Protocolode Cartagena de Biossegurança
2ºEncontro das Partes (MOP2) – Montreal-Canadá
Brasil e Nova Zelândia bloqueiam negociações sobre rotulagem de OGMs(organismos geneticamente modificados)
Por Lim Li Ching e Lim Li Lin
Third World Network
Montreal,4 de junho de 2005– Após cinco dias de intensas discussões, fracassaram as negociações sobrerotulagem de cargas transgênicas a ser implementada pelo Protocolo de Cartagenasobre Biossegurança. Dois países, Brasil e Nova Zelândia, foram os responsáveispelo bloqueio das negociações.
OSegundo Encontro das Partes (MOP2) do Protocolo de Cartagena foi realizado nacidade de Montreal (Canadá) entre 30 de maio e 3 de junho. Esperava-se que,durante o encontro, fossem tomadas as decisões finais com relação aosrequerimentos sobre a identificação e documentação de carregamentos de commoditiesgeneticamente modificadas. O assunto era a principal questão a ser discutida noencontro.
Paraefeitos do Protocolo, essas commodities são definidas como “organismosvivos modificados – OVMs – para serem utilizados como alimento, ração ou paraprocessamento” (LMOs-FFPs, na sigla em inglês). Devido à intransigência deBrasil e Nova Zelândia, ambos signatários do Protocolo de Cartagena, nenhumadecisão com relação a essa questão foi tomada.
OProtocolo de Cartagena, que entrou em vigor no dia 11 de setembro de 2003, é umacordo internacional que regulamenta o movimento entre fronteiras de organismosgeneticamente modificados. O Artigo 18.2(a)[1]é o que o trata, em detalhes, dos requerimentos da documentação que deveacompanhar os carregamentos transgênicos. O mesmo artigo também foi o maiscontencioso durante as negociações para a elaboração do Protocolo em si eacabou sendo a última questão a ser abordada no encontro que estabeleceu oacordo no ano 2000.
Asdivergências em torno do tema quase levaram à paralisação das negociações nomomento em que os grandes países exportadores (EUA, Canadá, Austrália,Argentina, Uruguai e Chile), que se auto-intitulam o Grupo de Miami e que nãosão signatários do Protocolo, tentaram impedir qualquer tipo de rotulagem. Comoforma de chegar a um acordo, no entanto, os outros países foram forçados aaceitar que a documentação que acompanhasse os carregamentos de OVMs deveriaapresentar o rótulo com a inscrição “pode conter” transgênicos.
Ofato de que nenhuma decisão foi tomada durante o MOP2 deixa aberta a questãosobre o vencimento do prazo de implementação do Artigo 18.2 (a). Não há nenhumencontro previsto até setembro de 2005, quando o prazo expira. Entretanto, oBrasil, que sediará o Terceiro Encontro das Partes (MOP3) em março de 2006, jádeixou clara sua vontade de continuar com as discussões sobre o tema no anovem. Outros países também se manifestaram a favor de uma continuação dasnegociações durante o MOP3.
Afalta de consenso também deixa aberta a questão sobre qual versão do documentoserá usada como base de discussão no próximo encontro – já são 11 versões namesa de discussão. Normalmente, a base de negociação utiliza a versão maisatualizada e acordada por todas as partes do Protocolo.
Adelegação da Etiópia, em seu pronunciamento final, convidou todas as delegaçõesdos países em desenvolvimento a elaborar, com base na sua legislação nacional,requerimentos rigorosos para a documentação que deverá acompanhar carregamentosde OVMs, em vez de esperar por uma decisão a ser tomada no MOP3. A maioria dospaíses quer que a rotulagem de cargas transgênicas exponha, claramente, queelas contêm OVMs. Além disso, eles são favoráveis a que se assegure que apenasOVMs aprovados pelos países importadores sejam enviados aos mesmos. Essasmedidas ajudariam a garantir que os testes para identificar a presença detransgênicos seriam realizados nos países exportadores, e não nos importadores,muitos dos quais são países em desenvolvimento que não possuem as ferramentasnecessárias para avaliações e monitoramentos deste tipo.
Brasile Nova Zelândia, no entanto, defenderam que o rótulo com o título “pode conter”[transgênicos] fosse mantido, e não estavam dispostos a se comprometer com aquestão. Essa posição significaria que carregamentos de grãos não precisariamser segregados ou avaliados antes de deixar o país exportador. Cargas de grãospodem conter misturas de não-transgênicos, OVMs aprovados e mesmo LMOsnão-aprovados, que podem resultar da contaminação a partir de camposexperimentais de organismos geneticamente modificados. Isso permitiria que um“vazamento global de poluição genética acontecesse sem que fosse notado”, comodefiniu a delegação da Etiópia, que presidiu o grupo africano. Como exemplo,foi citado o caso do milho transgênico Bt10, que foi comercializado e exportadoa partir dos EUA por engano durante 4 anos.
Apesarde se oporem à posição defendida por Brasil e Nova Zelândia, muitos paísesestavam dispostos a aceitar, como forma de se chegar a um consenso, que, emalguns casos específicos, o rótulo com o dizer “pode conter” poderia ser usado,desde que informações detalhadas sobre a identidade do possível OVM contido nocarregamento também fossem fornecidas. Negociações nesse sentido começaram acircular desde o primeiro dia em Montreal, entretanto, Brasil e Nova Zelândia,pareciam estar intencionados a simplesmente bloquear e adiar as discussões.Durante três longas noites de negociações, diversas versões de um rascunho dodocumento foram discutidas e, a cada rodada, rejeitadas pelos dois países.
Adelegação da Nova Zelândia chegou a propor que qualquer referência a casos emque o limiar da presença de OVMs tivesse sido ultrapassado de maneira“acidental” ou “inevitável” deveria ser apagada. No entanto, a Nova Zelândianão conseguiu apresentar argumentações consistentes que sustentassem suaposição, a não ser o risível argumento de que as regras de rotulagem deveriamse aplicar apenas aos carregamentos de produtos transgênicos e não àqueles queeventualmente pudessem ter sido contaminados por OVMs. Diante da falta de nexodas alegações da delegação neozelandesa, a conclusão foi de que a discussãohavia sido levantada apenas como forma de interromper as negociações.
Tambémdiante da posição intransigente do Brasil nas negociações, ficou claro para asoutras delegações que o país, que tanto lutou para proteger o meio ambiente, asaúde e os interesses sócio-econômicos das chamadas nações em desenvolvimentocontra a intensa pressão das indústrias, dos exportadores e dos produtores deorganismos geneticamente modificados, acabou por quebrar seu compromisso com oProtocolo depois da aprovação nacional do cultivo da soja transgênica.
Comonão foi possível chegar a um consenso, a questão foi levada, então, para areunião do Grupo de Trabalho. Do lado de fora, ONGs protestavam contra ocomportamento das delegações de Brasil e Nova Zelândia. Durante as discussõesdo GT, as divisões permaneceram, mas com um agravante: a delegação brasileirafoi contra o estabelecimento do documento único para acompanhar oscarregamentos transgênicos. O parágrafo que tratava desta questão já havia sidodiscutido e acordado pela maioria dos países que o documento único seria maiseficiente de modo que as autoridades em biossegurança poderiam ter acesso maisfacilmente às informações ali contidas.
Paraacabar com as divisões de opinião, as delegações da Suíça, a dos países daÁfrica e outros grupos menores se dispuseram a mediar as negociações, masnenhuma das tentativas foi bem-sucedida. Num último esforço para que sechegasse a um consenso, o Grupo da Ásia e Pacífico sugeriu que fosse usado umesboço anterior e que estabelecia que os exportadores deveriam providenciar umdocumento com a informação de que os OVMs em questão haviam sido aprovados nopaís importador, além de informar quais organismos geneticamente modificadostinham sido usados na mistura da carga. Mais uma vez, a sugestão foi rejeitada.
Comoas decisões no Encontro das Partes são normalmente tomadas por consenso, Brasile Nova Zelândia foram bem-sucedidos em interromper as negociações, e nenhumadecisão foi adotada com relação ao Artigo 18.2(a). A forma de tomada de decisãotambém chegou a ser discutida, tendo sido proposto que se adotasse o quesitomaioria de dois terços, o que foi fortemente combatido pela Nova Zelândia e, aofinal, não aprovado. Em alguns momentos, a delegação neozelandesa pareciadefender exatamente a mesma posição dos EUA, expressa em cartas enviadas aosmembros dos comitês.
Noentanto, algumas decisões puderam ser tomadas durante o MOP2, como as comrelação à notificação, a questões científicas e técnicas, à identificação deOVMs para uso controlado e para introdução no meio ambiente, à avaliação egerenciamento de risco, além de algumas considerações sócio-econômicas.
Outrotema que começou a ser elaborado foi o que tratará da questão do regime deresponsabilidade. Durante as discussões sobre qual regime deveria ser elaborado,a delegação da Nova Zelândia chegou a propor que nenhuma norma deveria seradotada, provocando risos nos presentes à conferência.
Essaquestão e outros trabalhos continuarão a ser discutidos, informalmente, duranteo intervalo até o próximo encontro, em fevereiro de 2006, uma vez que ossignatários do Protocolo foram convidados a enviar textos e documentos até trêsmeses antes da realização da conferência. Os coordenadores do Grupo de Trabalho(Colômbia e Holanda) usarão os documentos enviados para elaborar um rascunho deproposta para ser discutido durante o MOP3.
Asnegociações em torno do tema da biossegurança também foram ofuscadas pelaatitude do governo canadense de rejeitar e/ou atrasar a emissão de vistos pararepresentantes de delegações de países em desenvolvimento, como Etiópia e Irã,e de organizações da sociedade civil da Índia, por exemplo.
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Tradução Sabrina Petry
AS-PTA
Maiores informações sobre oProtocolo de Biossegurança estão disponíveis nos sites:
http://www.biosafety-info.net/
http://www.twnside.org.sg/
http://www.biodiv.org/doc/meeting.aspx?mtg=MOP-02
http://www.iisd.ca/biodiv/bs-copmop2/
[1] Artigo 18: Manuseio,Transporte, Embalagem e Identificação. Parágrafo 2 (a): Cada Parte tomarámedidas para exigir que a documentação que acompanha os organismos vivosmodificados destinados ao uso direto com alimento ou ração, ou paraprocessamento, identifique claramente que eles “podem conter” organismos vivosmodificados e que não são destinados à introdução intencional no meio ambiente,e indique o ponto de contato que possa fornecer informações adicionais. AConferência das Partes, atuando como Reunião das Partes deste Protocolo tomaráuma decisão quanto às exigências detalhadas para este fim, incluindo aespecificação de sua identidade e qualquer identificação exclusiva (única), nãomais do que dois (2) anos depois da entrada em vigor deste Protocolo.