fundamental, a pouca ou escassa disponibilidade de sementes e de diversidade de espécies e variedades, o que denota uma insuficiência dos sistemas formais de produção e distribuição de sementes para abastecer a demanda. Como conseqüência, o consumo de hortaliças nessa comunidade é quase nulo, problema que persiste também pela pouca consciência dos habitantes para incorporar, de maneira sistemática e crescente, um maior número de espécies em sua dieta como forma de prevenir muitas doenças.
As feiras de agrobiodiversidade, organizadas há alguns anos em Cuba (ver quadro), têm ajudado a melhorar o nível de vida desses agricultores e têm formado a base de uma ampla e ativa participação no processo de seleção de suas próprias variedades. Desde o início, no final dos anos 1990, as feiras surgiram como uma importante ferramenta de trabalho de fitomelhoramento participativo, organizadas com o objetivo principal de facilitar o fluxo de sementes dos institutos de pesquisa para o agricultor e vice-versa (Ríos e Wright, 2000). Além disso, são um interessante mecanismo para a integração harmoniosa dos conhecimentos e habilidades dos agricultores e dos fitomelhoradores na busca de soluções e práticas para suprir suas demandas por sementes de espécies e variedades cultivadas (Soleri, Cleveland e Smith, 2000).
Crianças de diversas idades comparecem a essas feiras, pois quando se realizam esses eventos a família participa em conjunto, tradição que não se perdeu nas comunidades rurais. Daí a necessidade de inserir nesse evento um grupo de atividades com as crianças para debater temas relacionados à natureza e ao meio ambiente, assim como desenvolver atividades esportivas, por meio de jogos tradicionais cubanos. Tudo isso para garantir o bom desempenho das feiras, para que as mesmas cumpram seus objetivos e as crianças adquiram conhecimentos, ao encontrar nesse espaço o prazer de aprender temas novos.
A realização da primeira feira do tomate, na fazenda da família Mederos, propiciou um intercâmbio entre crianças e facilitadores, permitindo-nos avaliar o grau de conhecimento que tinham sobre as diversas hortaliças e sobre alguns temas relacionados ao meio ambiente. Foram criadas pautas para o debate sobre temas relacionados com o que estava acontecendo na feira, e assim ir montando a base de um conhecimento sólido e válido.
O DIA DA FEIRA
Na manhã de sábado do dia 17 de janeiro de 2004, foi marcado um encontro, no município de La Palma, entre pesquisadores do Instituto Nacional de Ciências Agrícolas (facilitadores), agricultores produtores de tomate, dirigentes de organizações comunitárias do município e crianças de diversas idades, para dar início à primeira feira do tomate. Esta seria celebrada naquela manhã na fazenda da família Mederos, reconhecida por seus bons resultados no cultivo dessa hortaliça.
A atividade com as crianças começou às 9h da manhã. Nela, participaram um total de 50 crianças, as quais mostravam grande entusiasmo, pois essa experiência lhes parecia muito interessante. Depois de uma apresentação geral, buscando gerar um pouco de confiança, realizou-se uma conversa sobre a biodiversidade, perguntado-lhes o que entendiam por esse termo e como, por meio de exemplos em sua própria localidade, poderiam ilustrar esse conceito.
A participação foi muito rica, e pudemos perceber que as crianças reconheciam que a diversidade biológica estava nas diferentes formas de vida que encontramos em uma paisagem ou ecossistema determinado. Outras colocaram que a diversidade podia ser apreciada na variedade de cores que diferentes aves apresentavam, nas diferentes plantas que existem na fazenda onde nos encontrávamos, e até na diferença fenotípica que se via entre cada um dos que estávamos ali presentes.
Mas apesar do grande número de respostas das crianças, o tema tornou-se um pouco difícil para os mais novos. Para despertar seu interesse na atividade, propusemos realizar um concurso de canto, poesia ou histórias relacionadas com a natureza. Embora isso tenha chegado a se converter em uma competição entre os meninos e as meninas, o mais importante é que o respeito prevaleceu. A mensagem chegou dessa forma àquelas para quem o tema, a princípio, soava como algo chato, sem graça.
Concluída a primeira conversa, passamos a realizar um jogo no qual as crianças mostraram suas habilidades físicas, combinando as técnicas de canto com exercício. Posteriormente, nos acomodamos em uma das casas que serve como depósito de sementes para prosseguir com nossa conversa, agora relacionada com o consumo de legumes na dieta das pessoas. Para isso, começamos nomeando as hortaliças que são conhecidas em todo o mundo e as plantadas em nosso país. Depois foi realizado um breve debate sobre o tomate. A conversa começou com perguntas como “O que entendemos por hortaliças? ”, pedindo-lhes para que dessem exemplos. Mencionaram uma gama de hortaliças que são plantadas em Cuba devido às condições climáticas do país, que eram as que eles conheciam. Foram também citadas outras que não conheciam, indicando como são consumidas nos lares e quais são seus benefícios.
As crianças mostraram que sabiam que os legumes servem como fonte de vitaminas, minerais e nutrientes, os quais lhes permitem crescer fortes e vigorosas, garantindo-lhes com isso uma vida saudável. Concentrando-nos em seguida no tomate, falamos sobre sua origem, as diversas formas em que pode ser consumido e sobre a quantidade de nutrientes que incorpora ao nosso organismo, assim como também sobre a diversidade de formas de seus frutos, sabores e cores. Muitos filhos de produtores fizeram menção aos tomates que seus pais haviam plantado, explicando as formas que tinham e seus tamanhos.
Mas uma porcentagem alta de crianças ali presentes não pôde dizer o que entendia por hortaliças: muito poucas participaram nesse momento, e as que o fizeram tinham uma idéia pouco precisa sobre o tema. Para aprofundar a idéia central da reunião, introduzimos a próxima atividade, “a hortaliça perdida”. Para isso, usamos cartões com formas e nome de uma hortaliça, sua origem e sua importância alimentícia. Por estar tudo escrito em uma linguagem pouco científica, garantimos que o conhecimento pudesse chegar às diferentes idades.
Esses cartões foram escondidos em diferentes lugares da fazenda sem que estivessem muito longe uns dos outros, para que fossem encontrados o mais rápido possível. Assim, de uma maneira dinâmica, foi aberto o espaço para a última atividade do encontro. De posse de todos os cartões, as crianças que os encontraram passaram à frente de todos e leram a mensagem que estava escrita, o que ajudou a fixar ainda mais a atenção nos diferentes exemplos de vegetais que podemos encontrar no campo e que podem ser cultivados, e a importância que eles têm para a nossa saúde quando passam a fazer parte da dieta.
A última atividade do dia consistiu em um jogo tradicional, no qual a criança que participa tem os olhos vendados. Coloca-se então em suas mãos um legume ou fruto, que a criança, ao apalpá-lo, deve identificar e dizer o nome. Esse jogo nos permitiu fixar o conhecimento aprendido na conversa anterior e propiciou uma relação mais próxima com as hortaliças. Com esse jogo também pudemos observar que existem algumas espécies que são totalmente desconhecidas, pois não são comuns à dieta dessa população, como a berinjela (Solanum melongena L.) e a cenoura (Daucus carota L.). Isso serviu de marco para podermos falar sobre a importância das mesmas para a saúde humana e para o bom desenvolvimento e funcionamento do organismo. Uma vez terminada a intervenção do facilitador, começamos a preparação de uma salada com esses legumes frescos, a qual iria competir em um concurso de pratos que se realizaria ao final da feira. Para a confecção do prato, as mães nos ajudaram, e as crianças o decoraram a seu gosto.
METAS
Terminada a feira, nós, facilitadores, nos reunimos e expusemos nossas experiências e rapidamente chegamos ao consenso de que devemos continuar trabalhando com as crianças. De um lado, apontou-se que é desde muito cedo que se fixa melhor o conhecimento adquirido, ao ensiná-las a buscar um melhor aproveitamento da biodiversidade e também a incorporar alimentos frescos e saudáveis a sua dieta. De outro, garante-se de forma oportuna que as crianças amem sua terra, suas tradições, seus costumes e se sintam úteis com o trabalho na terra, propiciando que no futuro não ocorram migrações dessas novas gerações para áreas urbanas em busca de melhores oportunidades econômicas. Outra razão importante nesse trabalho é que, durante a realização das feiras, quando seus pais estão em plena atividade, as crianças encontram-se também reunidas em um lugar determinado da fazenda, aprendendo temas interessantes e desenvolvendo suas habilidades físicas e motoras. Para concluir, pode-se dizer que as feiras configuram o espaço adequado para o trabalho educativo-ambiental-recreativo com as crianças. O fato de estarem entretidas propicia um bom desenvolvimento dos objetivos das feiras, pois os pais podem desenvolver suas atividades sem ter que se preocupar com seus filhos.
Apesar deste ser nosso primeiro intercâmbio, consideramos ter conseguido plantar a semente do conhecimento, mas como grupo de trabalho devemos explorar outras formas de propagar o conhecimento, por meio de, por exemplo, concurso de desenhos, peças de teatro com marionetes ou outro recurso educativo. Assim, podemos tornar mais amena a atividade e conseguir a participação dos mais novos, aqueles que em alguns momentos se mostraram algo tímidos, pois desconheciam o tema que estava sendo tratado.
Acreditamos que faltam ainda muitas coisas por fazer e que o desafio é grande, mas abrir um espaço para os mais novos dentro da feira é um passo importante. Conseguir que temas como esses sejam inseridos nas atividades extracurriculares do ensino formal pode ser um dos caminhos propícios para obter o amor às suas raízes e uma das formas de manter a população no campo. Ensinar as crianças a amar sua terra, seus campos e a natureza é a maneira mais nobre de mostrar-lhes o quanto elas são importantes para a realidade de hoje e de amanhã.
Marta Álvarez Gil, Dagmara Plana Ramos, Carlos Moya López, Humberto Ríos Labrada e Francisco
Dueñas Hurtado: Instituto Nacional de Ciências Agrícolas (Inca)
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Referências
RÍOS, H.; WRIGHT, J. Primeros intentos para estimular los flujos de semillas en Cuba. Boletín de ILEIA para la Agricultura Sostenible de Bajos Insumos Externos, vol. 15. n. 3-4. 2000.
SOLERI, D.; CLEVELAND, D.A.; SMITH, S.E. Creando bases comunes en el mejoramiento colaborativo de los cultivos. Boletín de ILEIA para la Agricultura Sostenible de Bajos Insumos Externos, vol. 15. n. 3-4. 2000.
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Revista V2N1 – As crianças e as feiras de agrobiodiversidade: uma vivência em Cuba